Com 12 bacias hidrográficas na Amazônia legal, o fluvial é de longe o principal modal de transporte na região Norte do país. Por ano, quase 10 milhões de pessoas e 25 milhões de toneladas de carga transitam pelos mais de 16 mil quilômetros de rios navegáveis que conectam as capitais, municípios do interior e comunidades ribeirinhas mais remotas.
Apesar de vital, até 2020 todo o sistema estava na idade da pedra.
Todas as passagens e contratações de fretes eram feitas de forma 100% analógica: não só os tíquetes eram vendidos apenas nos guichês das agências ou diretamente nas mãos dos barqueiros nos portos, como não havia sequer um registro digital das embarcações e dos horários de partidas e chegadas.
Imagine o drama: para despachar um produto para qualquer outra cidade, um comerciante de Manaus tinha que se deslocar até o cais do porto para descobrir se havia algum barco partindo para o destino desejado. Se não desse sorte, poderia ter que voltar uma, duas, três vezes – sempre pagando R$ 35 reais pela hora do estacionamento.
Essa realidade começou a mudar (lentamente) em outubro de 2020.
Foi quando aconteceu a primeira venda de passagem online pela Navegam, startup de logística fundada em Manaus em 2019 por Geferson Oliveira, Jorge Alves e Helio Souza.
Hoje a Navegam opera em duas frentes, uma de transporte de passageiros e outra de logística.
Modelo de negócio
Na de passageiros, a empresa oferece duas soluções. A primeira é justamente o produto que originou a empresa, um marketplace para venda de passagens online, que cobra comissão de 10% por tíquete vendido e hoje tem 97 embarcações cadastradas.
A outra é um sistema de gestão de embarcações, com venda de passagens, controle de passageiros e emissão de relatórios, em que tem 65 barcos e 12 agências clientes, das quais cobra uma assinatura mensal e um fee de 2% a 3% por passagem vendida.
Já no braço de logística, a Navegam Log faz a contratação e o gerenciamento do transporte de mercadorias, com comissão de 5% a 8% sobre o valor do frete.
A empresa deve fechar o ano com um faturamento de R$ 3 milhões, mais que o dobro da receita do ano passado e dez vezes o faturamento de 2019.
E, como costuma se dizer no mundo das startups, é só o começo.
“Queremos ser a empresa referência em mobilidade de pessoas e mercadorias na região Norte”, diz o cofundador Geferson Oliveira, CEO da empresa.
A meta, diz, é abocanhar 65% do mercado de venda de passagens e 30% da logística de mercadorias da região.
Para chegar até o ponto atual, a empresa foi incubada pelo Samsung Creative Startups e acelerada pelo programa Parceiros pela Amazônia (PPA), que deu origem à aceleradora Amaz. Já recebeu aportes de investidores como o grupo varejista Bemol, que também é cliente da área de logística, e acaba de receber R$ 1,4 milhão da Finep, agência pública que financia a inovação.
Outro aporte de valor semelhante, desta vez de um fundo de venture capital, deve ser anunciado nos próximos dias.
O começo
A semente da ideia de criar um aplicativo e um site para fazer a integração entre barcos, agências e passageiros foi plantada a partir de uma experiência pessoal de Geferson Oliveira.
Formado em ciência da computação, ainda atuava como professor, em 2015, quando perdeu a prova de um concurso no município de Humaitá (AM) por não conseguir comprar uma passagem de barco em tempo hábil.
Mais tarde, em 2018, ele se juntaria ao técnico em informática Jorge Alves, que já trabalhava em soluções para embarcações havia anos e conhecia bem a rotina do porto de Manaus.
Quando já trabalhavam no desenvolvimento da solução para passageiros, surgiu a oportunidade de contemplar também a área de logística. Oliveira conversava com o gerente comercial de uma rede varejista local quando ouviu dele que havia dificuldades para fazer uma entrega de mercadoria em Tabatinga.
Àquela altura, os sócios já tinham passado meses no porto mapeando o cronograma das embarcações. “Abri meu computador, entrei no meu sistema e falei: vai ter barco saindo para lá tal e tal hora. Puxei a lista e dei para ele.”
Primeiro a varejista perguntou se Oliveira e os sócios não podiam desenvolver uma interface para que pudessem acessar o sistema deles. Depois convidaram a Navegam para operar o sistema.
A primeira entrega de mercadoria foi feita em Parintins, usando o próprio carro e acionando amigos na cidade que retiraram a mercadoria no porto local para fazer a entrega ao cliente. “Nenhuma empresa tinha feito isso de ponta a ponta: pegar um produto, colocar no barco, tirar do barco e deixar na casa do cliente”, diz Oliveira.
Próximos passos
Hoje a Navegam Log integra os modais rodoviário e fluvial e, em breve, acrescentará o aéreo ao seu sistema, por meio de uma parceria já fechada com a Azul.
O braço logístico representa 90% do faturamento, refletindo os efeitos da pandemia de covid-19, que congelou o transporte de passageiros ao mesmo tempo em que acelerou fortemente o comércio online e o transporte de cargas.
Mas é da área de passagens que os sócios esperam mais crescimento nos próximos anos.
“Nossas projeções indicam que a receita de venda de passagens vai superar a de logística em 2024, porque é algo bem mais simples de operar e com custos mais baixos. Já a logística de carga é complexa e cara”, diz Oliveira.
O dinheiro da Finep, a fundo perdido, será totalmente destinado à área de desenvolvimento, com ênfase no braço de transporte de passageiros, cujo sistema é menos robusto atualmente.
Já os recursos do fundo de venture capital vão reforçar a área comercial, para atrair mais embarcações, e também promover uma expansão geográfica.
“Hoje operamos nos Estados do Amazonas, Pará e Rondônia. Em janeiro chegaremos a Roraima. Depois de fortalecer a atuação nesses quatro estados, queremos chegar a Amapá e Tocantins”, diz o CEO.
Um terceiro produto, desenvolvido em parceria com a Onisafra, também está a caminho, desta vez para fazer o rastreio de cadeias de produtos da Amazônia. A ideia é vendê-lo para grandes corporações.
“O sistema vai trazer informações sobre o local onde o produto foi plantado, qual o agrotóxico usado, como foi transportado etc. Hoje os produtos da região perdem 30% de valor no mercado porque não existem informações sobre a cadeia produtiva.”