“A gente não sabe tudo. Mas não temos dúvida que a direção da agenda ESG é irreversível. Porque percebemos os impactos se não atuarmos nessa direção.”
A constatação é de Flavio Souza, presidente do Itaú BBA.
O executivo deu entrevista ao Reset para contar que o Itaú Unibanco tem nova meta de concessão e estruturação de crédito para atividades sustentáveis: R$ 1 trilhão até 2030.
Destes, R$ 430 bilhões foram concedidos até julho deste ano, superando a meta anterior, de R$ 400 bilhões até 2025, lançada em 2019.
A revisão vale para todo o conglomerado Itaú Unibanco. A maior parte do esforço, porém, será do Itaú BBA, por conta do relacionamento com as empresas, responsáveis pelas maiores emissões de gases de efeito estufa.
“Não é só a atualização do número, é uma evolução de governança. A estratégia de ESG saiu da fase de ser uma agenda aspiracional e de boa cidadania corporativa para entrar na estratégia dos negócios do banco”, diz Souza.
Ao lado de Luciana Nicola, diretora de relações institucionais e sustentabilidade do Itaú Unibanco, o executivo empunhava uma apresentação com todos os números e frentes da nova estratégia ESG do banco. “Disseram que vocês gostam de números.”
Até então, os compromissos do Itaú estavam organizados em 10 objetivos, que agora passam a focar em três pilares estratégicos: diversidade e desenvolvimento; transição climática; e finanças sustentáveis – a meta de R$ 1 trilhão para a década está neste último.
Para definir o que é ou não um financiamento com critérios de sustentabilidade, o banco utiliza a taxonomia da Febraban, entidade que reúne os bancos. “Tem espaço para aperfeiçoamento, mas serve de referência, serve como base para a discussão de taxonomia brasileira que está no Ministério da Fazenda”, diz o presidente do Itaú BBA.
O governo federal vai apresentar o desenho da taxonomia sustentável do Brasil durante a COP29 do Clima, que ocorre em novembro, no Azerbaijão. Na ocasião, o Ministério da Fazenda abrirá uma consulta pública e a expectativa é que o documento seja finalizado em abril de 2025.
Nicola é diretora do Comitê ESG da Febraban e acompanha o assunto de perto. A federação participa do grupo de trabalho de elaboração da taxonomia do governo. “Estamos revisando a taxonomia da Febraban e quando a taxonomia sustentável brasileira sair podemos fazer uma revisão e ajustes das definições também do banco”, diz a diretora de sustentabilidade.
Segundo a classificação da Febraban, 20% do crédito concedido a pessoas jurídicas no país são destinados para a chamada ‘economia verde’. No Itaú, essa fatia é entre 25% e 30%, segundo Souza. “É uma indicação de que o crescimento do nosso portfólio está priorizando atividades que possam ter impacto social e ambiental positivo.”
Transição climática
Para limitar o aquecimento global a 1,5° Celsius em relação ao período pré-industrial, os países signatários do Acordo de Paris se comprometeram a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa. Para isso, precisam descarbonizar a atividade econômica, o que passa pelas empresas também assumirem seus próprios compromissos – voluntariamente ou não.
Como mobilizadores de recursos, os bancos são peça chave nesse quebra-cabeças.
A abordagem do Itaú, dizem os executivos, é oferecer produtos e serviços que auxiliem os clientes na transição para uma economia de baixo carbono, com foco na adaptação e mitigação de riscos climáticos.
Para isso, se utiliza do caminho da Net-Zero Banking Alliance, acordo mundial liderado pela ONU que reúne bancos ao redor do mundo com o objetivo de financiar a descarbonização da economia. O Itaú aderiu ao acordo em 2021 e se comprometeu a cortar pela metade as emissões de CO2 da carteira de crédito até 2030.
Entre as demandas, o acordo prevê que os bancos calculem as emissões de seu portfólio em nove setores intensivos em emissão de carbono. A partir disso, a instituição deve estabelecer uma curva de descarbonização para cada um desses setores.
Em 2023, o Itaú divulgou suas curvas para os setores de energia e carvão. Em 2024 divulga os de aço, cimento, alumínio (os três já divulgados), de óleo e gás, imobiliário, transportes e agronegócio (a serem publicados até o fim deste ano).
“O grande desafio ainda está na construção de base de dados. Se hoje você chegar numa
empresa e pedir o seu inventário de emissões, terá uma resposta muito heterogênea: vai ter gente muito desenvolvida, vai ter gente num patamar inicial”, diz Souza.
O executivo conta que o banco investiu nos últimos 18 meses nessa frente e desenvolveu uma metodologia para apuração das emissões e cálculo das curvas de descarbonização. Ela é baseada na Partnership for Carbon Accounting Financials (PCAF), um padrão amplamente aceito no setor financeiro do mundo todo, voltado ao cálculo das emissões financiadas e dos investimentos (escopo 3).
Para alguns setores, foi necessário “tropicalizar” os cálculos. É o caso da agricultura, que por ser desenvolvida em um clima tropical no Brasil, tem um balanço de emissão e captura de carbono muito diferente do cultivo realizado em países de clima temperado.
