Como em outras gigantes do setor, os compromissos climáticos da Shell não resistiram à pressão dos acionistas.
A britânica é a mais recente petroleira a abandonar os planos de corte na produção de combustíveis fósseis diante dos lucros recorde resultantes da guerra na Ucrânia.
A empresa anunciou nesta quarta-feira o abandono do plano de reduzir entre 1% e 2% anuais os volumes produzidos até 2030, que havia sido apresentado dois anos atrás.
Em paralelo, a companhia vai aumentar em 15% o pagamento de dividendos, e um programa de recompra de ações de pelo menos US$ 5 bilhões será posto em prática no segundo semestre do ano.
O objetivo da empresa é “recompensar nossos acionistas hoje e por um longo tempo no futuro”, afirmou o CEO Wael Sawan. Ele assumiu em janeiro enfatizando a necessidade de dar retorno aos investidores.
Apesar de um lucro de US$ 40 bilhões em 2022, o mais alto dos 116 anos de história da Shell, as ações da companhia vinham perdendo terreno para suas concorrentes americanas, que resistem a assumir compromissos agressivos de descarbonização.
A Shell afirmou que o objetivo continua sendo atingir o net zero em 2050. Para isso, além da “estabilização” na produção de petróleo e gás, a empresa vai investir de US$ 10 bilhões a US$ 15 bilhões em tecnologias de baixo carbono, como biocombustíveis, hidrogênio e captura de carbono.
O capital será alocado de forma “disciplinada”, afirmou Sawan, com a intenção de criar “alternativas para o futuro”.
Em português claro, a empresa quer aproveitar para lucrar com os combustíveis fósseis enquanto é tempo.
Em estudo também divulgado hoje, a Agência Internacional de Energia estimou que o pico de consumo de combustíveis fósseis deve ser atingido até o fim desta década.
A Shell vem investindo há anos em fontes alternativas de energia – incluindo a sociedade com a brasileira Cosan na Raízen –, mas os retornos não se comparam ao do petróleo.
Propostas apresentadas nas recentes assembleias de acionistas para forçar a Shell e outras petroleiras a alinhar seus planos de descarbonização ao Acordo de Paris foram rejeitadas sumariamente.
Para manter viva a meta de aumento de apenas 1,5°C na temperatura global até o fim deste século, o mundo precisa reduzir as emissões de gases de efeito estufa em cerca de 45% até 2030.
A julgar pelos recentes anúncios, isso não vai acontecer por decisão voluntária das gigantes do setor.
Um compromisso internacional que obrigue a redução da queima de combustíveis fósseis poderia ser alcançado no âmbito da Convenção do Clima da ONU. Mas a COP28, que acontece este ano em Dubai, será presidida pelo CEO da empresa petroleira dos Emirados Árabes Unidos e, a exemplo dos últimos anos, espera-se uma presença massiva de lobistas do setor na conferência.
Em declarações públicas, Sultan Ahmed Al Jaber, o presidente da COP28, vem afirmando que a transição energética deve ser conduzida de forma cautelosa.
Mais de cem congressistas americanos e europeus publicaram uma carta aberta no mês passado pedindo a renúncia de Al Jaber.