Como políticas públicas podem alavancar a economia circular

O Brasil tem oportunidades únicas na circularidade e na arena ambiental, mas elas precisam ser destravadas e estimuladas

Como políticas públicas podem alavancar a economia circular
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Uma ensolarada Helsinque abrigou, em julho passado, o Fórum Mundial de Economia Circular. A rara combinação da capital finlandesa com o sol trouxe bons sentimentos e um certo otimismo, mas também boa dose de ceticismo e desconfiança.

Dias de sol podem ser pouco frequentes na Finlândia, mas o país tem alguns dos melhores indicadores sociais e econômicos do planeta, além de ser um dos mais ativos na economia circular.

O governo do país tem liderado globalmente a discussão sobre a transição da economia linear para a circular, promovendo amplo debate sobre o assunto em vários locais do planeta. Em 2022, por exemplo, o fórum foi realizado em Kigali, capital de Ruanda.

No campo das políticas públicas, multiplicam-se as iniciativas multilaterais, nacionais, estaduais, municipais e até de bairros para incentivar a circularidade.

A liderança da Europa é evidente, pautando temas como redução do uso de matérias-primas, reciclagem, garantias de reparabilidade, emissão de gases de efeito estufa, biodiversidade, restrição de importações de produtos associados ao desmatamento, metas específicas para produtos como plástico e outros.

Com datas e metas precisamente definidas, as promessas, intenções ou compromissos se entrelaçam, numa miríade de números e acordos intermináveis, os finlandeses estão entre os líderes mundiais em medidas concretas. Eis alguns exemplos:

. 30% de plásticos reciclados em 2030;

. Limitar o consumo de matérias-primas primárias em 2035 aos níveis de 2015;

. 100% de florestas regenerativas em 2030;

. Neutralidade de carbono em 2035 para o país, e em 2030 para a capital.

De uma maneira geral, esses objetivos contemplam políticas públicas que incluem incentivos, informação, capacitação, regulamentações específicas e programas de financiamento.

Uma das frentes mais destacadas se refere ao papel de governos em exercer poder de compra e realizar investimentos em infraestrutura, como mecanismos de incentivos para a economia circular.

Pensando globalmente, agindo localmente

Neste cenário, constata-se que políticas públicas globais não podem se sobrepor às realidades locais e devem, cuidadosamente, abordar temas como soberanias nacionais, cultura local e a capacidade de cuidar de recursos planetários.

Acordos globais e multilaterais são altamente demandantes de governança, evidentemente um dos elos mais fracos no contexto atual. Os recentes debates no entorno do tema ESG ampliam o foco para além do capital natural, abrangendo o capital social e reforçam a importância da governança voltada para os outros dois eixos.

Há reconhecimento, em afirmações explícitas, que a competitividade de empresas locais de reciclagem, fundamentais para alinhamento com as realidades sociopolíticas de cada país, pode não ser a mesma de grandes players globais. Algum tipo de equilíbrio é necessário para filtros positivos e negativos.

Há convergência de que boa parte das matérias-primas no futuro virá de recuperação e reaproveitamento e de materiais biológicos renováveis (nature-based circular economy).

Por outro lado, grandes desafios na geração ou redução de empregos se descortinam. O alongamento dos ciclos de vida de produtos, com designs mais eficientes e tecnologias de inteligência artificial e automação indica, por um lado, redução de oportunidades de trabalho e, por outro lado, aumento da demanda de profissionais altamente qualificados.

A reparabilidade, por sua vez, pode gerar alternativas, assim como esperanças recaem nos chamados green jobs – as vagas criadas com a transição para uma economia de baixo carbono. Fala-se muito de uma transição justa e inclusiva e de uma economia compartilhada, temas ainda difusos e pouco explorados.

No Brasil, esse movimento se iniciou com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) em 2010, consolidando a responsabilidade compartilhada dos setores público e privado no enfrentamento dos desafios relacionados à gestão de resíduos.

Desde então, termos de compromisso, acordos setoriais e decretos estabeleceram metas para logística reversa de diversos setores como medicamentos, eletroeletrônicos, pneus, lâmpadas e embalagens em geral, entre outros.

Mais recentemente, a lógica do mercado de carbono foi trazida para a agenda, com a instituição de créditos para estimular a cadeia de reciclagem.

Em paralelo, propagam-se exemplos de iniciativas do setor privado na adoção de ações que contribuem para a circularidade. Nesse sentido, a etapa do design é estratégica, trazendo para a concepção dos produtos e serviços a preocupação com seu desempenho, capacidade de reparabilidade e reinserção na cadeia produtiva.

Empresas brasileiras são vanguardistas na busca por novos insumos e soluções baseadas na natureza e estão investindo em inovação, sem a qual os obstáculos não serão vencidos.

Entidades representativas do setor industrial, como Fiesp, Fiepe e Fiepa, têm atuado para promover eventos sobre circularidade e para gerar e compartilhar conhecimento. 

Uma das principais contribuições dessas entidades é o incentivo às parcerias e a articulação das partes interessadas no desenho de respostas para os entraves que ainda impedem o Brasil de assumir seu protagonismo como provedor de soluções circulares.

Mas permanece o desafio de articulação entre estratégias privadas, de associações de classe como as citadas, governos estaduais e os marcos institucionais federais.

O Brasil oferece, como poucos países, oportunidades ímpares na arena ambiental, mas tem pecado no desenho de políticas públicas que orientem, destravem e estimulem a navegação nessas oportunidades. A reforma tributária, para mencionar apenas um exemplo, não pode deixar de contemplar o campo da economia circular.

Roberto S. Waack é Presidente do Conselho do Instituto Arapyau, membro do conselho da Marfrig S.A. e Associated Fellow da Chatham House. Kalil Cury Filho é diretor do departamento de desenvolvimento sustentável da Fiesp e presidente da Partner Desenvolvimento. Natacha Britschka é especialista em meio ambiente do departamento de desenvolvimento sustentável da Fiesp