Gigante no setor de alimentos, a Cargill anunciou uma parceria com a startup de reflorestamento Belterra Agroflorestas para fortalecer a produção de cacau no Mato Grosso e, de quebra, restaurar mil hectares de áreas degradadas.
Isso será possível porque as lavouras de cacau serão implantadas em sistemas agroflorestais, que misturam as árvores do fruto com outras culturas e vegetação nativa. No total, serão investidos R$ 33 milhões, financiados integralmente pela Cargill.
Do lado do grupo americano, o trabalho vai contribuir para a meta de restaurar 100 mil hectares de áreas degradadas no Brasil, além de permitir maior rastreabilidade dos ingredientes.
Na outra ponta, os pequenos e médios produtores devem receber mais por um cacau produzido de forma sustentável.
“Mais e mais clientes de chocolate na ponta querem saber de onde vem o produto, como é produzido e quais as práticas envolvidas”, diz Laerte Moraes, diretor-geral de alimentos e ingredientes da Cargill na América do Sul. “Quando tem um único operador [como a Belterra], ele consegue fazer esse rastreio.”
As vendas diretas para a multinacional, driblando intermediários que podem ficar com até um terço da rentabilidade dos produtores, também vai contribuir para um modelo mais interessante para os agricultores.
A produção de cacau brasileira nunca voltou aos mesmos níveis anteriores à praga da vassoura-de-bruxa, que dizimou as fazendas nos anos 1980. Hoje, o país ainda precisa importar amêndoas do fruto. Em 2022 essa parcela caiu ao menor nível em cinco anos: foram produzidas 205 mil toneladas de amêndoas de cacau no país, contra 11 mil toneladas importadas. No ano anterior, foram quase 60 mil toneladas vindas de fora.
O potencial de voltar a ocupar lugar de destaque globalmente é enorme, diz Valmir Ortega, fundador da Belterra. A startup atua em Pará, Rondônia, Bahia e Minas Gerais, e agora estreia no Mato Grosso.
“Esse é um Estado que já teve cacau no passado, mas quase não tem hoje. Estamos reintroduzindo o fruto na parte amazônica do Mato Grosso”, diz Ortega. O projeto deve se concentrar no norte mato-grossense, na cidade de Alta Floresta, próxima à fronteira com o Pará.
Um milhão de mudas
Serão plantados 1 milhão de mudas de cacau nos mil hectares a serem restaurados. O trabalho começa em novembro, coincidindo com o início do período de chuvas na região.
A projeção é que daqui a três anos o rendimento da produção seja de 1,5 tonelada por hectare. Dois anos depois, no pico de produtividade, a meta é chegar a 3 toneladas por hectare. “Esse nível não é delírio. Hoje, já existem produtores sozinhos na Transamazônica fazendo isso”, diz Ortega.
Por se tratar de um sistema agroflorestal, a plantação do cacau é combinada com a de outros alimentos, como mandioca e banana, cujo ciclo é mais curto. Já nos três primeiros anos, mesmo sem a colheita do cacau, outros produtos poderão ser comercializados e garantir alguma receita.
A Belterra vai ter dois tipos de tratativas com os produtores: arrendamento e parcerias. No primeiro, a startup lida com todo o risco de investimento, gere toda a produção e devolve a terra depois de dez ou mais anos.
No caso das parcerias, que serão o foco nesta operação, uma parte do investimento é da Belterra e outra do produtor, que também cuida da terra e da operação. Neste caso, a receita também é dividida entre as duas partes.
O retorno líquido por hectare do cacau é de alto potencial, diz Ortega. “E aí vocês me perguntam: por que nem todo mundo faz nessa velocidade, então? Fomos olhar e, do ponto de vista do produtor, modelos mais complexos e regenerativos têm três barreiras principais: técnica, financeira e comercial”.
O custo inicial para o investimento fica em torno de R$ 30 milhões para os mil hectares, uma área considerada pequena para a região amazônica. A falta de uma cadeia bem estruturada e conhecimento técnico para lidar com o fruto também servem como obstáculo para o pequeno e médio agricultor.
Estrutura do financiamento
A Cargill vai garantir R$ 33 milhões para a Belterra por meio de dois sistemas. O Banco Cargill comprará R$ 28 milhões de Cédulas de Produto Rural Financeiras (CPR-F), emitidas pela startup, em três parcelas. Os outros R$ 5 milhões serão destinados pela Cargill por meio de uma Cédula de Produto Rural Verde, instrumento financeiro que serve para remunerar o produtor pelos serviços ambientais, no caso, de restauração.
A produção no Mato Grosso será um projeto piloto para a Belterra. A ideia é que se expanda para outras regiões, como o vizinho Pará, e que a cada ano outros mil hectares sejam alvos de restauração. A Cargill também poderá ser parceira em novas etapas.
“Estamos buscando uma solução e o objetivo é desenvolver um modelo de negócio, não que a Cargill pretenda ser um grande produtor de cacau, mas queremos estimular modelos que possam funcionar. Esse é um que acredito que pode prosperar na região amazônica”, diz Moraes.