Riad, Arábia Saudita – Extrair cada onça, grama, molécula, átomo e elétron dos recursos minerais. A promessa é de um dos príncipes do Reino da Arábia Saudita. Com uma economia dependente da exploração de petróleo, o país quer se tornar referência na transição energética – e para isso está investindo em mineração, já que alguns minerais são estratégicos para essa transformação.
Parece contraditório, mas é para onde o mundo está caminhando – ou parte dele.
O príncipe à frente da tarefa é Abdulaziz bin Salman Al Saud (foto), ministro de energia da Arábia Saudita, quarto filho do rei Salman e um dos netos do fundador do país. A Casa de Saud, nome dado ao poder real no país, é a família de monarcas mais rica do mundo. O dinheiro vem do petróleo.
A promessa, ou visão, foi feita em sua apresentação no Future Minerals Forum (FMF), que ocorreu neste mês em Riad, capital da Arábia Saudita. No principal discurso do congresso, ele montou uma defesa de caso. E convidou o público a ser o júri.
“Vou apresentar um problema, um problema sério, de segurança energética. E eu vou mostrá-lo em detalhes”, disse em sua apresentação feita toda em inglês.
Ele lembrou que, no passado, a questão passava pelo fornecimento de petróleo do Oriente Médio. Mas isso mudou nas últimas décadas, devido à disponibilidade de armazenamento, desenvolvimento de infraestrutura e cadeias de fornecimento. “A segurança energética agora é sobre gás, eletricidade e predominantemente mineração.”
E aí apresentou o problema, que também é um paradoxo: a transição energética global demanda quantidades dos chamados minerais críticos muito além das capacidades de produção atuais. Mas o crescimento significativo nas atividades de mineração e processamento para produzi-los vai resultar em maiores emissões de carbono.
“A menos que descubramos uma maneira de resolver essa questão desafiadora. Porque, caso contrário, estaremos eletrificando usando processos que negarão o propósito de sua criação, que é a redução de emissões.”
Segundo números da consultoria McKinsey, do Serviço Geológico dos EUA e da Associação Nuclear Mundial apresentados, o crescimento do fornecimento de energias solar, eólica, e nuclear até 2030, além do uso de baterias para armazenar essa eletricidade toda, vão aumentar a demanda de lítio em sete vezes em relação a 2022; de terras raras em até quatro vezes; de cobalto e níquel em duas vezes; cobre em 1,5 vez e urânio em 1,3 vez.
“E, a propósito, na mineração de hoje, muito combustível fóssil tem sido usado. Muito carvão e diesel. E vocês são especialistas, sabem o quanto isso está contribuindo para a pegada de carbono”, disse. Mencionou também outros impactos, como contaminação da água e gerenciamento de resíduos.
E citou mais números, dessa vez da Universidade da Columbia Britânica, McKinsey e Organização Meteorológica Mundial, sobre a emissão de gases derivados da extração e processamento de minérios e derivados: 15 toneladas de CO2 equivalente para cada tonelada de lítio, 14 toneladas para alumínio, 13 toneladas para níquel, 4 toneladas para zinco e cobre, e 2 toneladas para chumbo e aço.
Segundo ele, o mundo não está fazendo o suficiente para lidar com a segurança energética. “Os países estão correndo para acessar minerais críticos e proteger sua própria cadeia de suprimentos. Correr para garantir acesso aos recursos acabará levando a maiores emissões, maiores custos e preços de metais e energia mais altos afirmou.
Pedra no caminho
A extração e o processamento de minerais críticos hoje é concentrada em poucos países. Este é um dos grandes desafios da Arabia Saudita para atingir sua ambição de se tornar um player relevante na mineração.
“Estamos trabalhando para descobrir quais minerais podemos produzir aqui e não temos vergonha de dizer que não os temos e gostaríamos de obtê-los de outro lugar. Mas temos que fazer isso rápida e furiosamente”, afirmou o príncipe.
Um contexto importante: o investimento do país em mineração não é isolado, ele faz parte do movimento mais amplo da Arábia Saudita para diversificar sua economia e reduzir a dependência do petróleo.
E minerais críticos têm esse nome justamente por serem a base das cadeias de produção das indústrias do mundo atual. Hoje, a mineração da Arábia Saudita se resume a ouro e fosfato. Para tirar sua ambição do papel, precisa de muitos outros.
O reino definiu três alavancas para tentar garantir o acesso aos minerais críticos que precisa para desenvolver sua economia.
A primeira está em exploração e desenvolvimento. O reino diz ter 9,4 trilhões de SAR (moeda local) em recursos minerais inexplorados, equivalente a US$ 2,5 trilhões. Diz ter “depósitos consideráveis de urânio” e seis elementos de terras raras.
A segunda frente está no desenvolvimento de mineração e processamento local. O balanço do próprio governo diz que acordos no valor de 33 bilhões de SAR (US$ 8,8 bilhões) foram assinados com empresas globais para processamento de cobre, zinco e terras raras.
A terceira e última estratégia é acessar ativos de mineração internacionais. Para isso, criou a Manara Minerals, uma joint venture formada em 2023 para comprar ativos de mineração mundo afora. Ela tem como acionistas o fundo soberano do reino, o Public Investment Fund (PIF), e a Ma’aden, mineradora listada em bolsa e controlada pelo próprio PIF. Ela detém 10% do negócio de níquel e cobre da mineradora brasileira Vale, chamado de Vale Base Metals.
