As lições do Vale do Silício para a Amazônia

Para proteger nosso ecossistema mais vulnerável, precisamos construir um ecossistema que apoie negócios novos e sustentávels na floresta

Canoa transporta cestos cheios de açaí em riacho na Amazônia
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Em minha coluna anterior, mencionei a urgência do florescimento de uma nova geração de empreendedores e empreendedoras à frente de negócios que gerem valor, renda, emprego e qualidade de vida para populações locais a partir da conservação e uso sustentável da floresta amazônica.

O que fará a diferença para esses negócios crescerem e se tornarem exitosos é um conjunto de fatores complementares. Desafios não faltam: cadeias de suprimentos deficientes, altos custos de logística, meios de comunicação precários, recursos humanos, ferramentas de gestão, marketing, capital de giro, investidores alinhados com propósito, acesso a mercados etc.

Uma das melhores explicações sobre o surgimento do Vale do Silício e sua incrível capacidade de gerar negócios bilionários na área de tecnologia foi a criação de um ecossistema de apoio a empreendedores e startups que ali se instalavam.

A partir dali surgiram incubadoras, aceleradoras, venture-builders, fundos de investimento, prestadoras de serviços especializadas em startups e tantos outros elementos vitais. Mas o mais importante: passou-se a gerar e compartilhar conhecimento e redes de relacionamento de modo jamais visto antes em um ambiente de negócios.

O trabalho em rede é fundamental e não funciona de forma centralizada ou hierarquizada. O compartilhamento de valor e competências deve ser uma premissa entre os diversos players que são necessários para construir aqui o nosso ecossistema de impacto amazônico.

A construção pode vir em etapas, pouco a pouco, se organizando também para superar desafios específicos em algumas regiões. Um exemplo é a busca por soluções logísticas e comerciais que facilitem o escoamento de produtos e serviços da Amazônia para todo o Brasil, e até para outros países.

O movimento Amazônia em casa Floresta em pé – criado e organizado pela Climate Ventures, Idesam, Amaz Aceleradora de Impacto, Mercado Livre e apoiado por parceiros como Fundo Vale, GIZ, Humanize, CLUA, iCS, Instituto Auá, Local.e e empresas de logística multimodal e consultoria como Costa Brasil e Lothar – tem cada vez mais pesquisado e implementado caminhos para viabilizar de modo eficaz a logística e a comercialização de produtos da sociobiodiversidade amazônica, especialmente por meio de estratégias B2B, mas também com ações voltadas ao consumidor final.

Esse tipo de arranjo, que inclui iniciativa privada, organizações da sociedade civil e negócios de impacto amazônicos, demonstra como essa junção de forças é importante para o ecossistema de negócios de impacto crescer, ganhar fôlego e se ampliar cada vez mais.

Impacto conjunto

Outro caminho importante é a formação de uma rede/comunidade de negócios amazônicos que possam trocar experiências, se apoiar e impulsionar o crescimento de cada um buscando soluções para seus desafios.

A criação de sinergia e de arranjos entre esses negócios é algo que tem se mostrado quase orgânico e natural, com muitos deles comercializando produtos de pares em seus e-commerces. Tal como o fazem ou já o fizeram em algum momento algumas startups de nosso ecossistema, como Manioca, Onisafra, Café Apuí e Soul Brasil.

Já está claro, inclusive para os próprios negócios, que o impacto conjunto é importante para demonstrar a diversidade de produtos e serviços que a Amazônia tem a oferecer, valorizando saberes e sabores que só resistem porque a floresta está de pé.

Basta visualizar uma gôndola do movimento Amazônia em casa Floresta em pé – que já está presente em mercados como o Empório Daruma, em São Paulo – e a pluralidade de produtos da região vendidos em plataformas virtuais para ter visualmente a noção disso.   

Todo esse ecossistema que vai se configurando precisa, claro, de incentivos e apoio para crescimento contínuo. Aqui entram os dinamizadores – incubadoras e aceleradoras que contribuem para fortalecer e estruturar esses negócios, ao mesmo tempo em que promovem conexões entre eles, financiadores e oportunidades de mercado.

Formatos inovadores de investimento, como blended finance, em que capital filantrópico atrai capital privado, contribuem muito para esses processos. Recentemente, a Coalizão pelo Impacto, capitaneada pelo ICE, anunciou a mobilização de cerca de 21 milhões de reais em capital filantrópico para apoiar organizações dinamizadoras não só na Amazônia, mas em todas as regiões do país, visando fortalecer 500 negócios de impacto que mobilizem 50 milhões de reais em investimentos diretos.

Espaço para todos

Desse modo, o ecossistema de impacto vai se conformando e se ampliando, com a chegada de cada vez mais atores e negócios de diversos setores. A Amazônia é imensa. Ainda há muita coisa por fazer para que essa nova economia siga avançando e se torne efetivamente uma alternativa robusta às atividades predatórias que levam ao desmatamento.

A chamada realizada pela Amaz aceleradora em 2021 recebeu 156 inscrições de negócios com atuação na Amazônia, em diferentes estágios de maturação. Ajudar esses negócios a ganhar tração e a aumentar seu impacto positivo na vida das populações e na manutenção da floresta e de todos os serviços ecossistêmicos que ela nos oferta é fundamental.

A outra parte dessa equação é contribuir para ampliar e fortalecer esse pipeline de negócios, atraindo investidores de diferentes matizes e perfis, empresas e indivíduos que já percebem que a Amazônia deve estar no horizonte das estratégias de ESG no país. Muitas soluções e novas iniciativas estão surgindo.

O desafio ainda é grande, mas fico feliz de ver que já estamos conseguindo resultados importantes, inspirando e atraindo empreendedores incríveis de diversas partes do Brasil (e do mundo), para fazer sua parte na conservação da Amazônia e na construção desse novo e próspero ecossistema de impacto em nosso país.