Frigoríficos começam a divulgar rastreio de animais na Amazônia

Empresas atendem à norma da Febraban que vai exigir visibilidade completa da cadeia de produção a partir de janeiro de 2026, mas ainda há divergências

Frigoríficos começam a divulgar rastreio de animais na Amazônia
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Grandes frigoríficos brasileiros começaram a atender uma norma de autorregulação da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) lançada em maio passado para garantir que os animais abatidos não tenham passado por áreas desmatadas na Amazônia.

A medida prevê que as empresas que não fizerem o rastreamento completo de suas cadeias de fornecimento não poderão mais receber crédito a partir de janeiro de 2026.

A adesão das instituições financeiras é voluntária. Ao todo, 21 bancos aderiram à normativa, entre eles instituições relevantes no crédito ao agronegócio, como Bradesco, Itaú, Banco do Brasil e Sicredi.

Nas primeiras divulgações, publicadas ao longo das últimas duas semanas, nem todas as empresas disponibilizaram as informações requisitadas.

A norma pede os números absolutos das cabeças de gado abatidas, mas algumas empresas reportaram apenas porcentagens, alegando segredo comercial.

As companhias discutem com a Febraban uma maneira de divulgar os números de abate somente para os bancos, sem divulgação pública.

Eventuais ajustes nos requisitos, segundo a federação dos bancos, “deverão passar pela governança da Febraban, que permite revisões periódicas desde que aprovadas nas instâncias responsáveis”.

Um executivo de uma importante instituição financeira e que participou da criação do normativo afirma não entender os motivos de o setor pecuário ficar tão receoso em divulgar informações de produção.

“Há algum impedimento da Volkswagen informar quantos carros produziu no ano? Da Fiat? Da Chevrolet? Que questão concorrencial é essa que não posso dizer quantas cabeças de gado eu abati no ano? Por que é tão confidencial?”

Rastreabilidade

A rastreabilidade das cadeias de gado é um tema cada vez mais presente para os frigoríficos brasileiros, que vêm sendo alvo de escrutínio de diferentes lados nos últimos anos.

Hoje, os frigoríficos já conseguem provar que seus fornecedores diretos não estão associados a desmatamento. O problema são os fornecedores desses fornecedores.

Diferentemente de outros países em que a criação do animal é integrada, no Brasil os animais passam por diversas fazendas ao longo de sua vida antes de chegar ao abate. Ter visibilidade dessa cadeia inteira, que envolve milhares de propriedades rurais, é um desafio enorme.

Ao mesmo tempo em que defendem a criação de um sistema unificado e público para o rastreio do gado, as companhias vêm desenvolvendo iniciativas próprias, pois a pressão vem de todos os lados.

Além dos bancos brasileiros, os importadores da União Europeia também exigirão o rastreamento completo já a partir de janeiro de 2025, quando começa a vigorar a Lei Antidesmamento nos 27 países do bloco.

JBS

O plano da JBS de listar suas ações em Nova York colocou o assunto em evidência também no mercado americano. A companhia, maior produtora de proteína animal do mundo, vem sendo questionada por seu plano net zero e também pela falta de transparência em relação aos fornecedores indiretos.

A empresa se compromete a zerar a compra de gado vindo de áreas desmatadas na Amazônia até 2025.

Mas os dados disponibilizados no relatório de atendimento ao normativo da Febraban indicam que ainda há um longo caminho a ser percorrido a pouco mais de um ano e meio do fim do prazo.

No fim de 2023, apenas 62,41% das cabeças de gado abatidas na Amazônia – contando fornecedores diretos e indiretos – estavam em conformidade com a política de compra responsável da companhia, que proíbe transações com fazendas envolvidas em desmatamento, territórios quilombolas e áreas embargadas.

Por outro lado, todos os abates feitos até os fornecedores diretos são monitorados e rastreados, e o monitoramento até os fornecedores indiretos chega a 71,76%.

A companhia foi uma das que não divulgaram os números absolutos de animais abatidos.

No relatório, a JBS menciona a plataforma Pecuária Transparente, onde são centralizados os dados de todos os fornecedores. A meta declarada da empresa é rastrear 79% deles em 2024 e atingir 100% até o final de 2025.

A reportagem do Reset pediu à JBS mais informações sobre o estágio de adoção da normativa da Febraban, mas a companhia respondeu apenas que “a forma como a JBS monitora os fornecedores está descrita no próprio documento.”

A empresa também não respondeu sobre os motivos de apresentar os dados solicitados pela Febraban apenas em percentual, sem divulgar o volume de cabeças abatidas.

Reação

Em maio do ano passado, quando a normativa foi publicada, a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec) reagiu de forma áspera.

Na ocasião, a entidade afirmou, em nota, que “fornecedores indiretos da indústria são clientes diretos dos bancos, portanto é responsabilidade dessas instituições conhecer o seu cliente”.

A posição segue parecida quase um ano depois, segundo o diretor de sustentabilidade da Abiec, Fernando Sampaio. “Uma coisa é o frigorífico deixar de comprar boi [de quem desmata]. Outra coisa é impedir que o dinheiro vindo de grilagem, de invasão de terra, também entre no sistema financeiro.”

Segundo o executivo ouvido pelo Reset, a entidade não manifestou essa preocupação quando a norma estava sendo desenvolvida. 

“Esses ruídos vieram depois da publicação. Nenhum banco vai trabalhar com ilegalidade, nenhum banco é maluco de [correr o risco de] receber uma intervenção do Banco Central. O que eles alegam não é muito real.”

“A gente sabe que a implementação total desses sistemas de rastreabilidade muitas vezes não depende somente da vontade do frigorífico”, afirma Beatriz Secaf, gerente de sustentabilidade da Febraban. 

Como não há informação pública de toda a cadeia, Secaf entende que o controle não está totalmente nas mãos do frigorífico.  “O frigorífico acaba dependendo do engajamento do [fornecedor] direto para solicitar informação para o indireto.”

Em busca de soluções

Algumas iniciativas vêm sendo apresentadas para tentar acelerar o desenvolvimento de políticas públicas de rastreamento.

No fim do ano passado, o governo do Pará – um dos maiores focos de desmatamento por atividade pecuária no Brasil – anunciou que iria colocar em prática, até o fim de 2026, um programa de integridade para a cadeia e um sistema de rastreabilidade que prevê a utilização de brincos para identificar os animais presentes em seu território.

Em março, a utilização de brincos também estava presente em uma proposta de rastreabilidade apresentada ao Ministério da Agricultura pela Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável, que reúne os principais representantes da cadeia, e a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.

Um executivo de uma importante instituição financeira alerta, porém, que a solução dos brincos não pode ser encarada como uma fórmula fácil. “Ainda assim você terá vazamentos nesse sistema, mesmo tendo maior controle no frigorífico.”