Baku, Azerbaijão – A COP29 terminou com mais de 32 horas de atraso e um acordo “possível” sobre financiamento – que os países em desenvolvimento aceitaram sob protestos veementes.
Ficou decidido que o mundo desenvolvido tem até 2035 para atingir US$ 300 bilhões anuais em financiamento climático para as nações mais pobres, em paralelo a um esforço global para levar o total de finanças climáticas a US$ 1,3 trilhão por ano no mesmo prazo.
O texto menciona que os pagadores – Estados Unidos, União Europeia, Japão, Canadá e um punhado de outros – “tomarão a liderança” para o atingimento da meta, com “uma ampla variedade de fontes, públicas e privadas, bilaterais e multilaterais, incluindo fontes alternativas”.
Os mais vulneráveis à nova realidade climática queriam mais, e que os recursos fossem exclusivamente públicos, ou seja, saíssem diretamente do orçamento dos países ricos.
Após os aplausos com a passagem da decisão na plenária final, vieram as reações negativas. A primeira e mais contundente foi de Chandi Raina, representando a Índia.
“É um valor irrisório. Sinto dizer que não podemos aceitá-lo. Queremos muito mais ambição dos países desenvolvidos”, disse Raina. Ela classificou o arranjo como “nada mais que uma ilusão de ótica” e disse que a aprovação foi uma “encenação” dos anfitriões azerbaijanos.
As horas finais das conferências do clima são sempre caóticas e tensas, mas a presidência deste ano será lembrada como uma particularmente despreparada.
Apesar de intervenções furiosas de delegados de Cuba, Malawi e Maldivas sobre o texto de financiamento aprovado, não havia nada mais a fazer. Ao presidente da conferência, Mukhtar Babayev, só restava tomar nota das queixas, pois o martelo já tinha sido batido.
Uma vitória da presidência azerbaijana foi ter conseguido resolver de vez, na véspera, o Artigo 6 do Acordo de Paris, que cria mecanismos para transações globais de carbono.
Reclamações gerais
O consenso desagradou a todos, mas reflete o que deve ser um futuro próximo guiado por uma “realpolitik climática”.
Donald Trump volta à Casa Branca em 20 de janeiro, data em que a maior economia do mundo sai do jogo – e provavelmente do Acordo de Paris mais uma vez.
De um presidente americano que ameaça abandonar a Otan enquanto a Rússia está em guerra com um país europeu, ninguém espera um centavo de dólar para a urgência climática (que ele diz ser uma farsa).
O resultado é que a maior parte da conta vai recair sobre os europeus.
Eles têm de lidar com economias estagnadas, problemas fiscais e o avanço do populismo nacionalista de extrema direita em suas casas. Ataques ao “globalismo” e a negação da ciência do clima são ameaças reais, vide o abandono da COP29 pelos negociadores argentinos, a mando de Javier Milei.
Na França, na Holanda e no Parlamento Europeu, políticos que rejeitam a cooperação internacional demonstraram sua força nas urnas. Alemanha e Canadá têm eleições marcadas para o ano que vem.
Mesmo que qualificado, um sucesso em Baku reafirma a importância do multilateralismo, disse em repetidas ocasiões a secretária brasileira da Mudança do Clima, Ana Toni.
A Convenção do Clima, maior instância de colaboração internacional nos dias de hoje, pode seguir em pé, mas a confiança entre as partes atravessa uma baixa histórica.
As recriminações começam pelo dinheiro.
A Nova Meta Coletiva Quantificada começa a valer em 2026 e suplanta os atuais US$ 100 bilhões previstos no Acordo de Paris. Os novos valores continuam sendo considerados insuficientes pelos beneficiários e por ONGs ambientais internacionais.
São países que carregam dívidas sufocantes e sofrem as piores consequências de uma emergência planetária pela qual não têm responsabilidade.
O total acordado em Baku também não basta segundo as estimativas de um grupo de economistas convocado para fazer uma avaliação independente das necessidades globais.
