Não é novidade que investidores de todo mundo tenham voltado sua atenção para Amazônia nos últimos anos, seja pela necessidade de preservação florestal, seja pelas oportunidades que a bioeconomia da região traz.
Mas investir em negócios da Amazônia não é o mesmo que investir em negócios na Amazônia, diz Marcelo Salazar, engenheiro que está há quase 20 anos atuando na região e é o idealizador e co-CEO da Mazô Maná, foodtech que criou um “super shake” com ingredientes da floresta.
Não basta distribuir cheques e voltar para a Faria Lima. É preciso jogar junto com as startups, ou seja, entender suas necessidades e conectá-las à indústria e ao mercado – sem esquecer, é claro, do impacto ambiental e social que as empresas podem trazer para a região.
Esse foi o ponto de partida do Sinergia Investimentos, um programa de aceleração de startups criado pela Jornada Amazônia, plataforma de inovação e empreendedorismo da Fundação CERTI, entidade que apoia o desenvolvimento de projetos inovadores e tecnológicos.
Em parceria com as aceleradoras Amazônia B e Darwin Startups e a gestora Cventures (que pertence à CERTI), a iniciativa é um spin-off de um programa que já existe desde 2021, o Sinergia, que já apoiou 60 startups amazônicas e está indo para sua quarta edição.
A diferença do novo programa é que, além de mentorias e capacitação, as empresas iniciantes também recebem aporte financeiro.
Os cheques serão de R$ 300 mil a R$ 1 milhão, com participação de 3% a 15%, a depender do estágio em que cada startup se encontra. O programa tem coparticipação e investimentos do Fundo Vale e de grandes bancos como Bradesco, Itaú Unibanco e Santander.
Primeira seleção
O programa está em sua primeira fase, que deve se estender ao longo do primeiro semestre deste ano.
No ciclo inicial, a Jornada Amazônia voltou-se para empresas que já constavam do portfólio do Sinergia e fez uma seleção interna para definir as startups que iriam participar do novo programa.
Entre 30 startups – todas em fase inicial de desenvolvimento – foram selecionadas 8: Amazonique, Amazonian SkinFood, AeroRiver, DCO Sustentável, Hylaea, Mazô Maná, Mombora e RestaurAgro.
Os negócios selecionados são muito diversos entre si: vão dos shakes da Mazô Maná à microgeração de energia renovável da DCO Sustentável. A mistura é proposital, segundo Victor Moreira, coordenador de programas da Jornada Amazônia.
“É difícil definir um segmento porque existe grande potencial em negócios para geração de valor para a floresta. Para ser um programa efetivo, a gente tem de olhar [para as startups] da mesma forma como a floresta funciona, com essa complexidade”, afirma Moreira.
O próximo ciclo do programa começará em junho e deve contemplar até 10 startups – o número exato ainda não foi fechado.
A diferença é que, na próxima etapa, as chamadas para inscrições devem ser abertas a qualquer startup que tenha interesse – e não apenas aquelas que já eram apoiadas pela Jornada Amazônia.
“Até 2025, temos o cenário de apoiar e investir em 30 startups”, adianta o coordenador da plataforma.
Pé no chão (ou na floresta)
Para Salazar, da Mazô Maná, o programa pode servir como referência para destravar investimentos de risco na região.
“É importante ter um movimento de negócios da sociobioeconomia que normalmente não passariam num processo tradicional de startups. A Mazô Maná tem uma complexidade, como outras empresas da bioeconomia, que é difícil de explicar para uma [estrutura de] venture capital tradicional.”
Os investidores nem sempre entendem as particularidades da região e, em várias oportunidades, não adequam as regras de avaliação de investimento nas empresas ao contexto local, explica Salazar.
Também falta também botar o pé no chão – ou na floresta.
“Há muitos negócios em que a produção, a grana e os clientes estão em São Paulo, e daqui, só saem meia dúzia de ingredientes”, afirma Salazar.
Na RestaurAgro, outra investida do Sinergia Investimentos e que trabalha com a recuperação de áreas degradadas no Mato Grosso, a sensação é a mesma.
“Algo que eu brinco muito é que o que mais tem são startups sendo criadas para resolver problemas da Amazônia, mas ninguém da startup é da Amazônia”, diz o CEO da empresa, Thiago Farias Nogueira.
Para ele, o diferencial do programa está em trazer know-how para a estruturação de pitch e modelo de negócio. “Ninguém nasce [falando a língua do] investidor, ninguém nasce em São Paulo, dentro da Faria Lima, com um PowerPoint legal e com Excel na mão”, compara.
A partir da participação no programa Sinergia, Nogueira avalia que a startup chegou a um estágio em que sozinha, levaria entre quatro a cinco anos para alcançar.
A RestaurAgro pretende alavancar a frente do negócio que envolve a geração de crédito de carbono a partir da restauração de áreas degradadas, e com o aporte do Sinergia, pretende ampliar sua equipe.
Já a Mazô Maná quer ampliar seu portfólio de produtos, hoje composto por apenas um produto, um “super shake” que contém 14 ingredientes da Amazônia. “O Sinergia percebeu que o segmento de suplementos alimentares poderia ter um plus a mais e trouxe alguns parceiros que estão nos ajudando para desenvolver essa frente”, explica Salazar.
Confira o que fazem as oito empresas selecionadas:
Fabrica sucos de frutas da Amazônia como cupuaçu, taperebá e açaí, adquirindo polpa de pequenos produtores do Pará
Marca de biocosméticos que utiliza componentes da floresta na fabricação de seus produtos, com foco no mercado norte-americano, e incentivando as comunidades-produtoras
Desenvolve a fabricação do “barco voador”, uma aeronave que voa perto da água e pode ser uma alternativa ao transporte fluvial na região Norte.
Faz microgeração energética utilizando fontes renováveis, trabalhando com equipamentos de energia solar e energia hidrocinética.
Pesquisa e desenvolve com quase 100% de pureza a ibogaína, substância que pode ser utilizada no tratamento de dependência química, depressão e outras desordens psiquiátricas.
Produz um “super shake” que contém 14 ingredientes amazônicos como açaí, cajá, cupuaçu, além de prestar consultorias para empresas na Amazônia
Fabrica suplementos naturais, com ingredientes amazônicos, que funcionam como alternativa ao gel energético, substância consumida por atletas para reposição de energia após atividades físicas
Promove a restauração de áreas degradadas na Amazônia, auxiliando no reflorestamento e regularização de áreas inteiras e na adoção de práticas sustentáveis no campo