Há poucas semanas, dez comunidades Yanomami receberam uma encomenda incomum: uma antena da Starlink, a empresa de comunicação via satélite do bilionário Elon Musk.
Foi o primeiro passo de um ambicioso projeto que pretende até 2025 levar internet rápida para as mais de 4,5 mil comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas existentes na Amazônia Legal.
Batizada de Conexão Povos da Floresta, a iniciativa deve consumir investimentos de algumas centenas de milhões de reais para conectar 1 milhão de pessoas, espalhadas por uma área de 116 milhões de hectares.
A ideia é que a internet seja uma ferramenta de transformação social para a região, permitindo o acesso a saúde, educação e oportunidades profissionais e, com isso, ajudando na conservação da floresta.
O projeto foi idealizado por três organizações sociais: Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS). E é facilitado por Tasso Azevedo, do MapBiomas.
A meta é conectar pelo menos 500 comunidades já neste ano. Os 30 primeiros kits já chegaram à região, incluindo os dez instalados nas comunidades Yanomami.
Além de uma antena da Starlink (que não tem nada a ver com o projeto), cada comunidade recebe também um kit solar plug and play fabricado pela startup Íon, de Sorocaba, no interior de São Paulo. O kit inclui as placas fotovoltaicas para geração e uma bateria de lítio para armazenamento da energia.
Depois do investimento inicial, há uma assinatura mensal no valor de R$ 700 pelo serviço da Starlink.
E um aplicativo foi desenvolvido especificamente para que cada comunidade possa fazer a gestão da rede de internet de acordo com regras acordadas coletivamente.
Para ganhar tração, o projeto está captando recursos de entidades filantrópicas no Brasil e também fora.
“Até agora já captamos com Santander, Fundo JBS pela Amazônia, Fundo Vale e Instituto Clima e Sociedade”, diz Renata Piazzon, diretora executiva do Instituto Arapyaú, que está coordenando a captação de recursos para financiar a empreitada, além de fazer o suporte institucional da iniciativa. “O projeto começou com uma rede muito potente, mas está no começo e precisa muito atrair mais recursos.”
A internet como meio
A ideia não é ter internet pela internet. O projeto pretende atuar também no fortalecimento de cinco áreas: saúde, educação, proteção territorial, empreendedorismo e cultura/ancestralidade.
“O objetivo é levar a internet para que as comunidades tenham acesso à telemedicina, ao ensino à distância, para ajudar no combate ao desmatamento, para a prevenção de queimadas, com um reporte mais rápido de invasões, e também para para potencializar o empreendedorismo digital”, diz Piazzon.
Mas, para cumprir toda a meta planejada, a intenção é que em algum ponto o Conexão Povos da Floresta deixe de ser um projeto financiado por capital filantrópico e privado.
“Não vamos conseguir levantar via filantropia, para um único projeto, todos os recursos necessários. Isso está dado”, diz Piazzon.
A ideia, diz Thais Ferraz, também diretora do Arapyaú, é que mais adiante o projeto se transforme numa política pública.
“Mas é difícil testar e comprovar a hipótese com recursos públicos desde o início, até chegar a um projeto de excelência. Esse é um papel relevante que a filantropia pode exercer.”
Cobrindo o planeta (e o crime)
A Conexão Povos da Floresta não tem relação nenhuma com a Starlink. Todos os equipamentos são comprados.
Em maio do ano passado, Musk esteve no Brasil a convite de Jair Bolsonaro. Na ocasião, o bilionário anunciou um programa para conectar 19 mil escolas na Amazônia e também servir como apoio nas iniciativas de combate ao desmatamento. O projeto não saiu do papel.
Em vez disso, quem saiu na frente foi o crime organizado. Numa ação do Ibama e da Polícia Rodoviária Federal contra o garimpo ilegal na Amazônia no mês passado, os agentes apreenderam uma antena da Starlink.
O acesso à internet via satélite é considerado uma das únicas opções viáveis para conectar regiões remotas ou esparsamente povoadas, que não são atendidas pelas empresas de telecomunicações tradicionais.
A Starlink utiliza uma rede de pequenos satélites de órbita baixa, o que permite conexões de velocidades comparáveis à banda larga doméstica sem a necessidade de infraestrutura em terra.
Apesar do potencial transformador da tecnologia, as chamadas “constelações de satélites” de empresas como a Starlink e a Project Kuiper, de Jeff Bezos, têm uma consequência indesejada no espaço.
Para compensar a baixa altitude, a cobertura planetária exige milhares desses satélites. Só a Space X, empresa espacial de Musk, planeja lançar mais de 40 mil deles para oferecer internet.
Além do aumento dos objetos em órbita, esses equipamentos refletem a luz solar. Essa luminosidade extra pode representar uma “séria ameaça” ao trabalho dos astrônomos, segundo um paper recém-publicado na revista Nature Astronomy.