Publicada no apagar de luzes do governo de Jair Bolsonaro, uma medida provisória autorizou a comercialização de créditos de carbono de conservação em concessões florestais, num movimento amplamente aguardado e que tem potencial para ampliar em muito a escala de geração desses títulos no país.
As áreas protegidas no Brasil correspondem a 30% do território nacional. (O número inclui terras indígenas que não podem ser alvo de concessão.)
Uma lei de 2006 autorizou o regime de concessões florestais ao setor privado, mas vedava a implantação dos projetos de geração de créditos de carbono do tipo REDD+, de desmatamento evitado. Esses projetos visam a proteção da floresta em pé, evitando o lançamento de gás carbônico na atmosfera que aconteceria com a derrubada da vegetação.
Hoje, a principal fonte de receita das áreas de florestas concedidas é o manejo sustentável de madeira, num modelo repleto de desafios e que não ganhou tração – e que, muitas vezes, sozinho não gera receita suficiente para rentabilizar a concessão.
“Essa medida provisória tem potencial para aumentar muito a atratividade desse tipo de concessão”, afirma Luiz Gustavo Bezerra, sócio do escritório de advocacia Tauil & Chequer.
Por outro lado, a falta de regularização fundiária em áreas privadas de floresta é um dos entraves para a expansão da oferta de créditos de carbono no Brasil.
Sem conseguir garantir a titularidade das terras, as desenvolvedoras têm uma grande insegurança jurídica para conduzir projetos de carbono – especialmente os de conservação, que hoje só se justificam economicamente quando em grandes áreas, que muitas vezes envolvem vários proprietários.
Ainda que as unidades de conservação não estejam completamente livres de questões de titularidade, as florestas públicas sofrem menos desse problema e abrangem amplas extensões de terra.
Apesar de haver uma grande demanda pelos créditos de carbono por empresas com planos de net zero, a oferta no Brasil não vem crescendo na velocidade esperada. Apontado como uma potencial Arábia Saudita do carbono florestal, na prática, o país ainda responde por apenas 2% da oferta de créditos de carbono no mundo.
Um estudo feito pelo Instituto Escolhas no ano passado mostra que, se a comercialização fosse permitida, poderia gerar R$ 125 milhões de receita por ano em 37 áreas de concessão florestal na Amazônia.
O levantamento considerou um valor conservador para o crédito de carbono, de US$ 4,3 por tonelada. Hoje, bons projetos, que comprovem cobenefícios, como de proteção de biodiversidade e sociais, chegam a negociar na casa dos US$ 15.
Agenda de concessões
Numa ampla agenda de concessões de ativos ambientais, o BNDES já vinha estudando modelos de licitação de florestas públicas com foco em carbono e serviços ambientais.
Apenas em áreas federais, o plano nacional de outorgas de 2021 prevê a concessão de quase 5 milhões de hectares, em 22 áreas, a maior parte delas na Amazônia. O banco de fomento já tem no pipeline de leilão para 2023 sete projetos. Alguns Estados também trabalham com modelo de concessões.
“O mercado de créditos de carbono e serviços ambientais evoluiu muito nos últimos anos e hoje oferece uma série de mecanismos que valorizam a floresta em pé”, diz Bruno Aranha, diretor de crédito produtivo e socioambiental do banco. “Essa MP traz uma atualização importante para aumentar a atratividade dessas áreas e contribuir com a conservação.”
O banco já encomendou estudos para avaliar os obstáculos e oportunidades de concessões baseadas em créditos de carbono e espera ter um pipeline de três projetos-piloto nesse sentido nos próximos meses.
Além dos créditos de carbono, a Medida Provisória permite a comercialização de outros serviços ambientais, como de proteção à biodiversidade e manutenção dos cursos de água.
Menos ‘pops’ que os offsets de gases de efeito estufa, os outros pagamentos por serviços ambientais (PSA) vêm ganhando alguma tração e já estão previstos por uma lei editada no começo de 2021.
Segundo a MP, os contratos de concessão florestal já vigentes poderão ser alterados para permitir também a exploração de créditos de carbono.
“Isso, é claro, via ajuste de contratos entre concessionários e o poder público”, diz Aranha.
De sopetão
Editada na última semana do governo Bolsonaro, a medida consolida alguns pontos de fomento à geração de créditos no mercado voluntário – uma agenda capitaneada pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, e que encontrou eco no papel do BNDES em aproximar o mercado das oportunidades de conservação e reflorestamento.
Além da geração de créditos de conservação em florestas públicas, o texto traz um artigo que tipifica créditos de carbono e outros serviços ambientais como ativos financeiros – o que tira alguma insegurança jurídica na forma como esses ativos são hoje contabilizados nos balanços.
O decreto que lançava as bases para o que poderia vir a ser um mercado regulado de carbono, editado em maio desde ano, já trazia essa previsão, mas como instrumento jurídico, tinha menos força. Ele corre grande risco de ser derrubado no ‘revogaço’ de medidas do próximo governo federal.
A MP passa a valer a partir de sua edição, mas precisa ganhar o aval do Congresso num prazo de 120 dias para que ganhe status de lei, ou pode ser revogada.
Um projeto de lei apresentado em 2020 e de autoria do deputado Rodrigo Agostinho (PSB/SP) já previa a derrubada do veto a projetos de REDD+ em concessões florestais. Feito com apoio do Instituto Escolhas e amparado em estudos técnicos, o PL chegou a ganhar status de urgência de tramitação, mas acabou não avançando neste ano.
“O texto da MP é bom tecnicamente, mas críticos podem argumentar que ele foi feito sem ampla escuta da sociedade”, pondera Bezerra, do Tauil & Chequer.