(Esta reportagem foi originalmente publicada pelo The Agribiz)
Depois de investir quase R$ 300 milhões nos últimos quatro anos para buscar uma
cadeia de produção livre de desmatamento, num esforço de relações públicas para
liderar a transformação da pecuária, a Marfrig está saindo da Amazônia, bioma que
concentra a maioria dos problemas relacionados aos fornecedores de gado.
A saída do bioma, que responde por 35% a 40% do gado adquirido pela Marfrig, é uma
consequência de venda de abatedouros à Minerva Foods, um acordo de R$ 7,5 bilhões
assinado no final do mês passado.
Tanto esforço terá sido em vão?
O diretor de sustentabilidade da Marfrig, Paulo Pianez, garante que não. Segundo ele,
o objetivo final da empresa não muda. O que deve ocorrer é uma adaptação dos meios
para que a companhia alcance a meta de ter uma cadeia livre de desmatamento até
2030 — os compromissos da companhia incluem também a supressão legal de
vegetação, e não só o desmatamento ilegal.
“Tudo o que investimos permanece, talvez com algumas adaptações em função de
passar a termos um intermediário a partir de agora”, Pianez disse em uma conversa
com o The Agribiz. “Talvez mude a forma como vamos investir, mas o budget não
muda”.
Os novos investimentos no plano Marfrig Verde+, que tem orçamento aprovado de R$
500 milhões até 2025 — mais da metade já foi aplicado —, serão adaptados ao novo
perfil da Marfrig após a conclusão do deal com o Minerva.
O foco deixará de ser o abate e passa a ser a produção de carnes processadas, como
hambúrgueres e pratos prontos, e produtos in natura com marca (Bassi e Montana).
Com fábricas no Brasil, Argentina, Uruguai e Estados Unidos, a Marfrig é a maior
indústria de hambúrguer do mundo, sendo uma das principais fornecedoras do
McDonald’s. A rede de fast food possui compromisso com zero desmatamento.
O que fica
Após a conclusão da venda dos ativos, o que deve acontecer em até um ano
considerando as aprovações regulatórias necessárias, a Marfrig permanecerá com
apenas dois abatedouros de bovinos no Brasil — Várzea Grande, em Mato Grosso, e
Promissão, no interior paulista.
Desses, apenas o frigorífico de Várzea Grande, na região de Cuiabá (MT), fica em uma
área que compra gado oriundo do bioma amazônico. Ainda assim, essa é uma área de
menor risco, considerada de transição entre o Cerrado e a Amazônia, disse Pianez.
Economicamente, só faz sentido comprar gado em um raio máximo de 200
quilômetros.
Os frigoríficos de maior risco do ponto de vista ambiental, como os localizados em
Rondônia e no Pará, vão para a Minerva. Na venda, a Marfrig vai transferir os
abatedouros de Chupinguaia (RO), Pontes e Lacerda e Tangará da Serra, ambos em
Mato Grosso, que estão em operação. Ambos compram gado do bioma amazônico.
Outras três plantas que estão fechadas, incluindo o abatedouro de Tucumã (PA),
também estão no pacote vendido.
Frigorífico vira fornecedor
As ferramentas desenvolvidas pela Marfrig, como o mapa de mitigação de riscos da
pecuária e a plataforma blockchain para monitorar os fornecedores indiretos — a
maior dor da indústria de carne —, continuarão sendo utilizadas na seleção de seus
fornecedores, que poderão ser outros frigoríficos.
“A escala muda porque teremos mais parceiros ou parceiros com mais volume”,
afirmou. Por contrato, a Minerva será uma das fornecedoras de carne bovina, mas
outros frigoríficos também poderão vender carne à companhia.
Pianez não quis arriscar como ficará o mapa de fornecedores da Marfrig após a
transação, mas disse que “boa parte” da carne bovina da Marfrig deve ser abatida nos
próprios frigoríficos. Para que isso seja possível, a Marfrig está investindo para
praticamente dobrar a capacidade de abate das duas plantas.
A Marfrig poderá disponibilizar as ferramentas que ajudou a desenvolver — como a
plataforma da Brain, startup comprada pela Serasa — para que seus fornecedores,
incluindo a Minerva, possam garantir o monitoramento dos fornecedores indiretos.
“Vai ser um pré-requisito para que seja fornecedor da Marfrig”, disse Pianez.
Metas de emissões
Entre os frigoríficos da América Latina, a Marfrig é a única a ter meta de redução de
emissões aprovadas pelo SBTi (Science Based Targets Initiative), o que sempre foi
visto no mercado como uma demonstração de que o engajamento da companhia no
assunto estava seguindo a ciência e não uma necessidade de marketing.
Nas metas aprovadas pelo SBTi para o escopo 3, a Marfrig se comprometeu a reduzir a
intensidade das emissões em 33% até 2035. Esse escopo inclui o metano, que é emitido
a partir da fermentação entérica do gado (o arroto do boi, principalmente). Segundo
Pianez, o escopo 3 representa 97% das emissões da indústria de carne bovina.
Na Marfrig desde 2019, quando aceitou o desafio depois de mais de uma década como
diretor de sustentabilidade do Carrefour, Pianez fez da Marfrig uma pioneira ao
estipular metas para o monitoramento dos fornecedores indiretos em 2020, quando
lançou o Plano Marfrig Verde +. Atualmente, a empresa diz monitorar 80% dos
fornecedores indiretos localizados na Amazônia.
Laços com a comunidade
Ao longo dos últimos anos, Pianez e a Marfrig aprofundaram os laços com a
comunidade que discute sustentabilidade. A companhia possui um comitê de
sustentabilidade com nomes como Marcelo Furtado, ex-diretor executivo do Greenpeace, e Roberto Waack, do Instituto Arapyaú. Waack também é membro
independente do conselho de administração da Marfrig.
Nos esforços para engajar o debate, a Marfrig vem conseguindo atrair autoridades. No
último evento anual para demonstrar os resultados do plano, em maio, a companhia
trouxe figuras como Isabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente, e Jorge Viana,
presidente da Apex, para o debate.
O vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro,
também participaram, assim como o ambientalista João Paulo Capobianco, secretário-
executivo do Ministério do Meio Ambiente.