OPINIÃO

É o preço do carbono – não os mercados – que reduz as emissões

À espera da regulação dos grandes emissores nacionais, é importante entender o funcionamento e objetivo desses mecanismos

É o preço do carbono – não os mercados – que reduz as emissões
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Ao contrário do que possa parecer, os mercados de carbono não reduzem a concentração de gases de efeito estufa da atmosfera. As trocas têm resultado zero. O vendedor deixa de emitir ou remover uma determinada quantidade de gás da atmosfera para que o comprador possa emitir exatamente o mesmo tanto.

Mas então por que esses mercados fazem parte do Acordo de Paris e estão na pauta de governos, empresas e da mídia? Porque são um dos dois principais instrumentos econômicos para colocar um preço nas emissões e remoções de carbono da atmosfera (o outro é taxar as emissões).

Atribuir um valor financeiro às emissões é importante para que consumidores passem a preferir produtos com menos carbono embutido e, portanto, mais baratos. É importante para empresários tomarem decisões de investimento que resultem em menos emissões e, portanto, com impacto menor do preço de seus produtos.

Nos mercados regulados, quem induz a redução de emissões não é o mercado: é o seu órgão regulador. Com base em planos climáticos, ele estabelece um limite de emissões de gases de efeito estufa para os setores sujeitos à regulação e vai gradualmente reduzindo esse limite.

Ou seja, as alocações de permissões – “direitos de poluir” –  são reduzidas gradualmente e, portanto, o volume em circulação é cada vez menor. Em princípio, quanto menor o volume, maior o preço da permissão.

Com isso, mais agentes substituirão equipamentos emissores – principalmente os que queimam combustíveis fósseis. Além disso, a redução gradual desse teto (cap) de emissões por si só é a decisão que leva a uma redução total de emissões de carbono dos setores afetados. O mercado apenas permite que essas reduções sejam alocadas de uma forma mais custo-eficiente.

Nos mercados voluntários, embora não exista um regulador onipresente, há pressões de acionistas, investidores, consumidores e da sociedade para que empresas reduzam suas emissões. Num primeiro momento, comprar créditos de carbono no mercado voluntário permite adiar a transição necessária. À medida que mais empresas entram nessa rota, e supondo que exista um teto para a geração de créditos de carbono, novamente os preços desses créditos sobem, induzindo os investimentos necessários para a transição.

Soma zero

Ao permitir essas trocas de soma zero, os mercados buscam as transformações ao menor custo.

Em mercados regulados, atividades que substituem combustíveis fósseis a custo mais baixo geram sobras de permissões mais baratas e serão as primeiras a serem implementadas.

No voluntário, projetos que requerem menos investimento e/ou que tenham custo operacional mais baixo gerarão créditos de carbono mais baratos e, novamente, serão os primeiros a ser implantados.

O impacto econômico da transição custa menos quando há mercados de carbono funcionando como manda o manual.

Só para reforçar a mensagem inicial: por si só, mercados carbono não alteram a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera. Governos, reguladores e consumidores precisam tomar decisões que reduzam essa concentração. Os mercados são um mecanismo de minorar seus impactos econômicos.

Há um “detalhe” importante e danoso quando se deseja permitir que esses mercados sejam interligados, permitindo que créditos advindos de projetos de carbono sejam aceitos em mercados regulados.

Nestes, o regulador dispõe de dois instrumentos para induzir a transição: o volume de permissões em circulação e o preço da permissão. Ao estabelecer uma multa (por tonelada de carbono, por exemplo), o regulador define um preço teto. Os entes regulados têm a referência necessária para decidir, quando necessário, se compram permissões ou pagam a multa.

O regulador deve aumentar o valor da multa gradualmente, permitindo que o preço da permissão suba e levando mais agentes a optar por equipamentos e processos menos emissores. Esse controle do teto de preço é fundamental para induzir as mudanças.

Mercado voluntário x regulado

Permitir a entrada de créditos de carbono aleija o regulador de intervir no preço do carbono, uma vez que o preço do crédito de carbono vem de um mundo onde o regulador não tem mão. No limite, o mercado regulado perde o sentido, pois sempre será possível ao empresário comprar créditos de carbono ao invés de percorrer o caminho da transição.

É verdade que o uso dos créditos de carbono pode reduzir os custos de conformidade e expandir os incentivos de redução e os benefícios da mitigação para outros setores fora do mercado regulado, como a conservação e restauração florestal, conforme proposto pelo Banco Mundial para o mercado brasileiro no âmbito do projeto Partnership for Market Readiness.

Mas isso precisa ser feito com muita cautela e precisão. “Terceirizar” a redução de emissões é um caminho arriscado e que pode nos deixar ainda mais longe de alcançar o tão almejado net zero.

*Caroline Dihl Prolo é advogada especialista em mudanças climáticas, diretora executiva da LACLIMA e colunista no Reset.

*Shigueo Watanabe Jr. é especialista em mudanças climáticas e energia e pesquisador no Instituto Talanoa, onde desenvolve projetos sobre os aspectos climáticos de políticas públicas