
Avinash Persaud nos aguarda na frente do centro de mídia da COP30 na hora marcada para a conversa com o Reset. A pontualidade é um conceito flexível nas conferências do clima: as distâncias são grandes e as agendas estão em fluxo constante.
Mas Persaud, nascido na ilha caribenha de Barbados, é um homem à frente do seu tempo – ou pelo menos pode-se dizer isso das suas ideias.
Conhecidas como Iniciativa de Bridgetown, nome da capital barbadiana, elas formam a base de um esforço em curso para adequar à nova realidade do clima um arranjo das finanças globais concebido para o pós-guerra do século passado.
Persaud hoje é assessor especial para mudança do clima no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Lá, ele está colocando em prática inovações essenciais para que o mundo em desenvolvimento consiga lidar com a emergência climática.
“Bancos multilaterais de desenvolvimento podem escalar e alavancar a resiliência como ninguém”, afirma. Ele menciona o exemplo da Jamaica, onde a passagem do furacão Melissa, há pouco mais de um mês, causou perdas econômicas de cerca de 45% do PIB.
São países em que “não faltam coisas que precisam de dinheiro”, diz Persaud. “O risco é que você foque nas preocupações mais imediatas, mas também precisamos de resiliência a longo prazo.”
É o tipo de recurso que vai ter de sair de orçamentos públicos – que estão apertados em toda parte. O endividamento é inevitável, afirma ele, então o sistema precisa de mudanças. Um dos experimentos envolve swaps de dívidas soberanas em troca de investimentos em resiliência.
O BID também está envolvido em iniciativas pioneiras no Brasil, como o programa Eco Invest, e acaba de anunciar o Reinvest+, uma tentativa de levar o recurso do investidor institucional, sujeito a regras estritas, a projetos que hoje não obtêm financiamento.
Persaud conhece o problema de perto: seu país natal (o mesmo da cantora Rihanna) é uma pequena ilha caribenha na rota anual dos furacões.
Ele conversou por mais de uma hora com o Reset num canto do centro de imprensa da COP30. Veja abaixo os principais trechos da entrevista.
Quando nos encontramos em Dubai, há dois anos, você disse que 2024 seria um ano de pilotos. O que aconteceu desde então?
Muita coisa. Resiliência e adaptação é uma parte central do que os bancos de desenvolvimento deveriam estar fazendo. Você não pode se desenvolver se for atingido por um furacão que destrói 50% do seu PIB, como aconteceu na Jamaica algumas semanas atrás. Tivemos terríveis inundações no Brasil e no Paquistão, um ano antes.
Fizemos um piloto de US$ 1 bilhão, que chamamos de BID Clima, para investir em infraestrutura pública resiliente. Quando alguns indicadores, avaliados independentemente, determinam que atingimos uma meta de resiliência, reduzimos a taxa de juros em 0,5%.
Em países em desenvolvimento não faltam coisas que precisam de dinheiro. O risco é que você foque nas preocupações mais imediatas, o que é compreensível, mas também precisamos de resiliência a longo prazo. Queremos incentivar os governos.
Meio ponto percentual é muito para nós, já que somos um banco sem fins lucrativos. Estamos pensando no BID Clima 2.0, para que outras pessoas coloquem seus 0,5%, para que resiliência seja o investimento mais barato.
Houve reformas significativas no chamado CAF (sigla em inglês para quadro de adequação de capital). Ele trata de quanto os bancos podem emprestar. Bancos de desenvolvimento são muito conservadores. Eles têm classificação de crédito AAA e não querem colocá-la em risco.
Trabalhando com as agências de classificação de crédito, houve um aumento importante no espaço para empréstimos, a quantia que os bancos podem emprestar. Ela cresceu quase meio trilhão de dólares só nos últimos dois anos. Nunca antes vimos esse salto.
Por ano?
No total. Se você dividir isso por ano, seriam como US$ 50 bilhões a mais por ano. Para contextualizar, os bancos de desenvolvimento têm investido coletivamente US$ 85 bilhões de seu próprio dinheiro por ano. É um aumento de mais de 50%.
Desses US$ 85 bilhões, cerca de US$ 26 bilhões vão para resiliência. Estamos tentando chegar a US$ 42 bilhões anuais até 2030, para países de baixa e média renda. E instituições como o BID e outras podem ir ainda mais longe. Pode ser que, coletivamente, acabemos emprestando e investindo US$ 60 bilhões para adaptação. Em 2019, esse número era de cerca de US$ 12 bilhões.
