Enquanto alguns vão com a ervilha, Nick Cooney está voltando com o hambúrguer à base de plantas.
Observador e investidor veterano do segmento de substitutos de carnes, leites e derivados de origem animal, há mais de 15 anos Cooney acompanha de perto o que alguns apontam como uma revolução sem precedentes na história da alimentação humana.
Ele foi um dos investidores que acreditaram na pioneira das carnes vegetais Beyond Meat quando a companhia estava longe de fazer um dos IPOs mais comentados da última década.
O entusiasmo com as proteínas alternativas deu uma certa arrefecida desde então, em parte justamente por causa da queda livre da Beyond Meat na bolsa. A ressaca violenta que se abate sobre as startups, junto com uma iminente retração econômica global, não ajudam.
Mas Cooney não parece preocupado. “Os investidores entendem que a questão ambiental é uma tendência de longo prazo”, disse ele ao Reset.
“As pessoas vão continuar comendo e não vão deixar de se preocupar com a saúde por causa de uma recessão.”
Cooney é cofundador e sócio-gestor do Lever VC, um fundo de capital de risco especializado em startups de proteínas alternativas – como carnes e laticínios de base vegetal e startups que cultivam tecidos animais em laboratório. Ele afirma que a percepção de uma crise na categoria é enganosa.
“Algumas empresas vão sofrer individualmente, mas o setor todo cresce no mundo inteiro”, afirma Cooney. Ele menciona o Brasil, onde o Lever tem participação em três companhias: as fabricantes de leites veganos e derivados Nude e NoMoo e a produtora de carne imitação The New.
Nesta última, o Lever fez recentemente um segundo aporte e indicou André Carvalho, ex-diretor de mercado interno do frigorífico Minerva, para o cargo de CEO. (O valor do investimento não foi revelado, mas, com raras exceções, o Lever VC entra somente em rodadas pré-seed ou seed.)
Se não compartilha do pessimismo que paira no ar, Cooney também não endossa previsões excessivamente róseas para o setor.
Ele acredita, por exemplo, que a tecnologia de carne cultivada em laboratório ainda vai levar bastante tempo para chegar ao mainstream.
Veja abaixo os principais trechos da entrevista.
A festa do capital de risco acabou. E agora?
Acho que as empresas que mais vão sofrer são as que estão em estágio mais avançado, [procurando rodadas de] séries C, D e E. São as que alcançaram valuations muito altos, que provavelmente não faziam sentido na época e certamente não fazem sentido agora. Acho que veremos uma grande compressão nas avaliações, tanto nas empresas privadas como nas que já estão na bolsa.
Nas startups em estágios mais iniciais, enquanto as avaliações forem razoáveis, vai continuar havendo interesse. São apostas de longo prazo, de sete, oito, nove anos.
Os investidores entendem que a questão ambiental [associada à pecuária] é uma tendência de longo prazo, que vai continuar. Idem para os consumidores, principalmente do ponto de vista da saúde, que é o principal impulsionador das vendas [de proteínas alternativas].
Quando essa é a motivação, o impacto da recessão será mínimo. Você não deixa de se preocupar com a saúde por causa de uma recessão, você não deixa de se preocupar com questões urgentes como mudança do clima. Esses componentes ético e de bem-estar que sustentam o setor não existem em muitos outros.
O crash da Beyond Meat
[A americana pioneira da carne de base vegetal fez seu IPO há três anos e chegou a ser avaliada em quase de US$ 12 bilhões, mas sua ação está em queda livre há um ano.]
A Beyond Meat fez seu IPO a US$ 25, hoje o preço da ação está mais ou menos nesse patamar. Os investidores talvez não soubessem avaliar a empresa. Isso acontece às vezes, principalmente na bolsa. As pessoas compram o hype.
Você pode apontar empresas de vários setores cujas vendas estagnaram ou caíram, mas o importante é olhar para o setor como um todo. As vendas da categoria continuam crescendo no mundo inteiro.
O interesse é global
Nos Estados Unidos, um mercado mais desenvolvido para esses produtos, quase todos os produtos da categoria vêm crescendo. A exceção são as carnes de base vegetal, que ficaram estagnadas no ano passado. Mas as vendas de carne convencional caíram vários pontos percentuais.
