No início de outubro o Reset Conecta reuniu empresários, instituições financeiras e reguladores interessados na atividade da restauração florestal em um seminário em São Paulo. Como disse Roberto Waack em artigo, foi “animador ver o tema da restauração florestal ocupar espaços relevantes na Faria Lima, no coração das principais instituições financeiras do país.”
A discussão deixou claros os altos riscos operacionais ainda envolvidos nesses projetos e o papel crucial que a política pública e o capital filantrópico podem jogar na redução de alguns desses riscos. Mas, principalmente, mostrou que o retorno privado dessa nova atividade depende crucialmente do comportamento futuro dos preços de carbono, mesmo em um cenário otimista sobre políticas públicas de suporte à indústria, especialmente em apoio à construção de uma cadeia de suprimentos escalável e eficiente.
O restauro como negócio
A nova atividade de restauro florestal difere do tradicional negócio de “reflorestamento” voltado para a produção comercial de madeira, que atingiu escala e alta produtividade no Brasil apoiado em grandes off takers de celulose.
Os novos empresários florestais têm proposta diferente. Visam reintroduzir, em um dado bioma florestal degradado, árvores e outras formas de vida que o permitam a longo prazo readquirir forma mais próxima da floresta nativa: um sistema biológico em equilíbrio, formado por um conjunto imensamente diverso de indivíduos que se suportam simbioticamente. E que, eventualmente, além da floresta, a atividade também produza outros benefícios sociais e ambientais.
Essa não é uma tarefa fácil. O número de espécies em um dado bioma brasileiro varia, mas é imenso. Apenas os indivíduos vegetais somam milhares de espécies das quais árvores são uma minoria quando comparadas ao total da população de arbustos, subarbustos, ervas, lianas, samambaias e outras espécies.
E esses indivíduos vegetais só sobrevivem por complexa interação com polinizadores de várias espécies e grande grau de especialização, que garantem a reprodução da maioria das plantas, além de múltiplas outras formas de vida animal que dispersam as sementes garantindo processos ecossistêmicos que dão resiliência e, portanto, garantem a permanência da floresta.
Por que, então, startups se interessam por tarefa tão complexa, criando uma classe de ativos capaz de atrair atenção de investidores qualificados?
É inegável que o movimento pela restauração florestal ecológica nasceu de um esforço coletivo relativamente recente da comunidade científica, associado ao uso de tecnologias que impactam os custos do restauro voltado para a preservação da biodiversidade. No fundo, ele é animado pela ideia crescentemente aceita de que reflorestar não é só plantar árvores, mas recriar florestas resilientes.
Mas o que transforma a atividade de um ideal filantrópico em um negócio é a perspectiva de que a necessidade de retirar cumulativamente 150 bilhões de toneladas de CO2 equivalente da atmosfera para cumprir os objetivos de aquecimento máximo de 1,5º do Acordo de Paris, quando isso provavelmente não será possível através da descarbonização direta das atividades, vai criar enorme demanda por mecanismos de sequestro de carbono onde a restauração de florestas é uma alternativa tecnologicamente dominada e, sob certas condições, escalável. Ou seja, plantar árvores para sequestrar carbono permanentemente pode vir a ser um bom negócio.
Os modelos e os riscos
Mas voltemos à discussão da atividade e de seus riscos como negócio. De forma simplificada, podemos dizer que há três modelos de negócio distintos.
O da restauração ecológica propriamente dita, que busca recriar florestas sustentáveis através da recuperação do bioma e que pode ser feita com custos diferentes em terras arrasadas ou enriquecendo botanicamente remanescentes florestais.
A restauração com base em sistemas agroflorestais (SAF), onde um número de árvores nativas é consorciado com outras espécies que produzem commodities de valor comercial ou madeira com “manejo sustentável” e de onde se deriva receita adicional.
E, finalmente, o de conservação de grandes extensões de matas nativas, que foi inicialmente popular pelo potencial imediato de geração de créditos de carbono por “desmatamento evitado”, mas que se tornou crescentemente problemático quando vários projetos começaram a enfrentar questionamentos, seja por problemas de integridade no mercado voluntário, seja por sua falta de adicionalidade aos olhos das autoridades nos mercados regulados. Por isso, a discussão se concentrará nos dois primeiros modelos, mais promissores.
Estes modelos de restauro diferem quanto a riscos operacionais e custos de investimento (que também variam entre projetos de um mesmo modelo), mas ambos têm riscos que não podem ser minimizados. O primeiro é a falta de uma cadeia de suprimentos eficiente. Como em toda indústria nascente, a construção dessa cadeia é essencial para a escalabilidade da atividade e exige oferta de bens públicos.