Entrando na corrida pelo lítio
Os investimentos mais recentes anunciados da Arábia Saudita são em lítio, essencial para a produção de baterias para carros elétricos, laptops e smartphones. O reino uniu duas de suas empresas estatais em uma joint venture para isso: a petrolífera Aramco e a mineradora Ma’aden.
Maior empresa de petróleo do mundo, a Aramco já havia anunciado em dezembro a extração de lítio de amostras de salmoura dos seus campos de petróleo, juntamente com a startup saudita Lihytec e a Ma’aden.
Algumas salmouras de campos petrolíferos, produzidas junto com petróleo e gás, são naturalmente ricas em lítio. Mas as tecnologias para a extração do mineral a partir dela, conhecidas como extração direta de lítio (DLE, na sigla em inglês), são incipientes e não foram comprovadas em escala comercial ainda.
A estimativa das empresas é de que a produção comercial comece em 2027.
O acordo de joint venture foi assinado durante o Future Minerals Forum. Não foi anunciado qual o valor do investimento que a parceria deve destravar. Mas Bob Wilt, CEO da Ma’aden, deu uma pista do quanto é esperado de retorno: multiplicar por 10 a receita da companhia até 2040. Em 2023, a Ma’aden faturou US$ 7,8 bilhões.
Falar é fácil
Os investimentos sauditas nos minérios da transição são reais, bem como a aposta do país em vastas plantas no deserto para gerar eletricidade com painéis fotovoltaicos. O país tem a meta de passar de menos de 3 GW de capacidade instalada em 2023 para 130 GW em 2030. Como comparação, o Brasil, um país com quase seis vezes mais habitantes, tem cerca de 208 GW.
Um dos planos dos sauditas é transformar essa eletricidade toda em hidrogênio verde. Mas também é real a ambição do país de seguir produzindo petróleo até o último momento possível.
Petroleiras ocidentais, especialmente as europeias, traçaram metas ambiciosas para diversificar seus negócios. Muitas voltaram atrás, é verdade – mas os sauditas nem sequer cogitaram a possibilidade.
Nas COPs, a delegação saudita é frequentemente apontada como líder da resistência a qualquer tipo de menção a uma redução na produção de combustíveis fósseis. Uma tentativa de tratado vinculante global para reduzir o uso de plásticos naufragou ano passado porque o país se uniu à Rússia para impedir um acordo.
A contradição entre uma transição energética que não abre mão dos petrodólares também fica evidente na tentativa de rebranding do reino.
ESG em uma ditadura?
O país investe bilhões em eventos de negócios (o Future Minerals Forum realizou sua quarta edição este ano) e esportivos, numa tentativa de mudar a reputação de restrições religiosas e violação de direitos humanos do país.
A Arábia Saudita será a sede da Copa do Mundo de 2034. O país pagou valores inimagináveis para que Cristiano Ronaldo e Neymar jogassem o campeonato local (o brasileiro, aparentemente, está voltando ao Santos).
A ambição é grande, mas os avanços, pequenos: faz somente seis anos que a monarquia absoluta teocrática permitiu às mulheres dirigir e frequentar estádios de futebol.
Um dos países mais fechados do mundo, agora é possível entrar na Arábia Saudita com um visto digital, que pode ser emitido no próprio aeroporto em totens, mas as restrições morais e econômicas para mulheres e pessoas LGBTs seguem extensas. Dissidentes políticos são condenados com pena de morte – que aumentaram drasticamente em 2024.
Regido pela lei islâmica, o país depende de importação e desenvolvimento de profissionais para implementar seu plano de diversificação. Durante o congresso, em conversas com estrangeiros que trabalham com mineração no país, a atração de talentos foi apontada como um dos gargalos para a implementação do plano do reino.
Duas palestras trataram da inclusão de mulheres no mercado de mineração – entre as 90 previstas na programação do evento. O tema não apareceu no discurso do príncipe, que, para além da questão da pegada de carbono, citou “sustentabilidade” de forma genérica.
“Se você tiver alguma pergunta, alguma dúvida, por favor entre em contato conosco. Mas, novamente, como advogado, eu teria que lhe dizer que eu encerrei meu caso e vocês são o júri”, disse o príncipe e ministro da energia no encerramento de seu discurso.
Arábia no Brasil
A compra de fatia do negócio de metais básicos da Vale foi o maior investimento da Arábia Saudita feito no Brasil até agora: pagou US$ 2,6 bilhões por 10% do negócio.
A Vale também tem planos de investimentos no país. A mineradora brasileira está avançando nos seus planos para implementação de um hub para produção de aço verde na Arábia Saudita. O terreno para construir sua planta já está garantido, agora estaria negociando acordo com uma siderúrgica local.
O ministro de energia brasileiro, Alexandre Silveira, esteve em Riad para o roundtable ministerial, que reuniu ministros de diversos países e abriu o evento. Na ocasião, ele anunciou um investimento da mineradora Ma’aden no Brasil. Mas, procurada pelo Reset, a empresa saudita negou o negócio.
Abordado por jornalistas brasileiros, Silveira foi questionado se algo concreto havia sido decidido durante o encontro de ministros. Ele disse que tinha “uma notícia excelente”, que a mineradora saudita Ma’aden abriria um escritório em São Paulo, com investimentos de R$ 8 bilhões no mapeamento geológico do Brasil.
“O investimento é impreciso e não é nosso. Temos [no Brasil] um pequeno escritório de vendas e marketing de fosfato, só isso”, disse a companhia por meio de sua assessoria de imprensa.
* A repórter viajou a convite da organização do Future Minerals Forum