Os créditos de carbono negociados no mercado voluntário foram tema do terceiro painel do evento “Mercados de Carbono: Presente e Futuro”, promovido pelo Reset nesta segunda-feira (16). O encontro foi patrocinado por Natura, Itaú, BRF Marfrig, Bradesco, Suzano, Banco ABC Brasil e Race to Belém. O evento faz parte do projeto COP 30.
A discussão envolveu a duradoura crise enfrentada pelos projetos que conservam florestas, conhecidos como REDD+. Denúncias e escândalos no Brasil e no exterior levaram muitas empresas a evitar esses ativos, com medo de problemas de reputação.
O interesse crescente por empreendimentos que recuperam áreas degradadas, principalmente por parte das big techs, também foi debatido. Uma das opiniões unânimes dos painelistas: não se trata de um jogo de soma zero. O país precisa dos – e existe demanda pelos – dois tipos de ativo.
“Montar esse quebra-cabeça com tipos diferentes de projetos é importante”, afirmou Thiago Piccolo, CEO da startup de reflorestamento Re.green.
Do lado da conservação, há sinais de que a atratividade do REDD+ possa estar voltando. Um ponto de virada deve ser a atualização da metodologia usada pela Verra, empresa que domina a certificação de créditos de carbono florestais.
O novo “framework” promete aumentar as certezas de que as emissões de carbono foram realmente evitadas numa área florestal protegida com a criação do projeto.
No novo sistema, conhecido pelo código VM0048, a pressão do desmatamento é calculada para o Estado inteiro – não mais por projeto. Isso deve resolver uma das principais críticas aos créditos gerados pela conservação florestal: a possibilidade de exagero no benefício climático, resultando num “superfaturamento” dos créditos.
A Verra já divulgou os mapas de risco de Mato Grosso e Pará. Os próximos serão Amazonas e Rondônia, afirmou Annie Groth, representante da Verra no Brasil.
“A integridade é o produto que o mercado procura”, disse Munir Soares, CEO da desenvolvedora de projetos Systemica. “Se você pega o estoque de crédito de carbono no mercado, a gente tem de 5 a 7% com ratings positivos [conferidos por agências de avaliação independentes]. O produto integridade virou algo raro e escasso”, afirma.
Mais demanda
Soares vê um cenário positivo para o mercado voluntário de créditos no Brasil. Além de mais credibilidade, ele acredita que novas demandas vão surgir nos próximos anos.
O executivo menciona o Corsia, mercado de compensação de carbono dedicado das empresas de aviação. Já está estabelecido que, mesmo com o uso de combustíveis renováveis, o setor vai precisar abater cerca de um terço de suas emissões por meio da compra de créditos.
Dentro do Brasil, o futuro mercado regulado – que impõe um teto sobre grandes emissores – permitirá alguma compensação via créditos gerados no mercado voluntário, criando outra demanda.
Os chamados ajustes correspondentes também foram mencionados por Soares. Trata-se de uma autorização concedida pelo governo nacional onde o crédito é gerado para que aquelas emissões possam ser abatidas da contabilidade de outro país, para fim de cumprimento de suas metas climáticas, as NDCs.
A expectativa é que os ativos que contarem com essa autorização, prevista no Artigo 6 do Acordo de Paris, sejam mais valorizados. O governo brasileiro ainda não deu indicações de quais serão as políticas em relação a isso.
“Hoje estamos falando de 100 mil hectares [em projetos de reflorestamento privados, que contam com as receitas de créditos de carbono]. O Brasil está escolhendo deixar de fazer 500 mil hectares. [Temos] um potencial muito maior a aproveitar.”
Na avaliação de Munir Soares, a crise de credibilidade dos projetos REDD+ dos últimos anos levou a uma mudança no interesse por créditos, que saiu da conservação para focar em restauração e reflorestamento, conhecidos como ARR.
Mas não se trata de uma competição nem de uma substituição de uma modalidade pela outra, afirmou Thiago Piccolo, da Re.Green. “Não tem como a gente imaginar que vai gerar milhões e milhões de créditos de carbono via remoção [no curto prazo], nem que brotasse aqui o maior cheque do mundo”, disse ele, referindo-se ao longo tempo de maturação de projetos de restauro florestal. Nesse sentido, os créditos de preservação da floresta em pé são a modalidade que tem mais volume a oferecer num horizonte de tempo curto.
Inovações financeiras
Apesar do interesse crescente demonstrado por projetos de reflorestamento – cujos créditos de carbono removem CO2 da atmosfera –, ainda existem gargalos para que essa atividade ganhe escala.
Parte da resposta está no desenvolvimento dessa nova indústria, o que inclui da coleta de sementes à produção de mudas.
Viviane Otsubo Kwon, senior expert da área de sustentabilidade do Santander, vê necessidade de uma atuação “sistêmica” para conseguir baixar os custos dos projetos. Reflorestar um hectare pode custar até R$ 30 mil por hectare, a depender do nível de degradação da área.
“Todas as empresas [de restauração] precisam dar certo. Só uma empresa não é capaz de gerar o impacto que a gente precisa, de reduzir o custo para restaurar a floresta e obter escala”, afirmou Kwon.
Esse ganho de escala, na visão da executiva, deve ajudar a destravar um fluxo maior de crédito para os projetos. Um dos motivos que ela aponta é mais comparabilidade entre as iniciativas.
Hoje, os bancos têm dificuldade em estruturar o chamado “project finance” desse tipo de atividade, pois ainda há poucas experiências que demonstrem fluxos de caixa, por exemplo.
“Se eu não tenho benchmark, eu não consigo comparar. Depende muito do local. Depende muito do estágio de degradação. Não tem ainda esses dados para que a gente consiga fazer essas projeções e falar que está no caminho certo. A ciência tem que estar junto com a gente. Isso dá segurança e é uma das garantias”, afirmou Kwon.
Ela disse que o banco teve de inovar para conceder uma fiança bancária à Mombak. A startup, que também atua na restauração, dependia desse documento para sacar R$ 100 milhões do Fundo Clima. Em maio, a Re.green destravou R$ 80 milhões ao conseguir uma garantia semelhante do Bradesco.
Para diminuir a necessidade de garantias, Viviane Otsubo Kwon defende que cada um no sistema financeiro “ceda um pouco”, ajudando a baixar o custo de capital. Também seria importante programas do governo – como o programa EcoInvest – focados em garantia para projetos de reflorestamento.
“O fato é que essas árvores precisam ser plantadas e crescer. Depois a gente alivia os incentivos. Quando as florestas crescem, a gente consegue mitigar os riscos e desenvolver seguros para isso”, afirma.