A empresa brasileira por trás do algodão regenerativo de Armani e Louis Vuitton

PretaTerra idealiza pilotos das grifes na Itália e no Chade e leva a inteligência de agrofloresta para a moda de luxo

PretaTerra produz algodão regenerativo na Itália, em parceria com Armani
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Na moda, tudo começa com o material. Quem diz isso é o estilista italiano Giorgio Armani. Reconhecido por revolucionar a indústria da moda, Armani decidiu levar suas experimentações e modos de fazer não-tradicionais das passarelas de Milão para as fazendas em Rutigliano, na Puglia, no calcanhar da bota.

A marca quer incentivar a produção de algodão regenerativo em seu país-sede e contratou a brasileira PretaTerra para analisar e monitorar as condições ambientais e fazer o planejamento técnico e financeiro de uma das primeiras plantações do tipo em toda a Europa.

A indústria têxtil enfrenta cada vez mais questionamentos sobre sua cadeia de produção, que causa impactos ambientais da extração das matérias-primas ao descarte incorreto das peças. 

Em meados de 2022, a Armani e outras grifes, como Burberry e Mulberry, assinaram um manifesto pela moda regenerativa, com sistemas resilientes, ricos em biodiversidade e sem desmatamento. O documento foi lançado em parceria com a Circular Bioeconomy Alliance (CBA), iniciativa estabelecida pelo rei Charles III e da qual a PretaTerra é uma das fundadoras.

Foi para colocar essa ideia em prática que a PretaTerra se tornou parceira da Armani. “O que nós fazemos é tirar a agrofloresta de um nicho, algo feito de forma muito entusiástica, no bom e no mau sentido, e trazer isso para larga escala”, diz Valter Ziantoni, cofundador e CEO da empresa. 

Ele e Paula Costa, cofundadora e CTO da PretaTerra, falam com o Reset da Itália, onde estão trabalhando com o Centro de Pesquisa e Estudos Agronômicos (CREA, na sigla em italiano) e agricultores locais para colocar o projeto em pé. 

A próxima parada é o Chade, no centro da África, onde a LVHM, dona das marcas Louis Vuitton, Dior e Tiffany, financia outro projeto de algodão regenerativo.

“Uma vez utópica, a moda regenerativa finalmente começa a assumir uma forma tangível”, disse Armani, no anúncio da parceria. 

A definição de agricultura regenerativa ainda está sendo construída. Com matérias-primas e produções distintas, os projetos compartilham entre si a meta de que o ambiente seja melhorado no que diz respeito às condições ecológicas e climáticas ao longo de sua execução.

Mais do que o número de espécies plantadas, importa o impacto positivo das práticas adotadas – como aumento da biodiversidade, retenção de água no solo e manutenção do microclima. 

“Na agricultura convencional, o ambiente sempre é degradado e você tem que entrar com novos insumos para repor o que foi retirado. Na regenerativa, ao contrário, a ideia é que isso aconteça de forma natural e que, a cada ciclo, aquele espaço seja regenerado”, diz Ziantoni. 

Ambos engenheiros florestais, o casal fundou a PretaTerra em 2015 com a meta ambiciosa de transformar toda a agricultura que existe no mundo em agrofloresta e agricultura regenerativa.

De uma ponta à outra

O trabalho da PretaTerra é desenhar os sistemas agroflorestais e biodiversos, de modo que o produto principal – como o algodão – seja cultivado junto a outras espécies produtivas arbóreas e, assim, a monocultura e seus problemas conhecidos de exaustão do solo e desequilíbrio ecológico deem lugar à agricultura regenerativa. 

“É justamente o planejamento técnico, operacional e financeiro robusto que precisamos trazer para todos os agricultores”, diz Costa. 

Para escrever a “receita de bolo” que vai atender cada região, a empresa busca entender a realidade ambiental, econômica e social do local em que trabalha: o contexto dos agricultores, as espécies que se adaptam mais facilmente e quais mercados podem ser acessados com aqueles produtos. Depois, vêm a lista de espécies selecionadas e o design agroflorestal, além da modelagem financeira.  

Esse processo esclarece para o agricultor o passo-a-passo a ser adotado para a transformação, afirma Costa. “Ele entende quanto vai custar, em quanto tempo esse sistema vai se pagar, ser rentável, qual é a entrada e qual é a receita”. 

É essa inteligência que diferencia o trabalho da PretaTerra, no entendimento dos co-fundadores. A empresa também faz coleta de dados, análises, capacitação dos agricultores e monitoramento dos projetos. 

Em Puglia, é neste estágio de avaliação e planejamento que Costa e Ziantoni trabalham. O projeto da Armani tem caráter experimental e quer resgatar no longo prazo, com a tecnologia agroflorestal, uma produção de algodão que data do século XII. 

Ao longo deste ano, a área do projeto deve chegar a 5 hectares em terras do CREA. Em um primeiro ciclo, o algodão foi plantado junto a espécies frutíferas típicas da região: oliva, romã, pêssego e cereja. 

Já no projeto da LVHM no Chade, o algodão já é produzido, mas não segue as práticas regenerativas. Nesse caso, a atuação da PretaTerra se concentra na capacitação de cooperativas de agricultores.

A atuação da empresa extrapola o mundo da moda: já são mais de 200 projetos executados em cerca de 20 países – os cofundadores perderam as contas de quantos hectares ajudaram a transformar, mas afirmam que a maioria esmagadora foi no Brasil.

Na carteira de clientes estão Natura, Nestlé e Cargill, além da Verstegen, empresa holandesa de temperos, e FarFarm, uma consultoria brasileira de cadeia produtiva. ONGs, como WWF e WRI, o banco UBS, e pequenos e grandes produtores também compõem o portfólio. 

Evolução do mercado

A empresa atende tanto produtores rurais que querem transformar suas plantações, quanto companhias que decidem impulsionar as práticas regenerativas entre seus fornecedores ou realizar ações de recuperação de áreas degradadas. 

Os contratos da PretaTerra seguem a lógica de prestação de serviços e variam conforme os projetos. O foco, por ora, está em atender projetos maiores em área e em impacto – cujos valores repassados à empresa ficam na faixa de R$ 2 milhões e R$ 5 milhões.

Se no início eram Costa e Ziantoni que precisavam convencer as companhias a adotar suas práticas, agora, os clientes já chegam convencidos dos benefícios para o ecossistema, a resiliência climática e também para a qualidade dos seus produtos, dizem os fundadores. 

Do outro lado, para os produtores, é vantajoso dividir os riscos e os custos de fazer a transição da monocultura para a agrofloresta. 

“Eles sentem a necessidade de ter árvores na paisagem, sabem que o clima está mudando, mas para eles é muito arriscado abraçar a inovação sozinhos”, afirma Costa. “No final das contas, é uma discussão muito mais financeira e comercial do que uma conversa técnica ou ideológica.” Os produtos orgânicos custam, em média, 30% a mais para quem compra a matéria-prima, segundo ela.

Diante do seu crescimento, a PretaTerra lida agora com desafios de insumos para seus projetos. Ainda não há uma cadeia estruturada para o fornecimento de mudas ou profissionais capacitados para trabalhar com os sistemas regenerativos, diz Ziantoni. A empresa lançou um curso para lidar com o segundo desafio.

“Não tem mão de obra capacitada ou disponível, em todos os níveis, que entenda o que é a agricultura regenerativa. Existem idealistas nas cidades, mas não tem pessoas suficientes trabalhando com isso. É um desafio em todos os projetos, no Brasil e no mundo.”