Eles concluíram que, para que se alcance US$ 1,3 trilhão anual, os países ricos teriam de incrementar o fluxo de recursos para US$ 300 bilhões por ano já em 2030, chegando a US$ 390 bilhões por ano a partir de 2035.
O valor não foi o único ponto contencioso do assunto financiamento. Os países que precisam de ajuda exigiam mais doações e acesso simplificado a recursos; hoje oferecidos na forma de empréstimos ou dependentes de processos burocráticos complicados e demorados.
A versão aprovada não é clara o bastante sobre a fonte dos recursos, diz Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima, uma rede de mais de cem ONGs ambientais brasileiras. “Poderiam ter colocado US$ 3 trilhões e ainda haveria muitas brechas.”
Abrindo a roda
Mas as desconfianças não se resumem ao financiamento. Acusada por ativistas climáticos de ter vindo a Baku sem um número à altura de sua responsabilidade por séculos de emissões lançadas na atmosfera, os europeus tinham uma resposta pronta.
Eles insistiam que a base dos países doadores deveria ser ampliada para incluir alguns emergentes – leia-se China – e países do Golfo Pérsico ricos em petróleo.
Um levantamento publicado pelo site especializado Carbon Brief indicou que o crescimento vertiginoso da economia chinesa das duas últimas décadas fez o país ultrapassar a UE no ranking dos maiores poluentes da história.
Apoiados pelo G77 + China, maior dos blocos negociadores e que inclui o Brasil, o grupo de 134 países contra-argumentam que a Convenção do Clima e o Acordo de Paris dizem claramente que o ônus financeiro é do mundo industrializado.
A decisão afirma o que já está escrito nesses tratados: outros países são bem-vindos a contribuir, mas de forma voluntária.
E os fósseis?
Os europeus também protestaram que o tema da mitigação – reduzir o CO2 agora para evitar o agravamento da crise no futuro – estaria sendo deixado de lado.
Os relatos são de que os sauditas trabalharam de forma insistente desde o primeiro dia da COP29 para impedir que a linguagem histórica adotada no ano passado – mencionando uma transição que se afaste dos combustíveis fósseis – fosse repetida nos documentos deste ano.
A estratégia funcionou. Na definição da agenda, o trilho em que o tema seria discutido – chamado Grupo de Trabalho de Mitigação – foi esvaziado.
A opção foi levar a discussão para o Diálogo de Dubai, uma nova trilha de negociação criada para dar continuidade às resoluções que constam do Balanço Global (GST, na sigla em inglês), decidido ano passado. O GST inclui o trecho dos fósseis e a necessidade de triplicar as renováveis até 2030.
O bloqueio dos sauditas – descritos como bolas de demolição nos bastidores da conferência – continuou. Em nenhum dos textos aprovados em Baku consta menção a combustíveis fósseis – uma “vitória” que os árabes também conseguiram na declaração final do G20.
O impasse sobre o prosseguimento prático à decisão histórica obtida em Dubai resultou num texto que os países desenvolvidos, com apoio dos mais vulneráveis, decidiram empurrar o assunto para Belém, sob o risco de sacramentar um retrocesso.
Reduzir emissões é o ponto crucial da Missão 1.5 que o governo brasileiro quer avançar na COP30. Mas, nas duas semanas no Azerbaijão, o foco central do país foi na agenda de finanças.
Em uma entrevista coletiva concedida antes do encerramento da COP, a ministra Marina Silva (Meio Ambiente), sugeriu que a insistência europeia em tentar dar peso igual aos temas de mitigação e financiamento seria uma tática diversionista.
O sucesso da conferência, segundo a ministra brasileira, seria medido com a aprovação de uma nova meta relacionada às finanças.
A Nova Meta Coletiva Quantificada está aí. O resultado possível desagradou a todos, e já se sabe de saída que o combinado não é suficiente.
O afastamento dos combustíveis fósseis, de longe os maiores responsáveis pela emergência planetária, continua sendo apenas uma frase sem maiores consequências práticas.
Os dois assuntos vão voltar à tona daqui um ano, em Belém. Não é o pior cenário para a as ambições da presidência brasileira – mas as pontas soltas que sobraram de Baku prometem dar trabalho em Belém.