
A Carbonext, desenvolvedora de projetos de créditos de carbono de conservação de florestas, adquiriu uma participação minoritária da NaturAll Carbon, empresa anglo-brasileira de projetos de agricultura regenerativa para remoção de carbono. As empresas não divulgaram a participação adquirida nem o valor da operação.
Trata-se de uma participação “minoritária, mas relevante”, diz Alexandre Leite, CEO da NaturAll Carbon (à direita na foto).
As duas empresas vão manter operações independentes, mas a ideia é que a NaturAll Carbon use a estrutura da Carbonext para escalar seus projetos, como diligência jurídica, prospecção de propriedades rurais, tecnologia da informação e comunicação. Também terá acesso ao banco de dados, que conta com 485 mil hectares de área de geração de créditos do portfólio e outros 6,6 milhões de hectares monitorados.
A meta da NaturAll Carbon é alcançar 150 mil hectares sob gestão até 2027 e 500 mil até 2030 – a empresa não informa quantos têm hoje.
O movimento faz parte de uma estratégia de diversificação de portfólio. O mercado de REDD+, como são conhecidos os créditos de conservação, vive uma duradoura crise desde que denúncias e escândalos no Brasil e no exterior afastaram compradores, preocupados com problemas de reputação, e derrubou o preço desses ativos.
A crise de credibilidade dos REDD+ levou a uma mudança no interesse por créditos, principalmente por parte das big techs, que passaram a direcionar as compras para créditos de remoção de carbono, como os de restauração e reflorestamento, conhecidos como ARR, e os de agricultura regenerativa, chamados de ALM.
Seguindo o manual básico dos investidores, a Carbonext não quer deixar todos os ovos na mesma cesta. Os créditos gerados por ALM são comercializados por um valor significativamente superior aos de REDD+: entre US$ 50 e US$ 60 por crédito (cada um equivalente a uma tonelada de carbono), frente aos US$ 10 a US$ 20 pagos por projetos de conservação, compara Luciano Corrêa, co-CEO da Carbonext (à esquerda na foto).
O executivo reconhece o desgaste vivido pelos REDD+, mas acredita que isso faz parte do amadurecimento do setor. “Estamos confiantes com a nova geração de projetos.”
Créditos do agro
Potência agropecuária, o Brasil é celeiro óbvio para projetos no campo. O agronegócio responde por 23% do PIB brasileiro e 28% das emissões de gases de efeito estufa do país. E parte de um patamar técnico elevado na agricultura, segundo Leite.
“Fortemente apoiada pelas pesquisas da Embrapa, a agricultura brasileira é exemplo para o mundo – sem contar a capacidade de ter duas ou três safras por ano e já adotar boas práticas”, diz o CEO da NaturAll Carbon.
Há, ainda, outro aspecto: o país tem 40 milhões de hectares de pasto degradado identificados pelo plano de recuperação de pastagens do governo federal, além de outros 70 milhões de pastagens que poderiam migrar para sistemas regenerativos, de acordo com a Embrapa. “É um potencial infinito”, avalia.
De olho nele, diversas startups têm surgido, inclusive dentro de grandes empresas do agronegócio. A MyCarbon, da Minerva, fechou parcerias com a Yara e a SLC Agrícola para desenvolver projetos de ALM. Duas startups que emitem créditos de carbono usando pó de rocha (que substitui alguns tipos de fertilizantes químicos), InPlanet e Terradot também fecharam seus primeiros negócios recentemente.
Ao redor do mundo uma lista longa de empresas firmaram compromissos públicos com a agricultura regenerativa: ADM, Anheuser-Busch InBev, Bunge, Cargill, Coca Cola, Danone, Heineken, Kellogg, Nestlé, Pepsico, Unilever e Walmart entre elas.
Certificação
A agricultura é a única atividade econômica que, além de emitir carbono, também consegue capturá-lo e estocá-lo no solo no seu processo natural de produção, por meio da fotossíntese das plantas. Mas este é um serviço ambiental que só acontece com boas práticas de manejo da terra.
Quanto mais saudável for o solo, mais carbono ele estoca. Por isso que a agricultura regenerativa tem esse nome, porque seu principal objetivo é “regenerar” a terra. Os projetos de créditos de carbono agrícolas são baseados justamente nesse serviço ambiental que práticas como plantio de cobertura, uso de bioinsumos e integração lavoura-pecuária promovem.
“As técnicas agrícolas foram evoluindo contra o enriquecimento do solo, como foco em processos químicos, deixando de lado os biológicos. O crédito de carbono chega para premiar esta transição [para práticas mais sustentáveis]”, aponta Corrêa.
A NaturAll Carbon conecta produtores rurais a empresas interessadas em compensar emissões. A cada projeto, a startup quantifica o sequestro de carbono no solo, monitora os resultados e intermedia a venda dos créditos, negociados globalmente a partir de Londres. Parte da receita vai para o produtor, e outra parte fica com a empresa.
A empresa arca com os custos de implementação e gerenciamento do projeto junto a Verra, maior certificadora de créditos de carbono do mundo, e com a comercialização dos créditos. O produtor rural é responsável por implementar e manter as práticas regenerativas por todo o período do projeto.
A NaturAll Carbon obteve a certificação de agricultura regenerativa da Verra, conhecida como VM0042, para um projeto em um modelo de agrupamento. Ou seja, a empresa pode incorporar novas fazendas sem um novo processo de validação. Outros quatro projetos da empresa estão sob avaliação.
Longo prazo
Adicionalidade e permanência são pilares dos projetos. Para ser elegível, ele precisa demonstrar adicionalidade com base em práticas adotadas até três anos antes do início oficial do projeto. Isso pode incluir, por exemplo, a conversão de um pasto degradado em área agrícola com uso de plantio direto, aquele feito sem arar o solo – ao revolver o solo, o carbono estocado retorna à atmosfera. Ao longo do tempo, essas áreas podem incorporar cobertura vegetal para ampliar o sequestro de carbono.
Já a permanência exige comprometimento de longo prazo: os projetos devem durar pelo menos 40 anos, mesmo que deixem de emitir créditos após 20 anos. “Devemos continuar monitorando aquela área para que não haja reversão”, diz Leite.
Para que o investimento das operações valha a pena, a NaturAll Carbon prefere trabalhar com grandes propriedades, acima de 5 mil hectares. Um dos clientes é a Amaggi, para quem a NaturAll Carbon está desenvolvendo um projeto em Rondônia, com uma área agricultável de 25 mil hectares.
“Há ainda as tradings, que incentivam a adoção de práticas de agricultura regenerativa, mas nem sempre conseguem medir e certificar o impacto do carbono removido. E os grandes bancos interessados em conceder crédito para a adoção de práticas de agricultura regenerativa. O crédito de carbono traz remuneração para o produtor, mas, com essa metodologia, os bancos podem dar mais financiamentos também”, afirma Leite.