E o que fazer em relação ao problema crônico de endividamento dos países mais vulneráveis?
Existe um nexo entre clima e dívida. Cerca de 80% do dinheiro para lidar com desastres climáticos vem dos orçamentos nacionais, e mesmo isso representa apenas um terço das perdas sofridas. A dívida entra aí. E quando o país está endividado fica difícil investir em resiliência, porque é algo que o setor privado não faz.
Lançamos um instrumento de troca de dívida [debt swaps] com múltiplos garantidores. Colocaremos nossa garantia AAA para um país com restrições de dívida e restrições fiscais. Eles tomam empréstimos a juros de 3,5% ou 4%. E usamos esses juros para recomprar o dinheiro que eles tomaram emprestado anteriormente a 8%, 9%, 10%, 11%, 12%. A diferença entre 3,5% e 10%, digamos, deve ir para um investimento em resiliência.
Isso libera muito dinheiro para resiliência, mas não aumenta o nível da dívida. Esperamos atrair mais garantidores. Talvez governos, talvez seguradoras. E isso nos permitirá expandir essas trocas de dívida por resiliência.
Você mencionou mais de uma vez que a quantia de dinheiro que os Bancos Multilaterais de Desenvolvimento (BMDs) estão colocando no clima é minúscula diante do total dos investimentos…
Me referia ao total do investimento para o desenvolvimento. Mas não dessas instituições. Clima é uma parte grande do dinheiro dos bancos multilaterais.
O incrível é que, hoje, obter mais recursos para investir não é o problema. Nosso espaço para empréstimos aumentou muito. E se completarmos as reformas, crescerá para US$ 1 trilhão. O sistema dos bancos multilaterais dobraria. Se a maior parte desse dinheiro for dedicado à adaptação, ele financiará totalmente a parte de infraestrutura pública resiliente.
Mas isso é um “se” que depende dos acionistas. Eles podem decidir que existem outras prioridades. Na minha opinião, esta é a opção certa. Se nossos países não forem resilientes, não podemos construir, não podemos atrair mais investimentos.
E não vamos resolver o problema da adaptação sem mais dívidas. Seria ótimo, mas não vai acontecer. Temos doações, mas elas são escassas e devem ir para o que não pode ser financiado de outra forma. O sistema de dívida, a arquitetura da dívida, tem que absorver mais choques.
Fale um pouco sobre o Reinvest+. É uma ideia nova e a maioria das pessoas no mercado financeiro aqui no Brasil e no mundo não está familiarizada com ela.
Passamos dois anos quebrando a cabeça: como fazer que o setor privado invista mais dinheiro em um tipo de desenvolvimento positivo para o clima, já que os governos estão sem dinheiro?
Você ouve que esses recursos vão passar de “bilhões para trilhões”, mas a realidade é que isso não aconteceu. Nos perguntamos por quê.
Primeiro: tem muitas coisas que o setor privado não vai fazer. E muito do que faz está nos países desenvolvidos. Estou falando de 80% dos recursos destinados a turbinas eólicas, parques solares, tudo o que tem a ver com energia renovável.
Nos ensinam finanças assim: “Se dá dinheiro, você vai encontrar um investidor”. Não é verdade. Onde estão os trilhões de dólares de dinheiro privado? Estão em seguradoras e fundos de pensão. São recursos altamente regulados, que não podem ser alocados em qualquer startup. Eles só olham para títulos classificados pelas quatro agências de ratings, e elas não fazem muitas avaliações em países em desenvolvimento.
Criamos uma solução para arrastar esse dinheiro para projetos que não foram construídos ou nem sequer receberam licenças.
Os balanços dos bancos brasileiros, mexicanos, chilenos têm US$ 3 trilhões em títulos de baixo risco para negócios já licenciados, que provaram que podem pagar seus juros.
Vamos comprar esses títulos, algo nunca feito antes por um banco de desenvolvimento. Vamos diversificá-los por toda a América Latina – não apenas um banco, não apenas um país: a região inteira, quem sabe o mundo todo.
Aí vamos empacotá-los em um portfólio diversificado de empréstimos. Teremos títulos com grau de investimento em moeda forte, que venderemos para fundos de pensão e seguradoras. E com o dinheiro que eles nos derem, vamos fazer o mesmo de novo e de novo e de novo. É assim que vamos de bilhões para trilhões.
