A COP30 servirá como convocação de um mutirão global para colocar em prática as decisões tomadas há três décadas em negociações internacionais do clima.
Este é o espírito de uma carta divulgada nesta segunda-feira expondo a visão da presidência da conferência do clima da ONU, encabeçada pelo embaixador André Corrêa do Lago.
“Como nação do futebol, o Brasil acredita que podemos ‘vencer de virada’. Isso significa lutar para virar o jogo quando a derrota parece certa”, diz o texto, assinado pelo diplomata brasileiro.
A ambição é que a conferência de Belém, que começa em 10 de novembro, inaugure uma nova fase das COPs, traduzindo decisões técnicas e que muitas vezes parecem abstratas para a vida das pessoas, das organizações e das empresas.
Mais que isso: é preciso “fazer uma autocrítica e responder por meio de ações à percepção externa de que as negociações se arrastam por mais de três décadas com poucos resultados efetivos”, escreve o embaixador.
Trata-se de um reconhecimento dos limites desse sistema de cooperação internacional, disse Corrêa do Lago em conversa com jornalistas na última sexta-feira.
Fazem parte da Convenção do Clima (UNFCCC) quase todos os governos nacionais do mundo, e são eles que desde 1995 enviam representantes para negociar nas COPs.
O problema deste desenho, segundo o presidente da COP30, é que ainda existe a sensação de uma distância entre o mundo real e o que se discute e se decide nas conferências.
“A urgência climática nos obriga a essa ideia do mutirão, uma palavra que todo brasileiro entende e agora o mundo vai descobrir”, afirma o presidente da COP. “Temos de juntar não somente os países, mas a sociedade, o setor privado, a juventude.”
Descompasso
A saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris é um exemplo desse aparente descompasso entre o processo que ocorre no âmbito da ONU e as ações no mundo real.
O governo americano ainda estará presente em Belém, pois o desligamento formal de Paris só deve se concretizar em janeiro. O abandono americano será um golpe para a cooperação global, entre outros motivos, porque o país é o maior emissor histórico de gases de efeito estufa.
Mas a ausência da esfera federal americana não significa que os Estados Unidos inteiros tenham abandonado o combate à mudança do clima, afirma Corrêa do Lago.
Esse esforço de ir “além das fronteiras” da COP significa abraçar todos os americanos ainda comprometidos com o tema. “Segundo avaliações que ouvi, pelo menos dois terços do PIB americano, incluindo Estados, cidades e empresas, vão ficar em Paris do ponto de vista prático”, diz o embaixador.
Ao mesmo tempo, ele afirma estar ciente de que muitas empresas e governos – e não somente nos Estados Unidos – estejam reduzindo seus compromissos com a agenda climática. Foi por esse motivo que a expressão “virar o jogo” foi incluída no documento que expõe a visão da COP30, diz Corrêa do Lago.
Apesar do chamado ao envolvimento do “mundo real” no que se discute nas COPs, o Brasil ainda está devendo a indicação do Campeão Climático de Alto Nível.
A pessoa indicada para o cargo tem justamente o papel de estabelecer a conexão entre o que se decide nas salas de negociações e todos os atores que não são partes formais da UNFCCC.
Questionado pelo Reset sobre o porquê da demora na escolha do nome, Corrêa do Lago afirmou que ele deve ser nomeado “proximamente”.
Um mundo instável
Outro problema talvez ainda mais crítico para as ambições da presidência brasileira da COP30 seja a instabilidade geopolítica global.
Entre os vários choques trazidos pela eleição de Donald Trump, um dos potencialmente mais importantes é o abalo na relação histórica entre americanos e europeus.
Incertos sobre a continuidade do apoio financeiro e militar de Washington, os países europeus estão recalculando seus orçamentos, o que deve significar tirar dinheiro de investimentos climáticos e do financiamento para o mundo em desenvolvimento, o tema que quase levou ao colapso da COP do ano passado.
As fissuras na aliança atlântica e o empoderamento de Vladimir Putin, na Rússia, têm colocado a questão climática em segundo plano em boa parte do mundo – mesmo com a sequência de tragédias e quebras de recordes de temperatura.
A COP30 terá de encontrar “uma nova maneira” de recolocar o tema entre as prioridades dentro das circunstâncias geopolíticas atuais, diz Corrêa do Lago.
O presidente da conferência não dá detalhes em sua carta sobre qual seria essa estratégia. Mas, convidado a fazer uma autocrítica na conversa com jornalistas, ele mencionou a palavra urgência.
“Sou negociador do clima há 25 anos. Lá atrás, estávamos negociando com a perspectiva de que os impactos da mudança do clima aconteceriam mais tarde e seriam menos intensos”, afirmou Corrêa do Lago. “Não podemos [pensar] na mesma condição hoje.”
Agenda oficial
Quanto à agenda formal da COP30, o presidente afirmou que não se esperam decisões do mesmo impacto das adotadas nas duas últimas edições.
Em Dubai (2023), o Balanço Global do Acordo de Paris era um item obrigatório da agenda. No ano passado, no Azerbaijão, o assunto central era a questão do financiamento climático para países em desenvolvimento.
Em Belém, a principal expectativa das negociações formais vai girar em torno das NDCs, como são conhecidos os planos nacionais de descarbonização.
Os países devem apresentar ao longo deste ano suas metas de emissões de gases de efeito estufa para o ano 2035. O conjunto desses planos será uma medida do progresso no objetivo de conter o aquecimento planetário a 1,5°C em comparação com a era pré-industrial.
Uma das medidas do sucesso da presidência brasileira da COP30 será a ambição dos cortes propostos nas NDCs. A maioria dos grandes emissores, incluindo China, Índia e União Europeia, ainda não apresentou as suas.
Corrêa do Lago afirmou que o secretário-geral da ONU, António Guterres, pretende organizar uma cúpula virtual de líderes para discutir o tema.
As dúvidas sobre Belém
Embora a logística e as questões de infraestrutura de Belém sejam atribuições de um órgão do governo federal criado especialmente com essa finalidade, o presidente da COP30 também foi questionado sobre a questão da hospedagem.
O tema ganhou uma dimensão “um pouquinho excessiva, porque a maioria das COPs tem problemas”, afirmou Corrêa do Lago. “Ninguém escolheu Belém porque era uma cidade brasileira que tem muitos hotéis.”
“A gente não pode perder a dimensão extraordinária, simbólica de a gente estar levando o mundo para a Amazônia neste momento.”
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