Listagem de ações em Nova York põe JBS sob escrutínio climático 

A empresa espera abrir novas avenidas de crescimento com lançamento de ações em Wall Street – mas a cobrança também deve aumentar

Imagem aérea de pasto em área desmatada no Pará
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A JBS espera que sua listagem na Bolsa de Nova York, prevista para os próximos meses, abra novas avenidas de crescimento para uma empresa que já é a maior processadora de carne do mundo.

Embora a operação em curso não preveja emissão de novas ações, a expectativa da JBS é que, ao negociar seus papéis em Wall Street, abrirá as portas para futuros aumentos de capital, ao mesmo tempo em que conseguirá destravar o valor da companhia.

Mas, antes mesmo de acontecer, o desembarque em Nova York tem colocado a companhia sob um holofote de outra natureza: o da responsabilidade da pecuária em geral, e da JBS em particular, pela devastação da Amazônia e pela emissão de gases que contribuem para a crise climática.

A criação de animais para consumo é responsável por cerca de 15% das emissões que contribuem para o aquecimento global. Desse total, dois terços vêm do gado. O número inclui tanto o metano, gerado na digestão animal e um potente gás causador do efeito estufa, como o desmatamento para abrir pastagens.

A companhia está na mira de entidades ambientalistas há muito tempo. Mas agora a pressão escalou, perante os reguladores e também na mídia.

Além das ONGs

Um artigo de opinião na Bloomberg, um dos veículos mais respeitados na comunidade financeira global, veiculado em agosto, tinha o chamativo título ” A listagem do frigorífico brasileiro JBS seria um pesadelo ESG.”

O artigo ecoava a ação de uma ONG para tentar barrar a operação em curso.

No começo de agosto, a ONG Mighty Earth protocolou uma carta junto à SEC pedindo que a listagem da JBS fosse adiada até que outra queixa formal, feita em janeiro, fosse investigada.

A entidade afirma que a companhia realizou quatro operações de dívidas ESG “enganosas e fraudulentas” no mercado internacional, no valor de US$ 3,2 bilhões.

A ONG alega que as metas de sustentabilidade das operações excluem as emissões indiretas de gases de efeito estufa da JBS, também conhecidas como escopo 3, que envolvem os pecuaristas que fornecem os animais para abate do frigorífico.

A companhia afirma que as metas de sustentabilidade atreladas aos empréstimos envolvem a redução das emissões de suas próprias operações (escopos 1 e 2) e que essa informação estava clara nos documentos da oferta.

O questionamento da Mighty Earth, apresentado na forma de um whistleblower complaint, pode não resultar em investigação formal por parte do regulador – mas, no que diz respeito à imagem pública da empresa, a história é diferente.

A opinião de Bill Gates

No final de setembro, Gilberto Tomazoni, o CEO da JBS, foi um dos destaques no evento Climate Forward, promovido pelo jornal americano The New York Times.

Do lado de fora do auditório, manifestantes realizaram um protesto contra a JBS. No palco, Tomazoni foi questionado durante 30 minutos sobre as “enormes externalidades negativas” da pecuária.

A expressão tinha sido usada momentos antes, no mesmo evento, por Bill Gates, fundador da Microsoft e do fundo climático Breakthrough Energy Ventures, para falar do impacto climático do agronegócio.

Gilberto Tomazoni, CEO da JBS, no evento Climate Forward, do New York Times

Boa parte da conversa com o CEO brasileiro girou em torno do desmatamento. Um dos calcanhares de aquiles da JBS são as fazendas de seus fornecedores. A cadeia do boi é longa e pulverizada.

Tomazoni listou alguns dos esforços para avançar no rastreamento da origem dos bois que são abatidos pela empresa, que incluem treinamento para produtores de pequeno porte e uso de blockchain.

Mas a única solução possível para garantir que o gado comprado pela empresa não tenha passado por áreas desmatadas, disse Tomazoni, é um “sistema nacional de rastreabilidade mandatório”, algo que vem sendo defendido também por outras grandes empresas do setor.

O jornalista David Gelles reagiu com certa incredulidade: “Sempre fico surpreso quando CEOs pedem mais regulação em seus próprios setores”.