Diremos para os bancos brasileiros e mexicanos: “Compramos seus empréstimos e vamos te dar um pequeno lucro, pois vocês fizeram todo o trabalho duro. A condição é que você reinvista o dinheiro recebido em novos empréstimos nos setores alinhados às prioridades nacionais de desenvolvimento, à NDC, à NAP [Plano Nacional de Adaptação]”.
Você já está em negociações com bancos, bancos locais?
Sim.
O que eles pensam da ideia?
Estão animados. Nunca foi feito antes, então tem uma certa apreensão. Pedimos propostas, e vários apresentaram suas ideias. A ideia é ter o primeiro portfólio de títulos para vender aos investidores institucionais.
Quanto dinheiro você acha que isso pode mobilizar ao longo dos anos?
São US$ 3 trilhões de dólares em títulos adimplentes. Digamos que compremos um quarto deles. Então você está falando de US$ 500 bilhões. Somando os US$ 300 bilhões vindo do setor público, impulsionados em grande parte pelos BMDs, estaremos mais perto de US$ 1,3 trilhão.
Quando essas ideias vão começar a se disseminar para outros bancos de desenvolvimento?
Competimos, mas também somos colaborativos. Compartilhamos todas as informações sobre o que estamos fazendo. Queremos colaborar para tornar isso global.
Qual sua avaliação do Eco Invest até aqui? Dá para replicar o programa em outros países de renda média, como México, Indonésia ou África do Sul, por exemplo?
O Brasil foi verdadeiramente pioneiro e inovador. Temos algo que funciona. É uma plataforma de país, como estamos vendo pelos números. Os leilões do EcoInvest foram muito bem. Eles superaram nossa expectativa em tamanho. Quase US$ 15 bilhões foram mobilizados. O Brasil é um país grande, mas estamos falando de bastante dinheiro.
Só que desenvolvimento é contextual. Não existe uma receita que sirva para todos. O Brasil tem muito em comum com outros países em desenvolvimento, mas também é único em muitos aspectos.
A estrutura do Eco Invest não é facilmente transferível. Criamos outro instrumento chamado FX Edge. A ideia é pegar as partes do EcoInvest com as quais aprendemos, como o mecanismo de liquidez cambial.
Pegamos as partes que são replicáveis e vamos para o México, Chile e outros lugares. Eles desenvolverão soluções próprias. Mas temos um ponto de partida.
Qual sua opinião sobre o mapa do caminho das finanças climáticas produzido por Brasil e Azerbaijão? Elas vão nos levar ao US$ 1,3 trilhão? Elas precisam ser detalhadas e aprimoradas?
As ideias nos levarão lá. E, sim, elas precisam ser detalhadas. O que estamos fazendo com o Reinvest+ é um exemplo do que tem que acontecer com cada uma dessas ideias. Você precisa ter dinheiro de desenvolvimento, precisa ter equipes de pessoas, precisa colaborar, precisa de um primeiro piloto, precisa aprender com o que deu errado e corrigir.
Então acho que podemos chegar lá. Mas isso não significa que vamos conseguir. Vai exigir muito trabalho duro daqui em diante.
Acho que os jornalistas em geral não perceberam que esta COP é diferente. Eles, e também os negociadores, estão acostumados a um certo tipo de COP em que chegamos, temos um objetivo, lutamos, negociamos, terminamos com um compromisso.
Belém é diferente. Esta COP está dizendo: “Já negociamos muito. Já fizemos muitos compromissos. Agora precisamos colocar em prática”.
O Balanço Global do Acordo de Paris nos mostrou as áreas em que precisamos trabalhar: aqui estão cerca de 30 coisas que temos de fazer. Elas já foram negociadas. Vai levar algum tempo para as pessoas apreciarem que esse é o ponto central desta COP. E temos um roteiro, um mapa para o US$ 1,3 trilhão.
Quais outras ideias ou mecanismos você acha que são mais promissores em termos de capital e também atividade?
Seres humanos são muito engenhosos e criativos. Nas primeiras 25 ou 26 COPs, você entrava em uma sala e alguém estaria revelando uma nova inovação emocionante, uma inovação chique. Um novo crédito sofisticado. E levantava uns US$ 5 milhões.
Existem milhares de ideias. Mas as que vão nos levar a US$ 1,3 trilhão podem ser contadas nos dedos de uma mão. Nós olhamos para essas. Não deixamos de lado as menores, também precisamos de um ecossistema. Mas focamos em escala e alavancagem.
Bancos multilaterais de desenvolvimento podem escalar e alavancar a resiliência como ninguém. Então, acionistas, nos deem esse mandato.