Exemplo crítico disso é o da falta de redes de viveiros. Restaurar mais de 2 milhões de hectares, como é a ambição declarada desses empresários, exige uma quantidade de mudas muito além do que pode ser produzido pelos poucos viveiros de nativas existentes, sem mencionar polinizadores e a introdução posterior, mas tempestiva, de animais dispersores sem os quais a floresta, literalmente, morre.
Isso exige investimentos em pesquisa e desenvolvimento em restauração, em educação ecológica, no treinamento profissional nas várias e complexas atividades envolvidas no restauro florestal de qualidade e, em especial, no desenvolvimento de extensas redes de viveiros e de outros recursos de biodiversidade.
Escalar restauração ecológica exige algo totalmente diferente de montar os enormes viveiros de mudas clonadas usadas com sucesso no negócio florestal de eucaliptos e pinheiros exóticos. Na Mata Atlântica, por exemplo, seriam necessárias algumas centenas de espécies apenas de árvores para começarmos a falar em produzir uma floresta resiliente, implicando na criação de vasta cadeia de suprimento formada por pequenos viveiros com impacto social muito maior.
Isso não é tarefa para o setor privado. Por isso, além de boa regulação do uso do solo, recursos públicos – em vários níveis de governo – e filantrópicos, em parceria com o setor privado, serão necessários por alguns anos para reduzir os ainda altos custos e riscos operacionais. A experiência brasileira no agro exportador e nas atividades de forestry comercial nos permite esperar que uma intervenção bem planejada de apoio ao capital privado nesta nova atividade agrícola seja capaz de gerar aumentos de produtividade sistêmica significativos..
O risco de mercado (de carbono)
Mas o risco fundamental desses projetos é de mercado: a grande dependência de suas receitas em relação à venda das “safras” anuais de créditos de carbono ao longo da restauração. O primeiro modelo depende, quase que exclusivamente, disso. E mesmo o de SAF, que tem receita híbrida pela adição da venda de commodities produzidas na floresta como um negócio agrícola, não apresenta retornos superiores como proposição de investimento crível sem a contribuição esperada dos créditos de carbono.
O risco da dependência da rentabilidade em relação ao preço do carbono tem duas dimensões. A primeira, e que também deve ser endereçável no futuro, é a dependência da receita anual em relação à permanência e crescimento da floresta, que gera um risco crítico quando mudanças climáticas podem aumentar a probabilidade de incêndios. Linhas de seguros com prêmios razoáveis ainda não existem e a formação de fundos de contingência, como se faz hoje, leva a custos proibitivos.
Mas o risco realmente crítico é o comportamento futuro do preço da tonelada de CO2 a ser vendida como offset. Dados os value drivers fundamentais dos projetos controlados pelo desenvolvedor – a projeção de sequestro anual de CO2 por hectare ao longo da vida do projeto e o Capex por hectare —, as taxas de retorno não alavancadas são exponencialmente dependentes dos preços de carbono.
E, pelos cálculos que se pode fazer com base em informações públicas, altos retornos são hoje atingíveis apenas com preços de carbono muito acima dos ainda praticados no mercado voluntário, mesmo com o prêmio de co-benefícios hoje pago por certos investidores.
Portanto, a longo prazo, para alcançar retornos superiores esperados de projetos ainda de alto risco, a grande aposta é mesmo no aumento rápido do preço de CO2 além de meados da década, levando em conta o período de cerca de 4 anos de maturação das florestas como sequestradoras relevantes.
Mas o comportamento dos preços de carbono nos próximos anos é um incerto jogo entre forças que determinam a oferta e demanda por créditos de carbono em vários mercados – regulados e voluntários – ainda não interconectados, cujo crescimento e convergência depende da influência de diversos fatores econômicos e, especialmente, regulatórios. É assunto complexo, que tratarei com mais cuidado em um próximo artigo. Mas para concluir a presente discussão basta sublinhar aqui a grande incerteza hoje contida nas projeções desse parâmetro fundamental da rentabilidade dos projetos de restauro florestal.
Primeiro, é importante notar que a demanda por créditos de carbono nos mercados regulados é grandemente fragmentada e, ainda restrita a um punhado de jurisdições independentes, como será o esperado mercado brasileiro de emissões, ainda objeto de discussões no Congresso..
