Nunca houve ano como 2022 para os negócios dos combustíveis fósseis. Um dos resultados da desestabilização do mercado mundial causada pela guerra na Ucrânia foram os lucros recorde históricos do setor: US$ 4 trilhões.
Não é à toa que os 60 maiores bancos do mundo seguem financiando as atividades mais responsáveis pela mudança do clima, apesar dos compromissos públicos de descarbonizar suas carteiras.
Foram mais de US$ 670 bilhões em empréstimos, emissões de títulos de dívida e ações só no ano passado. Foi uma ligeira queda em relação aos US$ 742 bi de 2021. Mas a explicação tem a ver com a economia global e as tensões geopolíticas, não com mudança de postura dos bancos.
Os dados constam da nova edição de Banking on Climate Chaos, um levantamento sobre a atuação climática do setor financeiro (ou a falta dela). O trabalho é patrocinado por sete ONGs, entre elas Rainforest Network e Sierra Club.
Das 60 instituições analisadas, 49 têm metas de zerar as emissões de suas carteiras até a metade do século. Mas esses mesmos 49 bancos foram responsáveis por 81% do dinheiro destinado à expansão da estrutura de combustíveis fósseis no ano passado.
“Apesar da linguagem net zero, as políticas dos bancos poderiam estar fazendo mais para se alinhar com os compromissos climáticos globais”, diz o relatório.
O banco que liderou os financiamentos de fósseis no ano passado foi o Royal Bank of Canada, com US$ 42,1 bilhões, desbancando pela primeira vez em muitos anos o JP Morgan Chase – que é o banco que mais financiou o setor desde 2016, num total de US$ 434 bilhões.
Na sequência vieram o próprio JP (US$ 39,2 bi) e os também americanos Wells Fargo (US$ 38,8 bi), Bank of America (US$ 36,9 bi) e Citi (US$ 33,9 bi).
A nota positiva do levantamento foi o La Banque Postale. O banco francês cumpriu em 2022 a promessa de não financiar novas expansões de empresas de petróleo e gás e abandonar o setor completamente até 2030.
Espiral negativa
“Com o aumento das taxas de juros, um dólar forte e lucros derivados da guerra, muitas empresas aproveitaram para pagar dívidas e dependeram menos dos mercados de capitais”, escrevem os autores do estudo.
Os resultados extraordinários do ano passado, somados a uma melhora nos ratings das petroleiras, sugerem que 2022 tenha sido somente uma “calmaria antes da tempestade”.
As empresas estariam prontas para dar início a uma nova grande onda de investimentos. Anúncios como o da BP, que decidiu adiar sua prometida saída dos combustíveis fósseis para garantir uma transição sem sobressaltos para o mundo pós-carbono, sinalizam as prioridades da indústria.
Para o clima, essa perspectiva não poderia ser mais desanimadora. A meta de limitar o aquecimento do planeta a 1,5°C já seria ultrapassada só com a infraestrutura existente hoje, segundo a ciência mais recente.
A única possibilidade de conciliar os objetivos do Acordo de Paris com mais extração de combustíveis fósseis seria o uso de tecnologias de captura de carbono em grande escala – que por enquanto ainda são apenas uma promessa.
O setor inteiro estará literalmente no centro das atenções da próxima COP. A Conferência do Clima da ONU deste ano acontece nos Emirados Árabes Unidos e será presidida pelo CEO da petroleira do país.
Desde a assinatura do Acordo de Paris, em 2015, os gigantes das finanças globais mobilizaram US$ 5,5 trilhões para o setor de fósseis.
Um dos problemas apontados pelo levantamento são as brechas técnicas encontradas nos compromissos net zero de muitas instituições financeiras.
A recém-aprovada exploração de petróleo no Ártico vai receber recursos de 12 dos bancos analisados. Embora muitos tenham políticas que excluem a região, a petroleira americana ConocoPhillips levantou o dinheiro sem especificar em que projeto ele seria empregado.
E as políticas de exclusão de negócios também são seletivas. Das 43 instituições que definiram metas intermediárias de descarbonização para 2030, somente cinco especificam o carvão, e a maioria não menciona gás natural liquefeito ou infraestruturas como oleodutos.
Óleo na Amazônia
O relatório detalha a participação de cada banco nas diferentes modalidades de exploração e produção, como offshore, areias betuminosas e fraturamento hidráulico.
Pela primeira vez, foi incluído um capítulo sobre a exploração no bioma amazônico. O levantamento identificou US$ 769 milhões mobilizados para a região em 2022, principalmente para operações no Equador e no Peru.
O líder em financiamentos na região foi o Santander, com US$ 179 milhões, seguido de perto pelo Citi (US$ 167 mi). Bank of America, JP Morgan e UBS cada um direcionaram cerca de US$ 100 milhõe.
No capítulo dedicado aos poços em alto-mar, o relatório nota as reservas da Margem Equatorial, uma faixa que se estende do Amapá ao Rio Grande do Norte e que está na mira da Petrobras.
Ainda não há autorização do Ibama sobre uma exploração nessa nova fronteira do petróleo brasileiro, mas o levantamento menciona os desejos da estatal brasileira diante da recente alta dos preços.
O problema, apontam os autores, é que “plataformas offshore podem bombear óleo durante décadas, muito além do prazo em que a produção de combustíveis fósseis precisa parar. Os bancos financiando esses empreendimentos correm o risco de [ficar com] ativos sem valor” nas mãos.
Pressão dos acionistas
Até aqui, a cobrança dos acionistas tem dado poucos resultados concretos, mas o movimento segue ganhando corpo.
A gestora britânica Legal & General Investment Management (LGIM) anunciou nesta quinta-feira que vai votar a favor de resoluções pela descarbonização dos portfólios dos grandes bancos americanos na temporada de assembleias deste ano.
Com US$ 1,5 trilhões sob administração, a LGIM publicou um comunicado em seu site defendendo planos concretos e com prazos para acabar com esse tipo de financiamento.
A LGIM está entre os 30 principais acionistas dos seis maiores bancos americanos, segundo levantamento da Bloomberg.
As propostas apresentadas pelos acionistas têm o nome técnico de “resoluções” e não são vinculantes, ou seja, elas não têm de ser acatadas pelo corpo executivo mesmo que aprovadas.
No ano passado, iniciativas semelhantes obtiveram pouco sucesso.
Mas elas são uma forma importante de fazer pressão em público – e, pelo menos por enquanto, a única maneira de tentar influenciar um dos setores críticos na luta contra a mudança do clima.