Net zero

A JBS também enfrenta ceticismo em relação à sua meta de atingir a neutralidade de carbono em 2040.

Pelo segundo ano consecutivo, o estudo Corporate Climate Responsibility Monitor classificou como baixas a integridade e a transparência dos planos de descarbonização da companhia.

Num evento realizado nesta quarta-feira em São Paulo, Tomazoni reafirmou o compromisso.

A empresa está fazendo um levantamento completo de suas emissões e argumenta que a tarefa é complicada pelo fato de que os modelos existentes não levam em conta as condições particulares da pecuária tropical.

O tamanho da operação também é desafiador. “Trabalhamos com centenas de milhares de produtores rurais, que produzem alimentos cultivando centenas de milhões de hectares”, afirmou o CEO.

Mas os críticos apontam que a JBS não revela nem sequer quantos animais abate ao ano, o que possibilitaria a terceiros estimar seu impacto climático. (A empresa considera o dado estratégico e divulga apenas a capacidade de abate.)

Crucialmente, há poucos detalhes sobre como chegará à neutralidade. “Não identificamos uma estratégia abrangente de redução das emissões: a empresa oferece detalhes mínimos de como pretende atingir suas metas”, afirma o estudo Climate Responsibility Monitor.

Mesmo que sejam eliminadas as emissões de CO2 ligadas à chamada mudança do uso da terra (derrubada de vegetação nativa para abertura de pastagens), restam as do metano, um problema particularmente difícil de atacar.

Existem várias possíveis soluções para mitigar o problema, incluindo melhorias na qualidade do pasto, suplementos adicionados à ração e redução da idade de abate do animal.

Mas ainda não se conhece uma maneira, ou uma combinação de maneiras, capaz de acabar com o metano gerado no processo de digestão dos ruminantes e expelido nos arrotos.

Gelles, do New York Times, não aquiesceu diante da convicção de Tomazoni sobre a meta net zero. “Como você chega ao net zero numa empresa como a JBS? Isso é sequer possível? Você sinceramente acredita que uma empresa como a JBS possa chegar à neutralidade de emissões daqui a 17 anos?”

“Realmente acredito”, respondeu Tomazoni.

“Isso inclui compensações [com créditos] de carbono?”, continou o jornalista.

“Não, não queremos compensações.”

E os investidores?

Do ponto de vista financeiro, a expectativa é que a listagem na bolsa de Nova York seja um bom negócio. A companhia acredita estar subvalorizada, com espaço para aproximar os múltiplos de suas ações dos de pares americanos.

O trabalho de convencimento da companhia, porém, vai além das demonstrações de resultados trimestrais.

Um grupo de 20 organizações ambientais, incluindo Greenpeace, Rainforest Action Network e Mighty Eart, enviou um documento a mais de 200 grandes gestores para “alertá-los dos riscos significativos” de investir na companhia.

Protesto da ONG Mighty Earth contra a JBS, em Nova York

A carta menciona uma estimativa do grupo de Campeões do Clima da ONU segundo a qual as empresas do agro podem perder, em média, 7% do valor até o fim da década por não contabilizar de forma correta os riscos naturais e climáticos.

Além do ângulo climático, as entidades destacam o fato de que o plano de criar duas classes de ações deverá elevar os direitos de voto da família Batista – que controla a companhia – dos atuais 48,8% para 85%.

A JBS optou por criar dois tipos de ações. A classe A, negociada em bolsa, não tem direito a votos. A classe B, não negociada, tem poder de voto dez vezes superior.  A intenção de todos os acionistas majoritários que optam por essa estrutura – e abertamente declarada JBS – é ampliar o poder de captação de recursos no mercado com emissão de novas ações sem abrir mão do controle acionário. 

“Acionistas minoritários atuais e futuros terão pouquíssima influência real sobre a tomada de decisão da companhia”, dizem as ONGs.

Em resposta publicada no mesmo documento, a JBS afirma estar “confiante de que nossa proposta de dupla listagem vai criar oportunidades para nossa empresa, funcionários, comunidades e todos os stakeholders (…) Reconhecemos o papel importante da sociedade civil e estamos sempre abertos a dialogar com stakeholders ponderados que compartilham nosso compromisso com um futuro mais sustentável”.