Esperamos que o Reinvest+ leve outras pessoas a fazer igual. Não acreditamos em bala de prata. Talvez existam dois, três, quatro “Reinvest Pluses” por aí. E isso nos ajudará a chegar ao US$ 1,3 trilhão.
E quanto aos projetos para receber investimentos? Eles existem na quantidade e na escala necessárias?
É uma pergunta muito importante. É uma questão do ovo e da galinha. Eu trabalhava para um país em desenvolvimento minúsculo. Mas as pessoas nos diziam: “Se vocês mudarem essa regulamentação, o dinheiro vai vir”. A resposta era: “Bom, o dinheiro nunca chegou”.
Se tivesse certeza sobre o dinheiro, eu colocaria minhas melhores cabeças para repensar a regulamentação. Esse não é o problema. Mas só faz sentido mexer nisso se o dinheiro vier. Quando ele flui, o ambiente facilitador, a clareza, as reformas políticas fluem junto.
Os Estados Unidos são o maior acionista individual do Banco Mundial. Considerando o atual governo Trump, o quanto a política pode impedir essa mudança nos BMDs?
Os BMDs só podem fazer o que seus acionistas querem. E as prioridades dos acionistas mudam ao sabor da política. Mas você conhece a região da América Latina e Caribe. Tivemos todo tipo de governo. Ainda assim, fomos capazes de encontrar um terreno comum em muitos aspectos do desenvolvimento.
Continuamos fazendo isso. Ele vem em diferentes sabores ao longo das décadas. Mas, no final das contas, é sempre desenvolvimento.
Quando os BMDs foram criados, 80 anos atrás, era um mundo muito diferente. Eles tinham um objetivo diferente, uma missão diferente.
Eu diria que eles tinham a mesma missão: erradicar a pobreza, obter um crescimento mais forte e empregos, e reduzir a desigualdade, que é muito alta em nossa região. Mas mudaram os desafios, com as mudanças climáticas, e as ferramentas para enfrentá-los.
Ainda temos que construir viadutos. Mas, se eles não resistirem a um furacão, não é desenvolvimento. Nossa região tem um desafio muito claro de choques climáticos, de impacto rápido e de impacto lento, como a poluição do ar e suas consequências para a saúde.
E as iniciativas de implementação que se materializam fora do processo formal da COP? Como esses dois mundos vão conviver?
Muito progresso vai acontecer fora da COP, estimulado pelo regime de cooperação. E há aspectos das COPs que precisam melhorar. Mas podemos amarrar esses dois mundos de alguma maneira.
Muitas vezes a ação parece movida pela exasperação com a lentidão do processo. É como se estivessem dizendo: ‘Vamos nós mesmos arregaçar as mangas e fazer’.
Acho que muita gente ficaria surpresa ao saber que, no ano passado, de US$ 3 trilhões de investimento em energia, US$ 2 trilhões foram em renováveis. Dois terços? Em 2015, quase ninguém teria previsto isso. A COP venceu. Venceu uma batalha, não a guerra.
E, se você olhar para as áreas do mundo com demanda explosiva de energia, isso não está acontecendo. E é por isso que desenvolvemos o Reinvest+: para direcionar dinheiro do mundo rico para investimentos comerciais no mundo em desenvolvimento.
E as soluções baseadas na natureza? Christiana Figueres disse que elas são a Cinderela da transição. Restaurar florestas, por exemplo, não tem um fluxo financeiro previsível como as renováveis.
Uma das minhas tarefas no próximo ano é tentar encontrar uma solução viável para proteger as florestas que seja escalável. Ainda não deciframos totalmente esse problema.
Pode ser que não haja benefício privado adequado para conseguir o dinheiro para protegê-las. Mas o benefício social é claro. Então, o recurso é público – e escasso. Será que essa é prioridade para nossos orçamentos apertados? Talvez. Temos de descobrir a resposta.
As pessoas adotaram uma visão horizontal para as finanças: “Aqui estão todas as camadas de coisas que precisamos fazer. O dinheiro do governo está curto, então vamos preencher essas outras camadas com o setor privado”.
Mas o setor privado só trabalhará onde houver receitas capturáveis.
Veja, não estou sendo pessimista. Defendo uma abordagem vertical. A maior parte da agenda de mitigação depende de recursos privados. Os BMDs fazem adaptação e os doadores fazem perdas e danos. E isso é inteiramente escalável para os níveis que precisamos.