“Esses cenários foram construídos de forma global, não necessariamente refletem a particularidade brasileira”, diz a diretora de sustentabilidade do Itaú. “Com a tropicalização da metodologia para cenários brasileiros, conseguimos tangibilizar as práticas sustentáveis que o Brasil tem, como integração lavoura-pecuária-florestas, captura do carbono no solo e outras práticas sustentáveis.”
O agronegócio tem papel relevante na carteira dos bancos pois está entre as atividades brasileiras que mais emitem gases de efeito estufa, ao lado das chamadas mudanças de uso do solo – que também está ligada à atividade agropecuária, uma vez que há desmatamento para abertura de pastagens e plantação. “Tivemos que fazer a lição de casa”, diz Nicola.
Para engajar as empresas, todo o time comercial e áreas de especialidades do banco foram treinados. Ao solicitar informações ligadas a parâmetros de sustentabilidade dos clientes, o banco também busca influenciá-los. “Começo a sinalizar para ele que o setor dele, eventualmente, com o tempo, pode ser menos privilegiado do ponto de vista de financiamento se não houver adaptação”, diz Souza.
Diversidade
No pilar de diversidade, o Itaú divide suas metas em três frentes: colaboradores, empreendedorismo e fornecedores.
O banco manteve as metas já anunciadas para o seu quadro de funcionários, mas mudou a forma como pretende chegar lá.
As metas são atingir até 2025:
- 35% a 40% de mulheres em cargos de liderança;
- 50% de representatividade de mulheres no fluxo de entrada;
- 27% a 30% de representatividade negra na organização, com evolução em todos os níveis de cargo, incluindo cargos de liderança;
- 40% de representatividade de negros no fluxo de entrada.
O que muda é que, até então, o guardião desses objetivos no comitê executivo do banco era apenas uma pessoa, Sergio Fajerman, responsável pela área de pessoas, marketing e comunicação do banco. Agora, esse objetivo é de cada executivo dentro de sua área.
“Deixou de ser uma iniciativa do banco para ser uma iniciativa de cada líder, porque é ali no dia a dia que isso acontece”, diz Nicola. Segundo ela, isso gerou um movimento positivo e muitas iniciativas foram criadas pelas áreas.
Ela cita o exemplo do próprio Itaú BBA, que criou um programa para aumentar a participação de profissionais negros em seus quadros. Chamado Transforma, a primeira edição do programa contratou 33 profissionais negros em início de carreira. Eles recebem um treinamento do Insper voltado ao mercado bancário de atacado, além da possibilidade de curso de inglês, que costuma ser uma barreira de entrada para esse público. Depois, fazem uma rotação por algumas áreas do banco antes de se estabelecerem em uma delas.
Já na área de operações do banco, no setor de engenharia e patrimônio, havia uma predominância de profissionais homens. Então, lá foi desenvolvido um programa para mulheres engenheiras. “Cada área foi criando os seus próprios programas e temos visto uma evolução nisso”, diz Nicola.
Na frente de empreendedorismo, o foco é fomentar o desenvolvimento de micro e pequenas empresas. Dentro da nova estratégia de ESG, o banco colocou como meta direcionar R$ 67 bilhões para esse público até 2030. Destes, R$ 34,7 bilhões deverão ser para empresas lideradas por mulheres.
“Por que a gente faz o recorte específico? Porque para mulheres não basta você ter o crédito, é preciso criar as condições para isso”, Nicola. O banco tem um programa de capacitação e mentoria para esse público.
“A mulher normalmente não entende o crédito como uma alavanca de crescimento. Para ela, pegar o crédito é sinal de fracasso. Ou seja, estou adquirindo uma dívida. E esse é um ponto que a gente vem trabalhando muito para desmistificar na mulher”, explica a diretora.
Ainda nesta frente, o banco também estabeleceu o objetivo de bater R$ 15 bilhões na concessão de microcrédito. “Estamos falando da costureira, de empreendedores que não têm CNPJ, mas CPF, porque muitos são informais, que usam a vida financeira da pessoa física para conduzir os seus negócios”, conta Nicola.
Por fim, o banco tem olhado para os fornecedores para entender como pode ajudar a sua cadeia de valor a adotar práticas de ESG, desde contratação de segurança patrimonial até tecnologia. Foi feito primeiramente um mapeamento, por meio de um questionário.
O resultado foi a constatação de que existia uma necessidade de letramento dos fornecedores em questões ambientais e de direitos humanos. O objetivo do banco é promover o letramento em 100% de sua carteira de fornecedores”.
“O letramento é importante para que a gente possa trabalhar planos de ação, ter um diferencial em contrato, até chegar numa etapa de gestão de consequência com esses fornecedores. E o que a gente percebe é que tem muita abertura dos fornecedores, mas eles não sabem muito nem por onde começar”, diz Nicola.
Para setores mais sensíveis, o banco vai contratar uma empresa externa para realizar uma auditoria nos fornecedores, que será realizada em paralelo ao letramento.
“Por exemplo, o setor de segurança patrimonial, o aspecto social pega bastante. É um setor onde as pessoas estão mais vulneráveis à questões de saúde mental, violência doméstica e suicídio. Então precisamos entender como a empresa trata isso. Tem programa de saúde mental? Como é que acolhe? Trabalha a questão de violência contra a mulher?”, diz a diretora de sustentabilidade.
*Atualização feita às 10h34 para corrigir o ano das metas de diversidade, que é 2025.