Enquanto o Brasil flerta com a Opep, a Colômbia diz não aos fósseis

No mesmo dia, países fazem anúncios em direção oposta e escancaram a divisão global sobre o abandono do petróleo

O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, discursa na COP28
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DUBAI – Duas horas depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva confirmar a entrada do Brasil na Opep+, um grupo de países alinhados ao cartel do petróleo, seu colega Gustavo Petro anunciou que a Colômbia se uniu a uma iniciativa que quer banir os combustíveis fósseis.

Os colombianos são o décimo país – e de longe o de maior peso – da iniciativa que quer a criação de um Tratado de Não-Proliferação de Combustíveis Fósseis.

Petro anunciou a entrada na aliança em um dos eventos mais concorridos deste sábado na COP28, que acontece em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

Como sugere o nome, a ideia se baseia no Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares. “É preciso escolher entre o capital fóssil e a vida humana. Não tenho dúvida nenhuma: estou do lado da vida”, afirmou o presidente colombiano.

A coalização foi lançada oficialmente há três anos e é encabeçada por Tuvalu e Vanuatu, duas pequenas nações-ilha do Pacífico que correm o risco de desaparecer com o aumento do nível dos oceanos causado pela mudança climática.

A Colômbia é o terceiro maior produtor de petróleo da América Latina, depois de Brasil e México. A coalizão TNPCF defende a criação de um órgão independente para administrar a eliminação de carvão, petróleo e gás.

Petro enquadrou o assunto em termos de extinção da humanidade e disse que algumas das soluções aventadas para reduzir o impacto dos fósseis equivaleria a “acender velas para deuses ou deusas que não vão fazer milagre”. O breve discurso foi aplaudido de pé.

Existe uma grande pressão para que o documento final da conferência mencione a necessidade de reduzir ou eliminar o uso de carvão, gás natural e petróleo.

Mas, num evento realizado no Golfo Pérsico e presidido pelo CEO da estatal Adnoc, uma das maiores produtoras de petróleo do mundo, há dúvidas sobre as chances de sucesso desse tipo de linguagem.

Equilibrismo

Lula também vem escolhendo com cuidado as palavras quando toca no assunto. No primeiro de seus discursos, afirmou ser a hora de “trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis. Temos de fazê-lo de forma urgente e justa”.

O presidente comanda um governo dividido sobre a exploração de petróleo na Margem Equatorial. De um lado, a Petrobras e o Ministério das Minas e Energia querem aproveitar o que deve ser a última oportunidade de explorar uma grande jazida.

De outro, o Ministério do Meio Ambiente está preocupado com os riscos da operação em uma região tão sensível como a foz do Amazonas – além de entender que as credenciais verdes do país ficam manchadas nas mesas de negociação internacionais.

Falando a jornalistas, Petro disse que a América Latina ainda “não compreende a magnitude” do momento e que as forças progressistas da região não conseguiram formular um projeto “independente dos combustíveis fósseis”.

O problema, disse o colombiano, “é mais mental, mais de audácia”, pois seria muito mais fácil para os latinos que para europeus, americanos e chineses se livrar de vez de petróleo, carvão e gás.

Mas ele não criticou Lula diretamente. Questionado sobre a entrada do Brasil na Opep+, afirmou respeitar a decisão do brasileiro.

Os ambientalistas brasileiros não foram tão graciosos, especialmente com a decisão do ministro Alexandre Silveira, do MME, de anunciar – e celebrar – a aproximação com o cartel do petróleo durante uma COP.

“Com ministros assim, o presidente não precisa de inimigos”, afirmou Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, uma entidade que reúne cerca de 70 ONGs ambientais.

Para Leandro Ramos, do Greenpeace Brasil, “a incoerência [entre a agenda verde apresentada pelo governo e o passo rumo à Opep] apode colocar em xeque a sua posição para cobrar metas mais ambiciosas dos países desenvolvidos e custará caro à política climática brasileira”.

Carvão

O dia teve outro anúncio importante relativo ao carvão, o mais sujo dos combustíveis fósseis.

Os EUA aderiram à aliança “Powering Past Coal”, assumindo o compromisso de fechar todas as suas usinas termelétricas. O governo de Joe Biden se comprometeu a eliminar o carvão de sua matriz elétrica até 2035.

O anúncio foi feito por John Kerry, a mais alta autoridade climática do país. O abandono do carvão já estava nos planos, e a queda no preço das renováveis já apontava para um declínio inevitável. Mas a notícia teve importância simbólica.

Os Estados Unidos têm o terceiro maior número de térmicas a carvão, depois de China e Índia. “Agora, aumenta a pressão não só sobre esses dois emergentes, mas também sobre Japão, Austrália e Coreia do Sul”, disse Alden Meyer, do centro de estudos europeu E3G.

No Brasil, país que tem uma das eletricidades mais limpas e mais baratas do mundo, o marco das usinas eólicas offshore aprovado na Câmara incluiu uma provisão para estender a vida de usinas no Sul até 2050.