A corrida concorrencial pelos campeões da circularidade está aberta 

Em artigo, Roberto Waack e Kalil Cury Filho trazem um panorama e as discussões feitas no Fórum Mundial de Economia Circular, que aconteceu no começo do mês, em Helsinki

A economia circular veio para ficar
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No início deste mês, diversos participantes das iniciativas pública, privada e da sociedade civil se reuniram em Helsinki para o Fórum Mundial de Economia Circular. 

A definição dada por membros da Comunidade Europeia durante o evento resume bem o conceito: a economia circular deve ser vista como um instrumento para dissociar o crescimento econômico do uso de recursos naturais e seus impactos ambientais. 

De maneira geral, busca-se menor e melhor uso de materiais através de design, eficiência, ciclos de vida mais longos e menor impacto ambiental – o que implica expressivas mudanças econômicas, sociais e culturais. 

O ponto de partida é a constatação de que a humanidade está vivendo fora do balanço do uso dos recursos naturais. O uso global de materiais mais que triplicou desde 1970. E, hoje, a média mundial do uso de materiais demandaria 1,6 planeta. 

Nos corredores do evento, os comentários são familiares para aqueles que participaram dos debates sobre sustentabilidade e mudanças climáticas nos últimos anos. 

Constatações de que ações falam mais alto que palavras se aliam a evidentes lacunas no campo financeiro: “o capital financeiro fala, mas não escuta” ou, para os mais grosseiros, “coloque o dinheiro onde está sua boca!”. 

A pandemia e a guerra da Ucrânia fizeram soar o alerta da autossuficiência alimentar  e energética em vários países, o que tem servido de estímulo para políticas voltadas para o aumento da eficiência no uso de recursos naturais. 

Contudo, o fato é que o debate sobre recursos naturais podem ser fonte de emoções, inspirações e estudos científicos, mas não está incorporado ao mainstream econômico. Concretamente, não existe economia de proteção da natureza. Pelo contrário, os alicerces econômicos tradicionais se fundamentam no uso e exaustão de recursos naturais.

Aos poucos, o debate sobre a internalização de custos das chamadas externalidades parece estar se transformando em práticas. A taxação de carbono é apenas um exemplo da migração de passivos morais para legais e regulatórios. A Finlândia implementou um carbon tax em 1990. A valoração ou até monetização de ativos naturais – price tag on nature – é tendência.

Protocolos, como o Natural Capital Protocol, aliados a metodologias contábeis para capital natural e para capital social nos balanços e reportes de países e empresas são crescentes demandas de investidores, bancos e reguladores de mercado de capitais. 

No limite, busca-se análises de impacto e de retorno financeiros combinados com a construção de capital natural e social.

A combinação entre políticas públicas e estratégias empresariais, além da incorporação de práticas pontuais ligadas ao ESG, demanda, em muitos casos, a revisão completa de modelos de negócio, de produção, comercialização, comunicação e relacionamento com consumidores.

Não raramente isso envolve investimentos e capital de giro expressivos, aplicados em ambiente ainda emergente, incerto e volátil. A eficiência no uso de recursos naturais é determinante e, neste contexto, os efeitos da inação podem ser desastrosos. A corrida concorrencial para definir os campeões da circularidade está aberta.

Design de produtos

Neste jogo, o design de produtos e processos é central. Exemplos das mais diversas naturezas se apresentam: 

  • ciclos de vida alongados, 
  • facilidade de reuso e reparação, 
  • aptidão para desmontagens, 
  • reciclagem de componentes e matérias primas, 
  • redução do uso de matérias primas críticas, de componentes relacionados a combustíveis fósseis e emissões de gases de efeito estufa, 
  • amplificação de componentes biológicos renováveis, 
  • eficiência na logística de distribuição e reciclagem, 
  • eficiência energética e outras frentes das mais diversas naturezas.

Alguns segmentos altamente geradores de emissões e resíduos são alvos evidentes: construção civil e plásticos. 

O primeiro grupo aborda temas como planejamento urbano, habitação, mobilidade e transição energética. Outros temas em voga são a contraposição do uso de cimento a bio materiais, recicláveis e reciclados, planejamento e reuso de materiais em demolições; equilíbrio entre modernizações e novas construções no que tange a eficiência energética e uso de materiais. 

Cerca de 70% da população mundial habita centros urbanos, responsáveis por um percentual equivalente das emissões globais de CO2. A maior parte do uso de materiais se dá em cidades, 50% na construção civil.

O campo dos plásticos aborda alternativas de eliminação via uso de materiais biológicos ou renováveis; eficiência de design; redução; reuso; reciclagem e as fronteiras tecnológicas de processamento mecânico, ou químico; coleta, separação, lavagem e processamento. 

Indicação de responsabilidades pela gestão e financiamento de processamento de resíduos e reciclagens e regulamentações e políticas fiscais para inclusão de externalidades baseadas em estimativas de custos sociais, ambientais e para saúde no custo de materiais virgens – e consequente equilíbrio de preços entre produtos virgens e reciclados – também são assuntos debatidos pelo setor.  

Informar para transformar

No frenético contexto de crises e mudanças que nos cerca, informação é vital. 

Há amplo reconhecimento da necessidade de se estabelecer bases de dados confiáveis e abertos, informações sobre experiências, definir taxonomias, padrões, normas, certificações, métricas, indicar métodos de rastreabilidade, monitoramento, sistemas de accountability

A implementação de passaportes digitais, contendo informações para consumidores intermediários e finais sobre a circularidade e “pegadas” dos produtos é tendência. 

Circular washing, circular hushing, circular wishing são termos ironicamente utilizados, mas já alvos de litigância por informações falsas e compromissos infundados. Lacunas em circularidade e monitoramento de fornecedores indiretos são calcanhares de Aquiles das empresas.

Os sinais estão dados, e como no campo climático, parafraseando a economista costarriquenha referência em mudanças climáticas Christiana Figueres, devem estar acima dos ruídos. O jogo parece estar na mão do mundo empresarial.

* Roberto S. Waack é presidente do conselho do Instituto Arapyaú e membro do conselho de administração da Marfrig. Kalil Cury Filho é diretor do departamento de desenvolvimento sustentável da Fiesp e presidente da Partner Desenvolvimento.