A Courageous Land anunciou nesta terça-feira o lançamento de uma nova plataforma de IA – mas, no caso da startup brasileira, a sigla se refere a inteligência agroflorestal.
A empresa desenvolve sistemas agroflorestais, ou SAF, como são conhecidas as técnicas produtivas que combinam culturas de valor comercial com reflorestamento ou preservação de vegetação nativa.
O software é o “cérebro” que vai permitir dar escala ao SAF no país, afirma Philip Kauders, um americano que mora no Brasil há 12 anos e é co-fundador e CEO da Courageous Land.
O anúncio do sistema, financiado com uma doação de R$ 6 milhões do Fundo Vale, aconteceu em evento do Fórum Econômico Mundial realizado durante a Semana do Clima, em Nova York.
Com as coordenadas de uma propriedade rural em qualquer parte do país, o software identifica os melhores produtos e as árvores mais indicadas para aquela região.
“A resposta pode ser uma combinação de avocado e café, mais uma recomendação de 47 espécies de árvores, por exemplo,” afirma Kauders.
A inteligência agroflorestal da startup também faz uma estimativa da receita futura obtida com a venda da produção e também de quantos créditos de carbono podem ser gerados pela atividade de reflorestamento.
“Na maioria dos casos, o SAF pode aumentar as receitas em dez vezes, comparado com a pecuária”, diz Kauders.
Por fim, afirma o fundador, a plataforma também conecta o dono da terra com assistência técnica, compradores para a produção agrícola e possíveis fontes de financiamento.
Ele descreve o sistema com um termo muito ouvido no setor de tecnologia da informação: a plataforma é uma solução “turnkey”, ou seja, basta girar uma chave e sair usando.
A realidade é um pouco mais complicada do que isso, é claro, e Kauders está ciente.
Codificando o conhecimento
A Courageous Land foi fundada em 2022. Kauders se uniu a Gilberto Terra e Luiza Avelar, que tinham longa experiência na combinação de agricultura e florestas.
A companhia desenvolve quatro projetos próprios, que totalizam cerca de 500 hectares. Parte do trabalho começou há mais de dez anos, com Terra e Avelar.
A plataforma de software codifica essa experiência acumulada.
“Testamos diferentes combinações de espécies, de design [das plantações], de espaçamento [entre as árvores]”, diz Kauders. A ideia é que o aprendizado ajude – e acelere – outros projetos de SAF
Por um lado, a plataforma funciona como um canal de captação para proprietários de terras, com estimativas de receitas e de geração de créditos de carbono.
A transformação vai depender de investimentos. O co-fundador afirma que os produtores não terão de fazer desembolsos.
“Nossa ideia é criar um pool de capital, com dinheiro de fundos de private equity, bancos de desenvolvimento, recursos filantrópicos”, diz Kauders.
O modelo de negócios envolve financiar a transição das fazendas com os recursos desse pool. Em troca, a Courageous Land recebe pagamento pelo uso do software (que também funciona como ferramenta de gestão do SAF), participação na venda dos produtos agrícolas e os direitos integrais sobre os créditos de carbono gerados.
Kauders não divulga o total já levantado pela companhia para efetivamente começar a transformação nas fazendas. A meta é ter algo como US$ 100 milhões, mirando em um número bem maior – US$ 1 bilhão – no futuro.
Kauders disse que sua agenda em Nova York – onde ele começou sua carreira, no banco de investimento Goldman Sachs – também incluiu conversas com financiadores.
Mão na massa
Em paralelo ao recrutamento de produtores e à busca por recursos, a Courageous Land está montando uma equipe de assistência técnica para colocar os SAF de pé.
O plano é um sistema misto, com ajuda tanto online quanto presencialmente.
A visão é que essa área de assistência técnica inclua funcionários da própria empresa e prestadores de serviço treinados e certificados na implementação de agroflorestas.
Kauders faz uma analogia com um aplicativo conhecido: “Quantos motoristas de Uber existiam dez anos atrás no Brasil? Hoje são quantos, 1 milhão?”
Além do desenvolvimento do software, os recursos do Fundo Vale também serão usados para a qualificação de pessoas.
Grandes interessados
Antes do anúncio formal, a plataforma da Courageous Land já estava circulando entre amigos e familiares dos sócios da startup. Kauders afirma que o interesse foi grande, mas aponta um tipo de usuário específico: grandes empresas com objetivos ESG associados às suas cadeias de valor.
“Pode ser a descarbonização do escopo 3, ou então algo relacionado à água.” Ele afirma estar em contato com diversas empresas de grande porte interessadas em usar o sistema e a metodologia da startup para induzir a transformação de seus fornecedores.
Uma prova de conceito para a startup será o plano de recuperação de 100 mil hectares de áreas degradadas da Mata Atlântica. A companhia está colaborando com um programa chamado Década da Restauração de Ecossistemas, da ONU.
A Courageous Land trabalha com parceiros especializados no bioma e com ONGs internacionais para identificar propriedades que podem fazer parte da iniciativa. O plano é usar a experiência na Mata Atlântica como exemplo para outras partes do mundo.
Uma das ideias é localizar áreas relativamente próximas. “Pense num hub que tenha tudo o que é necessário para um SAF numa fazenda”, diz Kauders.