Iniciado no mês de julho, o Plano Safra 2024/25 foi anunciado com reajustes para cima nos limites de crédito de algumas linhas consideradas estratégicas para os investimentos da lavoura. O Programa de Financiamento à Agricultura Irrigada e ao Cultivo Protegido (ProIrriga) foi uma delas.
A linha de financiamento visa oferecer recursos com juros equalizados para o desenvolvimento da agropecuária irrigada sustentável – e, na prática, ajudar os produtores a lidar com os efeitos cada vez mais sentidos das mudanças do clima.
O Brasil registra neste ano a seca mais duradoura e intensa da história recente, segundo constatações do Observatório do Clima. Já uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) publicada na revista Nature aponta que o Cerrado enfrenta a estiagem mais severa dos últimos 700 anos.
Sem água não existe agropecuária, e não é por acaso que o ProIrriga tem atraído atenções – e recebido mais recursos.
No atual Plano Safra, o total destinado ao programa teve um aumento de quase 10% em relação ao calendário-safra passado, passando de R$ 2,37 bilhões para R$ 2,61 bilhões. O teto de financiamento por beneficiário foi de R$ 3,3 milhões para R$ 3,5 milhões.
Os dados colhidos na ponta, entre agentes financeiros e produtores, indicam um crescimento ainda mais acelerado da demanda.
As operações aprovadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) entre julho, agosto e setembro cresceram quase 70% na comparação com o mesmo período do ano passado. Neste trimestre,os pedidos de recursos somaram R$ 415,7 milhões (até 29/09), ante R$ 245,1 milhões em 2023/24.
O Banco do Brasil, outra instituição financeira do governo federal que trabalha com o Plano Safra é o Banco do Brasil, desembolsou R$ 863 milhões em projetos de irrigação em 2023/24.
Em menos de três meses, entre liberações e propostas em contratações de crédito, o BB atingiu R$ 385 milhões – 44% do volume do calendário anterior.
A geografia da irrigação
Estes números não contam a história completa do impacto da crise climática no agronegócio brasileiro – e estiagem não diz respeito somente à falta de chuva.
A preocupação é mais embaixo, literalmente. O impacto da escassez da escassez de água também se mede nos lençóis freáticos e na seca das nascentes.
As solicitações de recursos do ProIrriga só devem ser feitas por aqueles produtores que possuam outorga de irrigação, ou seja, que têm permissão do Estado para uso de água na lavoura, seja de captação do manancial ou por barragens e tanques.
Com o agravamento da seca em diversas regiões do país, existem as chamadas áreas de conflito, onde há mais destinações de uso da água (urbano e rural) do que a capacidade das bacias hidrográficas.
É o caso da região de Patrocínio (MG), uma das maiores áreas produtoras de café do país. Lá, não são mais emitidas essas autorizações e, portanto, os recursos do ProIrriga não estão disponíveis para quem não conseguiu a outorga.
Os Estados entram em campo
Mesmo que a situação atual seja atípica, uma das certezas dos cientistas é que o clima vai ficar cada vez mais imprevisível, e secas e chuvas tendem a ser mais extremas.
Os governos estaduais também começam a sinalizar que vão conceder crédito específico para a irrigação.
Em agosto, o governador Carlos Massa Ratinho Junior anunciou o programa Irriga Paraná, com taxas de juros subsidiadas integral ou parcialmente. A iniciativa visa incrementar em 20% a área irrigada no Paraná, com investimentos que somam cerca de R$ 200 milhões, entre linhas de crédito com juros subsidiados e pesquisa científica.
No Centro-Oeste, o Mato Grosso do Sul lançou o ‘MS Irriga’, programa estadual de irrigação que terá investimento de mais de R$ 6 milhões para implementação do sistema em uma área de 230 hectares. O objetivo é aumentar em 40% a área de irrigação até 2030.
O Sicoob, um banco presente em 4.500 municípios que tem uma rede de mais de 230 cooperativas que operam com crédito rural, viu um crescimento de quase 400% nos recursos solicitados ao ProIrriga.
Nem todos eles serão liberados, diz Gustavo Soares, supervisor comercial do banco, mas trata-se de um sinal claro de que as cooperativas estão preocupadas com o risco climático imediato. Ele aponta que o programa deve contemplar sobretudo soja, milho e café.
Produtores de menor porte, que não podem ser atendidos pelo ProIrriga, podem contar com recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e Programa de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp).
Soares afirma que estas duas linhas têm sido procuradas por fruticultores.
E a água?
O Índice Integrado de Seca, calculado pelo Centro Nacional de Monitoramento de Alertas e Desastres Naturais, indica que, em agosto, 980 municípios apresentaram pelo menos 80% de suas áreas produtivas potencialmente impactadas pela seca.
“A situação é especialmente crítica para as pastagens, que podem apresentar baixa qualidade devido à intensidade e duração da seca”, aponta o órgão.
De acordo com os dados mais recentes, de 2022, a área equipada com sistemas de pivô central (como o da foto) chegou a 1,92 milhão de hectares – com a tendência de aceleração, de acordo com a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).
Esses sistemas tipicamente bombeiam água para dutos suspensos, que borrifam as plantações. Antigamente restritos às grandes propriedades, hoje a irrigação por pivô central vem crescendo também em propriedades de médio porte.
Financiar esse tipo de infraestrutura pode ser uma solução econômica de curto prazo. No entanto, é preciso pensar em mecanismos econômicos e ambientais a longo prazo, pois de nada vale o Plano Safra disponibilizar mais recursos para os equipamentos de irrigação se não houver o principal: a água.