No resto do mundo, todos os produtos vêm ganhando mercado. No Reino Unido, houve um crescimento de 17% no ano passado. Na China as porcentagens são menos confiáveis, mas também houve aumento. Idem para o Brasil.
Produtos cada vez mais convincentes
A diferença de sabor é a principal barreira para conquistar os consumidores.
Pensando em toda a experiência sensorial que influi no gostar ou não gostar de certas comidas, o delta entre as carnes e laticínios convencionais e as alternativas segue diminuindo. E essa distância vai encurtar mais com a chegada de novos ingredientes.
Onde está a inovação
Existem várias frentes de inovação. Em primeiro lugar, temos a tecnologia para desenvolver os ingredientes básicos. Com algumas poucas exceções, eles ainda não chegaram ao mercado, mas estão cada vez mais próximos de comercialização.
Temos empresas trabalhando com carne, gordura, sangue, tecidos conjuntivos, proteínas encontradas no queijo – tudo de verdade, produzido por cultivo celular, fermentação e cultura molecular.
No caso dos ingredientes de origem vegetal, algumas empresas estão criando gorduras muito parecidas com as animais. Elas vão permitir sabores mais complexos e parecidos com os dos produtos animais, com umami. Temos também ingredientes “estruturais”. Um exemplo são queijos veganos que vão “esticar” mais, por exemplo.
Por fim, várias empresas trabalham novas técnicas de processamento [das matérias-primas], como impressão 3D. A ideia é melhorar a textura das carnes à base de plantas. Em vez de hambúrgueres ou “carne moída”, você verá formatos que não eram possíveis antes, como um filé de frango ou um bife.
Carne vegetal versus carne de laboratório
Acho que tem lugar para as duas. No curto prazo, as carnes cultivadas [em laboratório] ainda continuarão muito mais caras. A tecnologia ainda está em desenvolvimento.
Algumas poucas startups pensam em ir a mercado com um produto que seja 100% de carne cultivada, mas a maioria foca em híbridos. Acho que nos próximos dez anos, mais ou menos, veremos uma mistura das duas tecnologias.
Serão produtos majoritariamente vegetais com a adição de ingredientes cultivados em laboratório, por causa do sabor. Se houver competição entre os dois tipos, vai ser no longo prazo.
A regulamentação
[Por enquanto, Cingapura é o único país a ter aprovado a venda de carnes cultivadas em laboratório.]
A expectativa é que a carne cultivada seja aprovada num futuro muito próximo nos Estados Unidos, talvez no final deste ano. Muitas companhias estão nas fases finais da aprovação. Depois do mercado americano, acredito que o processo ande mais rápido em outros países.
A grande dúvida é em relação ao nome. Poderemos chamar de carne? Vai ter alguma qualificação obrigatória?
Se não puder chamar de carne, acho que teria impacto [para o consumidor final], mas pelo que temos ouvido não vai haver problema. Devem exigir algum tipo de complemento, como “à base de células”, “células cultivadas” ou [carne] “cultivada”. Temos a mesma sinalização em outros países.
Os grandes frigoríficos
Com raríssimas exceções, os grandes players das proteínas animais têm apoiado o segmento de cultivadas e investido nessas empresas. As maiores empresas do mundo compraram ou investiram em startups.
A JBS adquiriu uma empresa espanhola de carne cultivada. [BRF e Marfrig também fizeram suas apostas em proteínas alternativas.] A Chinese Meat Association [entidade que reúne os produtores de carne do país] nos apoia e nos ajuda na regulamentação.
O impacto ambiental das proteínas vegetais
A área necessária para produzir um quilo de proteína à base de plantas é dramaticamente menor que a necessária para criar o mesmo quilo de proteína animal.
No caso do frango, que é muito eficiente na transformação do alimento em massa corporal, a proporção é de quatro para um, ou seja, são necessários quatro quilos de ração para um quilo de carne.
Se, hipoteticamente, 10% da carne consumida fosse substituída por alternativas à base de planta, as áreas plantadas de soja [para ração animal] diminuiriam dramaticamente. E haveria mais espaço para plantar outros alimentos, por exemplo.