O grande mercado regulado, integrado internacionalmente e potencialmente muito grande, ainda está para ser criado através da operação do Artigo 6 do Acordo de Paris. Apesar de seu parto em Glasgow, na COP26, o bebê está na incubadora da UNFCCC, em Bonn, onde ainda está sendo regulamentado para aprovação em uma futura COP. Portanto, embora seja correta a aposta no crescimento de um mercado de carbono internacional, transparente e profundo, este mercado ainda está em formação.
No horizonte relevante, a aposta da nascente indústria da restauração continua a ser na demanda do mercado voluntário existente, um network global de traders especialistas em ativos heterogêneos, ainda com preços voláteis e pouco transparentes. Apesar de seu tamanho pequeno – ainda não atingiu U$ 2 bilhões por ano, contra cerca de US$ 800 bilhões apenas do sistema de cap and trade da União Europeia —, tem perspectivas promissoras. Mais de 6 mil empresas já registraram ações voluntárias de descarbonização no Science Based Targets Initiative (SBT), a plataforma de referência para esses compromissos).
Isso representa uma demanda potencialmente grande por offsets: apenas como um exercício, se as empresas que se declaram na categoria “taking action” no SBTI, registradas no nível menos ambicioso de uso de compensações, comprassem apenas o limite inferior de 20% do que precisam para neutralizar suas emissões segundo o código de conduta do mercado voluntário (VCMI Claims Code of Practice, pp 6-7), estima-se que a demanda por offsets nos próximos anos será 6 vezes vezes maior que a oferta projetada de créditos oriundos do universo de projetos potencialmente geradores de créditos de carbono (ver Bloomberg e Carbon Growth Partners; Investing in Carbon Markets: Ready for Take-off, 2023, pg.12).
É razoável, portanto, esperar que, com esse desequilíbrio potencial entre oferta e demanda no mercado voluntário, encontremos projeções de crescimento explosivo dos seus preços nos próximos anos, se os compromissos de net zero não forem, como é esperado, cumpridos através da redução de emissões. Com base nisso, projetam-se preços médios de offsets de projetos de restauração ecológica, hoje abaixo de US$ 10 por tonelada, subindo para US$ 30 em 2027 e perto de US$ 60 em 2030. (ClearBlue Markets; Voluntary Carbon Market Supply and Demand Report, July 2023.)
De fato, os compromissos de muitas grandes empresas com o objetivo de net zero, que sustentam as expectativas otimistas de demanda por offsets, parecem ser sérios. Impressiona ver Tim Cook, CEO global da Apple, prometer a ninguém menos que Mãe Natureza, em uma recente propaganda de impacto global que viralizou, que a companhia será “net zero by 2030”.
Mas isso, embora exemplar, é apenas um compromisso moral em um mercado auto-regulado. A curto prazo, crédito de carbono no mercado voluntário ainda é um ativo faixa preta que só deveria ser tocado com luvas por investidores não profissionais e avessos ao risco.
Em resumo, os riscos desse negócio ainda são altos. Em uma época em que o risco sistêmico aumentou exigindo retornos superiores, uma aposta alta na indústria da restauração – que além dos ainda altos custos e riscos operacionais dos projetos, enfrenta dificuldade de alavancagem em relação ao agro tradicional pela deterioração do valor de garantia da terra alocada a projetos perenes – tem implícita uma aposta em uma curva de preços de carbono exponencialmente crescente nos próximos anos.
Assim, com a incerteza sobre o futuro dos mercados de carbono, embora o sucesso em rodadas preliminares de captação das startups líderes no segmento de restauro seja promissor, mas ainda não garante a travessia do “vale da morte” – a menos que essas empresas consigam atrair capital de investidores pacientes, que também queiram fazer a aposta fundamentalista na transição ao net zero no timing do Acordo de Paris e sejam suportadas por ações temporárias mas tempestivas de suporte governamental.
Mas mesmo que haja muitos mortos pelo caminho antes do primeiro unicórnio, com o inevitável processo de seleção a ser feito pelos investidores ao longo do tempo, a restauração ecológica é um negócio que veio para ficar no Brasil. Primeiro, pelo papel auxiliar mas importante dos offsets florestais na equação do net zero global. Segundo, porque é alternativa de baixo custo no espectro existente de tecnologias de sequestro de carbono, Por último, mas não menos importante, pelas vantagens competitivas que o país tem nesta atividade.
Por isso, concluo com otimismo. Os empresários que lideram esse novo setor são pioneiros, mas realistas. Como ficou claro no evento organizado pelo Reset, ainda têm um discurso tímido, ciente das incertezas que enfrentam, longe da autoconfiança dos empresários que vendem os big investment cases. Mas mostraram ter a visão da oportunidade que move o investidor empreendedor.