De um ponto de vista estritamente climático, as atividades geradoras de créditos de carbono mais comuns no Brasil – desmatamento evitado e reflorestamento – estão entre as mais eficazes soluções de combate ao aquecimento global baseadas na natureza.
Essa foi a conclusão de uma revisão de artigos científicos publicada no final de março na revista Nature Climate Change.
Especialistas de 11 instituições, incluindo Universidade Columbia e duas das maiores ONGs ambientais do mundo, Environmental Defense Fund (EDF) e The Nature Conservancy, analisaram a produção acadêmica relacionada a 43 atividades que reduzem ou removem gases de efeito estufa.
O paper não se debruça nem tenta analisar os méritos individuais das várias alternativas existentes. O painel de 27 pesquisadores se baseou na literatura disponível para determinar quais atividades têm mais respaldo científico e, portanto, deveriam ser priorizadas com recursos.
O resultado do trabalho é uma matriz que cruza o impacto potencial das atividades (em termos de redução ou remoção de carbono) com o grau de confiabilidade de cada uma delas.
Conservar ou restaurar florestas temperadas ou tropicais – a amazônica é a maior de todas – apresenta a melhor relação entre esses dois indicadores.
Em outras palavras, são as estratégias que combinam benefício climático com um maior grau de certeza científica em relação a reduções ou remoções de carbono.
“Há uma enorme proliferação de soluções climáticas baseadas na natureza, e muitas delas já têm protocolos para a geração de créditos de carbono”, disse ao Reset Doria Gordon, pesquisadora-sênior do EDF e uma das autoras do estudo.
“Queremos acelerá-las, mas não podemos depender de rotas que ainda não entendemos plenamente”, afirma Gordon. “Em vários casos a ciência ainda não é conclusiva.”
Atividades como a preservação e restauração de corais foram consideradas as de menor impacto e confiabilidade. Métodos como restauro de áreas pantaneiras, rotação de culturas agrícolas e manejo de pastagens ficaram no meio do caminho.
Os motivos variam: em alguns casos ainda há poucos estudos científicos sobre o assunto; em outros, houve divergência entre os pesquisadores consultados.
Nesses casos, são necessárias mais pesquisas, argumentam os autores. Soluções “sem forte sustentação científica ameaçam a contabilidade global [de carbono], potencialmente superestimando benefícios climáticos futuros e minando a confiança nas soluções naturais rigorosas”.
Ressalvas
As conclusões devem ser lidas pelo que são, afirma a pesquisadora. Em primeiro lugar, elas representam um apanhado da literatura científica existente e levam em conta apenas o benefício do carbono.
Isso não significa que a proteção de corais ou a agricultura de baixo carbono não tragam outros ganhos, seja de biodiversidade ou sociais.
O segundo ponto, e talvez mais crítico, é que uma sólida fundação na ciência não garante bons projetos geradores de créditos.
Já existem evidências suficientes sobre a capacidade de armazenamento de CO2 das árvores da Amazônia e as maneiras de medir as mudanças nas paisagens remotamente, usando imagens de satélite, afirma Gordon.
“O que não fica claro é se estamos implementando bem os projetos. E são coisas muito diferentes. Só podemos contar com essas soluções [no combate à mudança climática] se elas forem feitas do jeito certo.”
De “superfaturamento” de carbono a exploração de populações indígenas e comunidades locais mancharam a reputação do mercado, no qual empresas compram esse tipo de crédito voluntariamente para compensar suas emissões.
Várias medidas de autorregulação, tanto do lado da geração dos créditos quanto do lado dos compradores, vêm sendo desenvolvidas globalmente para recuperar a credibilidade desse instrumento.
Gordon afirma que a confiança científica anda em paralelo com a mercadológica. Com a ressalva de que seu olhar é acadêmico, ela afirma que o setor avançou nas últimas duas décadas.
“Acho que os padrões atuais aprenderam com os erros do passado. Se os investidores insistirem neles, a confiança vai retornar.”
Ao mesmo tempo, a solidez científica das atividades não pode ser ignorada. Gordon aponta as turfeiras, tipicamente consideradas um grande sumidouro de CO2.
Esses ecossistemas são normalmente inundados e formados por camadas de matéria orgânica parcialmente decomposta, o que explica as grandes quantidades de carbono armazenadas.
Mas em algumas partes do planeta o nível da água nas turfeiras vem caindo ou apresentando grandes variações. Com secas prolongadas ou incêndios, as turfeiras podem se tornar emissoras em vez de sequestradoras de carbono.
Esse é o tipo de incerteza, potencializada pelas mudanças no clima, que o estudo tentou capturar.
Não se trata de determinar por quanto tempo aquele CO2 está “seguro”, mas sim entender que talvez faça mais sentido investir em outras soluções cujos riscos são mais bem compreendidos, afirma a pesquisadora.