‘Árbitros’ do net zero mandam sinais contraditórios sobre créditos de carbono

SBTi, que valida planos de descarbonização de empresas, mantém ambiguidade sobre validade de compensações; decisão sai apenas em dezembro de 2025

‘Árbitros’ do net zero mandam sinais contraditórios sobre créditos de carbono
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Documentos publicados nesta terça-feira pela entidade de maior influência sobre os planos net zero corporativos contribuíram para o clima de incerteza que paira sobre o mercado voluntário de créditos de carbono.

A Science Based Targets initiative (SBTi), organização que na prática atua como juíza do que pode constar nas estratégias de descarbonização das empresas, confirmou que segue avaliando se aceitará ou não os créditos de carbono como parte dos planos.

Ao mesmo tempo, uma revisão de trabalhos científicos conduzida pela entidade indicou que esse tipo de instrumento financeiro é na maior parte das vezes “ineficaz” em seu objetivo de mitigar os gases de efeito estufa.

A entidade vai anunciar somente no fim de 2025 se os créditos de carbono poderão ser usados como complemento aos cortes de emissões de gases de efeito estufa pelas empresas. Uma versão prévia das diretrizes entra em consulta pública no fim deste ano.

A decisão final deve ter grande impacto no mercado voluntário. Hoje, a entidade veta o uso de créditos de carbono na concessão de seus selos. Um OK da SBTi criaria uma enorme demanda: mais de 4000 companhias já tiveram suas metas de descarbonização aprovadas pela entidade, e milhares de outras aguardam a avaliação de seus planos. 

Caso o uso das compensações não obtenha o aval da SBTi, não seria o fim do mercado voluntário, que leva esse nome pois as empresas adquirem créditos mesmo sem estar sujeitas a obrigações legais.

Mas uma negativa representaria mais um duro golpe em um mercado que há tempos atravessa uma grave crise de credibilidade por causa de sucessivos escândalos de fraude e práticas duvidosas, além de críticas sobre a real contribuição do uso de créditos no combate ao aquecimento global.

Revisão

A divulgação dos documentos faz parte da revisão dos padrões net zero que a SBTi usa como régua para analisar as propostas das empresas.

Lançada em 2015 como uma parceria entre o Pacto Global da ONU, o CDP e as ONGs World Resources Institute e WWF, a iniciativa concede seu cobiçado selo de qualidade às estratégias corporativas alinhadas com a melhor ciência climática.

Empresas brasileiras como Citrosuco, Marfrig, Natura e Votorantim Cimentos já tiveram seus planos aprovados.

A maior complexidade no levantamento e na mitigação das emissões corporativas envolve a cadeia de valor, também conhecida como o escopo 3.

Algumas companhias têm centenas ou até mesmo milhares de fornecedores. Os defensores dos créditos de carbono afirmam que o escopo 3 é um caso típico em que as compensações, ou offsets, seriam justificadas.

Em um dos documentos divulgados nesta terça, a própria SBTi reconhece as dificuldades do escopo 3 e traça cenários em que os offsets contribuam com a descarbonização, dentro de certas condições.

Em outro documento, entretanto, a entidade aponta problemas fundamentais de integridade dos créditos de carbono. A SBTi sintetizou estudos científicos que investigam a eficácia desse instrumento nos objetivos climáticos das empresas.

Mas a própria organização afirma que o método tem limitações: os trabalhos foram submetidos durante uma consulta pública, o que resultou em uma amostra pequena e não necessariamente representativa.

Incerteza

As indicações aparentemente contraditórias da SBTi foram recebidas com frustração por participantes do mercado voluntário.

“As empresas continuam sem clareza e sem diretrizes firmes”, afirmou ao site Carbon Pulse Tommy Ricketts, CEO e co-fundador da BeZero Carbon, uma empresa que faz ratings de créditos de carbono.

O líder da ONG conservacionista American Forest Foundation, Nathan Truitt, disse à mesma publicação que a demora na definição é “inaceitável”.

Esta não é a primeira comunicação da SBTi que mexe com o mercado de carbono voluntário.

Em abril, uma divulgação errônea a respeito de uma mudança na política de offsets da entidade causou enorme confusão.

A entidade afirmou que os créditos seriam aceitos para neutralizar parte das emissões de escopo 3. Depois de uma revolta pública dos funcionários, a SBTi voltou atrás.

No mês passado, o CEO da organização, o brasileiro Luiz Amaral, pediu desligamento do cargo alegando razões pessoais.