São José dos Campos, SP – A Ambipar inaugurou nesta quarta-feira, 27, a maior planta de mineração urbana da América Latina. O investimento total foi de R$ 100 milhões nos dois galpões no interior de São Paulo, que em plena operação terão capacidade de processar cerca de 80 mil toneladas de resíduos urbanos por ano – mais que o dobro do volume até então, de 30 mil toneladas.
O processo é conhecido como mineração urbana. No caso da planta de São José dos Campos, a cerca de 90 km da capital paulista, plásticos e metais são recuperados de eletrônicos e eletrodomésticos e se tornam matéria-prima novamente.
“A reciclagem nada mais é do que pegar o que era um produto complexo e que não seria reaproveitado e transformá-lo em matéria-prima de novo”, disse Pedro Petersen, diretor de relações com investidores da Ambipar, durante a inauguração.
O investimento tem como pano de fundo a transição energética e a necessidade crescente de metais para a eletrificação, como o cobre e o lítio. A oportunidade é grande: o Brasil é o quinto maior produtor de lixo eletrônico do mundo, com 2,4 milhões de toneladas desse tipo de lixo geradas anualmente, e tem a meta de reciclar 20% de seus resíduos sólidos secos até 2040.
A tecnologia e a experiência da planta em São Paulo devem ser replicados no futuro em unidades no Chile, Peru, Paraguai e Colômbia. A Ambipar não abre as expectativas financeiras para o novo investimento. Como regra, todos os projetos aprovados têm previsão de dar um retorno de ao menos 20% ao ano, diz Petersen.
A mineração urbana não tem a pretensão de competir com a tradicional, mas deve funcionar como uma solução complementar. A reciclagem é muito mais eficiente. Em uma tonelada de terra extraída na mineração, é possível obter cerca de 10 gramas de ouro. Em uma tonelada de resíduo eletrônico, esse número sobe para a faixa de 100 a 150 gramas, compara o diretor.
Para ganhar escala, Petersen afirma que é preciso uma maior conscientização dos consumidores sobre como lidar com seus resíduos, para que eles possam entrar nessas novas cadeias da economia circular. Enquanto este não é o cenário, a nova planta foca em receber resíduos industriais.
Captação de materiais
Por força de lei, as empresas precisam destinar corretamente os resíduos que geram. A Ambipar tem uma política de aterro zero, ou seja, se compromete a usar cada micro parte das geladeiras, máquinas de lavar, celulares ou computadores que recebe, em vez de enterrá-las.
Os resíduos vêm de diversos setores, como a gigante de aços Gerdau, a operadora Vivo ou produtos defeituosos recolhidos por seguradoras, afirma Marcelo Oliveira, líder da unidade de mineração urbana da Ambipar Environment.
A captação se dá de duas maneiras. A primeira, por meio de parcerias B2B, no pós-venda das companhias – é daqui que vem 90% do volume. Um telefone com defeito que volta para a fabricante, por exemplo, pode ser captado para que a Ambipar faça a destruição de maneira adequada.
Os fabricantes e varejistas, no geral, pagam por esse serviço, mas há exceções. No caso da Gerdau, por exemplo, a Ambipar compra misturas de alumínio, latão e cobre que a siderúrgica não consegue separar.
“Estamos começando a trabalhar a economia circular com o próprio cliente. A Lorenzetti, por exemplo, quer que o plástico reciclado volte para a fabricação de novos chuveiros. Mas, por enquanto, boa parte do volume fica sob nossa responsabilidade para destinar da forma correta.”
A segunda forma de obter a matéria-prima é por meio de coleta convencional, em pontos de entrega voluntária ou parcerias com cooperativas. Materiais chegam de todas as partes do Brasil para o processamento, segundo o executivo.
A maior parte do material obtido após o processamento são plástico, ferro, alumínio, cobre, latão, placas eletrônicas e inox, comprados por empresas como Gerdau, Companhia Brasileira de Alumínio (CBA, da Votorantim) e Umicore.
Antes, Oliveira foi fundador da GM&C, empresa que há 22 anos já trabalhava com a mineração urbana e foi comprada pela Ambipar em outubro de 2023 – o valor da operação não foi revelado.
Como funciona
Uma vez coletados, o computador ou o liquidificador são transportados pela Ambipar ou por terceiros até chegar a São José dos Campos. São dois galpões, um do lado do outro. Um abriga eletrodomésticos, e o outro se concentra nos eletrônicos.
O processo tem basicamente dois objetivos: triturar e separar.
O galpão dos eletrodomésticos possui três esteiras integradas. O produto a ser desmontado sobe a primeira delas e passa por um triturador. Depois, segue para uma espécie de ímã gigante que separa as partes que contêm ferro. O restante passa por uma nova trituração.
Em seguida, vem a sequência de tecnologias: uma combinação de radiação infravermelha e raios-x é usada para diferenciar metais e plásticos por meio da absorção de luz e da densidade. Os plásticos são divididos por tipo e por cor, entre pretos e coloridos.
“O Brasil estava 20 anos atrasado em tecnologias de separação de metais. Tem equipamentos que foram lançados ao mercado em janeiro e agora já estão no nosso galpão”, diz Oliveira.
O maquinário usado foi importado de diferentes partes, como Alemanha, Itália e Espanha, e também utiliza tecnologia brasileira.
Cada etapa do processo é fotografada, o que permite rastreabilidade de ponta a ponta para os contratantes da logística reversa. Cada coleta gera, em média, de 30 a 50 fotos, segundo Oliveira.
Além da mineração
Além da planta em São José dos Campos, a Ambipar entregou neste ano uma unidade de gestão integrada de resíduos industriais na região de Santiago, no Chile. Também estão em desenvolvimento investimentos voltados para plástico no Norte e no Nordeste.
“Tem uma evolução da companhia”, diz Petersen. No terceiro trimestre deste ano, cujos resultados foram divulgados há duas semanas, a receita da companhia foi de R$ 2,1 bilhões, um aumento anual de 79,5%, enquanto a alavancagem caiu de 2,82x para 2,62x – caminhando em linha com o guidance de 2,5x.
A ação da companhia é destaque no ano e subiu 993% na B3 ao longo dos últimos 12 meses, de R$ 14,98 para R$ 163,78, no último fechamento. Mas grande parte da alta não pode ser atribuída a uma mudança de percepção dos investidores.
Deve-se a um programa de recompra dos papéis pela própria empresa e de aumento da posição do fundador e CEO da Ambipar, Tércio Borlenghi Junior, a partir do momento em que as ações atingiram a mínima histórica no primeiro semestre. Agora, Borlenghi detém 73,135% do capital da empresa.
A movimentação do fundador e da companhia provocaram um ‘short squeeze’ no mercado, obrigando os investidores que apostavam na queda do papel a comprar ações para reverter suas apostas.
Bank of America (BofA), Itaú BBA e XP colocaram a ação sob revisão, enquanto o Bradesco recomenda a compra do papel.
“Tem muita coisa mudando na companhia em relação a projeções financeiras e entendimento do negócio que eles poderiam ter, e isso tudo está sob avaliação para que tenham análises mais apuradas. É natural o deslocamento do que era a visão antiga de alguns analistas e do que a companhia está entregando”, diz o diretor.
*A repórter viajou a convite da Ambipar.