O consumo de proteínas animais em países ricos pode atingir o pico na próxima década e então entrar em declínio graças ao sucesso das alternativas à base de plantas ou cultivadas em laboratório.
Essa é uma das conclusões de um novo estudo sobre a transformação dos sistemas globais de produção de alimentos realizados pela consultoria Boston Consulting Group (BCG).
Mesmo que limitada, uma redução no consumo de produtos de origem animal teria enorme impacto na luta contra a mudança climática. O setor agropecuário é responsável por 15% das emissões dos gases que causam o efeito estufa.
Alguns obstáculos terão de ser vencidos para que isso aconteça. O principal deles ainda é o preço. Mas o sabor, a textura e o valor nutricional desses substitutos de carne também precisam melhorar para alterar hábitos alimentares no longo prazo.
Avanços na regulamentação, especialmente a liberação de carnes cultivadas em laboratório, também serão necessários para que essa nova indústria possa contribuir com a descarbonização do planeta.
A disposição de provar as novidades já existe. “A principal mudança que observamos nos dois últimos anos é que as pessoas começaram a falar de proteínas alternativas”, diz aos autores do estudo David Kestenbaum, do fundo de inovações da AB InBev, o ZX Ventures.
Foram ouvidas 3.700 pessoas em Estados Unidos, Reino Unido, China, Alemanha, França, Espanha e Emirados Árabes Unidos.
Seis de cada dez entrevistados para o estudo já tinham experimentado algum substituto de carne, peixe, frango, ovos ou laticínios. Metade compra esses produtos de vez em quando, e um terço, com frequência.
O esforço agora, segundo os responsáveis pelo levantamento, é no aperfeiçoamento dos produtos. Os investidores e também os incumbentes, como grandes frigoríficos, estão colocando o capital e a experiência necessários.
“Pense nos carros elétricos: apesar de começar devagar, o BCG espera que eles sejam os veículos leves mais vendidos em 2028”, diz o texto. “A tendência de longo prazo para as proteínas alternativas é igualmente positiva.”
Prato feito
A consultoria estima que as proteínas alternativas possam representar 11% de todo o mercado em 2035 – caso se alcance “paridade completa de sabor, textura e preço com as proteínas convencionais”.
O impacto climático seria enorme. As emissões que seriam evitadas equivaleriam neste cenário a quase todo o CO2 emitido pela indústria de transporte marítimo, por exemplo.
“Com um empurrão dos reguladores e inovações tecnológicas, o número pode chegar a 22%.”
Mas isso não significa que a produção de alimentos reduza sua parcela de responsabilidade na mudança climática: a demanda por proteínas animais seguirá crescendo junto com o aumento da renda nos países emergentes.
A esperança, portanto, é atender às expectativas e ao paladar de pelo menos uma parte dos consumidores.
O estudo aponta avanços em toda a cadeia produtiva, e um dos mais importantes será a mescla das diferentes tecnologias. Hoje, os produtos mais conhecidos são imitações de carne bovina de base vegana.
A próxima geração de hambúrgueres alternativos, contendo tanto ingredientes plant-based como células animais cultivadas em laboratório, por exemplo, terão “sabor e aroma mais parecido com o da carne”, afirma o estudo.
Outro exemplo são queijos veganos que contêm caseína obtida por fermentação. A proteína é responsável pelo queijo que “estica” ao ser derretido.
Esses híbridos começam a “dissolver as fronteiras entre as diferentes categorias de proteínas alternativas, aproveitando o melhor de vários mundos”, afirma Liz Specht, do The Good Food Institute, uma entidade que estuda e promove proteínas alternativas.
As agências reguladoras nacionais terão papel fundamental no desenvolvimento dessa indústria nascente, argumenta o estudo. A duradoura controvérsia sobre alimentos transgênicos indica que segurança e transparência são fundamentais.
Isso é particularmente importante em relação às proteínas cultivadas em laboratório. Até hoje, elas só foram aprovadas para consumo em Cingapura.
Mas o papel dessa tecnologia na segurança alimentar de países que dependem da importação representa um incentivo para acelerar o desenvolvimento dos padrões para aprovar esses novos tipos de alimentos.
Os autores apontam que o mais recente plano quinquenal chinês, divulgado em janeiro, incluiu carnes produzidas em laboratório e substitutos de ovos de base vegetal como parte integral da estratégia para garantir que 1,4 bilhão de pessoas tenham acesso à comida.
Financiando a revolução
A urgência da crise climática e o endosso da liderança do maior mercado consumidor do mundo ajudam a explicar o crescimento explosivo do capital destinado à inovação.
Apesar da desaceleração dos investimentos em startups de base tecnológica registrada nos últimos meses, não parecem faltar recursos para a transformação do cardápio global.
Em 2019, as startups de proteínas alternativas receberam US$ 1 bilhão. No ano passado, o total ficou em US$ 5 bilhões – e o dinheiro não veio somente de fundos de venture capital.
Grandes frigoríficos, incluindo os brasileiros JBS e Marfrig, querem ao mesmo tempo entender o impacto da inovação em seus negócios e também capturar parte desse novo mercado.
Essas companhias antes atuavam de forma defensiva, e os saltos tecnológicos dependiam de capital de risco.
“Agora, as empresas ajudam a criar escala”, dizem Pieter van de Meche e Daniella Vellinga, do banco holandês Rabobank, aos autores do levaantamento. “Elas são pragmáticas e incentivam a colaboração no ecossistema.”
O cenário brasileiro
Apesar do impulso dado pelas empresas daqui, é preciso levar em conta a diferença da realidade dos mercados.
A realidade do Brasil é muito diferente, diz Fernando Lunardini, diretor executivo e sócio do BCG.
Em primeiro lugar, é claro, por causa do preço. Além da escala menor, muitos dos produtos plant-based vendidos no país são produzidos com ingredientes importados – ou seja, já partem de uma estrutura de custos em dólar.
E, por mais que haja um benefício para a natureza ou para os animais, fica difícil fechar a conta para o consumidor médio, diz Lunardini.
“Acho que é uma certa ilusão achar que o consumidor brasileiro vai pagar 40%, 50% mais caro por um hambúrguer feito de proteína não-animal só por causa do meio ambiente.”