A aposta gaúcha no tanino para reduzir o 'arroto do boi'

Usado para tratar couro, material também pode servir de suplemento para a ração bovina, reduzindo emissões de metano e aumentando a produtividade

A aposta gaúcha no tanino para reduzir o 'arroto do boi'
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O negócio da Tanac começa quando acaba a vida dos bois: a empresa fornece taninos usados para curtir e tratar o couro dos animais.

Agora, a empresa de Montenegro, cidade a 55 km de Porto Alegre (RS), quer voltar alguns passos na cadeia de produção. Seu tanino, obtido da casca das acácias negras, também pode ser usado como suplemento alimentar para aumentar a produtividade dos rebanhos e ajudar a reduzir um dos principais problemas climáticos do setor: as emissões de metano.

O gás gerado na digestão é expelido pela boca – o arroto do boi. O metano é um dos mais potentes gases causadores do efeito estufa (GEE), e nas universidades e nas startups acontece uma corrida para tentar limitar, ainda que parcialmente, o enorme impacto climático da pecuária.

Essa é uma questão particularmente importante no Brasil. Do total de emissões de GEE do país, 26,3% são de metano – e a fermentação entérica é de longe a responsável pela maior fatia. Com 234 milhões de cabeças, o país tem o segundo maior rebanho bovino do mundo.

O produto desenvolvido pela Tanac, chamado Tanfeed, é um pó de coloração amarronzada que é misturado à ração animal.

Ao ingerir o suplemento, o gado tem melhor aproveitamento dos nutrientes, ganha mais peso e, de quebra, arrota menos. A estimativa é que as emissões de metano caiam até 13%, segundo estudos da empresa.

O Tanfeed já é comercializado para aves e suínos, para ganho de produtividade. A empresa está concluindo os testes com bovinos e espera lançar a nova linha no segundo semestre.

A Tanac quer aproveitar a sua larga experiência com o manejo de taninos, que deu origem à empresa há 75 anos, para abrir novas frentes de crescimento.

Dos R$ 780 milhões que a companhia faturou em 2022, R$ 230 milhões corresponderam à área de taninos – montante que a Tanac espera dobrar nos próximos quatro anos com o desenvolvimento do Tanfeed e de outras iniciativas, segundo o presidente da companhia, João Carlos Ronchel Soares.

“É onde a gente tem dedicado os nossos maiores esforços comerciais e de desenvolvimento de produto”, afirma Ronchel.

Pesquisas

A Tanac começou a dar seus primeiros passos para entrar no mercado de nutrição animal ainda nos anos 2000.

A companhia contribuiu com pesquisas na Universidade Federal de Santa Maria em 2008. Embora elas não tenham resultado em produtos, ficou claro o potencial do tanino além dos curtumes.

“Começamos a monitorar a literatura científica do mundo inteiro a respeito desses testes com extratos ricos em taninos”, diz o coordenador de pesquisa e inovação da empresa, Anderson Stoffels Mallmann.

Em 2015 teve início um novo ciclo de desenvolvimento. Os testes foram feitos inicialmente em frangos, que têm um ciclo de vida mais curto.

Quatro anos depois, o esforço de P&D recebeu um empurrão: um cliente chinês procurava um substituto para o óxido de zinco.

A substância, usada na fase de desmame dos porcos, começou a sofrer restrições pela sua potencial toxicidade.

Os trabalhos com bovinos começaram em 2020, em parceria com o Instituto de Zootecnia de São Paulo, em Sertãozinho, no interior do Estado.

Depois de comprovada a eficácia dos taninos em simulações de laboratório, testes de campo indicaram que a mistura de apenas 1,6 quilo de taninos em uma tonelada de ração deu resultados positivos.

Os animais alimentados com o Tanfeed ganharam cerca de 10 kg a mais do que os animais do grupo de controle, e a emissão de metano entérico foi reduzida em até 13,26%.

O desafio mercadológico

O desafio da Tanac – e das outras empresas que apostam em suplementação para reduzir o impacto climático dos rebanhos – é convencer os produtores a adotar esses suplementos. Em muitos casos, o custo adicional não se justifica.

Em 2021, o Brasil foi o primeiro país do mundo a liberar o uso do Bovaer, um produto da holandesa DSM que promete cortar de 30% a 45% das emissões de metano do arroto do boi.

Mesmo com resultados climáticos expressivos, a companhia ainda não encontrou uma forma economicamente viável de integrar o produto ao dia a dia dos criadores.

A startup australiana Rumin8, que desenvolveu um suplemento à base de algas, está aprofundando os estudos no Brasil.

Com aportes do fundo Breakthrough Energy Ventures, de Bill Gates, e do Good Karma Partners, de Eduardo Mufarej, a companhia olha para os indicadores técnicos e também para a rentabilidade dos produtores.

A expectativa da Rumin8, como a da Tanac, é que os ganhos de produtividade ajudem a vender os suplementos. O benefício climático seria quase um bônus.

A Tanac vai enfrentar outro competidor cujo produto também se baseia em taninos, a italiana Silvateam.

No ano passado, a companhia concluiu testes com a JBS (igualmente realizados no Instituto de Zootecnia de São Paulo), atestando um corte de 17% a emissão de gases de efeito estufa na pecuária.

Ronchel, o CEO da Tanac, diz não considerar os italianos concorrentes. “Nossa ideia é mostrar as vantagens do tanino como produto natural. Vemos um monte de produto que hoje é antibiótico, fitogênico ou patogênico de origem não-orgânica, exatamente o contrário do nosso produto.”