O plano para fazer do Brasil um líder em querosene verde de aviação

O plano para fazer do Brasil um líder em querosene verde de aviação
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Está em marcha um plano para tentar fazer do Brasil um pólo de produção de biocombustível sustentável de aviação nos próximos anos.

Os chamados SAFs – ou sustainable aviation fuels – são tidos como a alternativa mais viável no curto e médio prazos para descarbonizar a aviação mundial em escala, uma vez que as aeronaves podem voar sem alterações tecnológicas radicais. O hidrogênio verde e a eletrificação ainda são um desafio tecnológico no setor, especialmente para voos de longa distância e em aeronaves de grande porte.

Com a leitura de que o Brasil reúne um conjunto de características, como a abundância de biomassa, para ser competitivo no novo combustível, empresas aéreas, fabricantes de aviões, produtores de biocombustíveis, governo e reguladores têm se articulado para tentar colocar o país nessa rota.

O trajeto enfrenta turbulências, especialmente regulatórias, mas, se der certo, não só pode garantir a autossuficiência do país num insumo que promete ser chave, como pode transformar o Brasil numa plataforma de exportação.   

“O Brasil consome 17 bilhões de litros de querosene de aviação por ano, com emissão de 10 milhões de toneladas de CO2. Nosso cálculo é que substituir todo esse volume por biocombustíveis demandará investimentos de R$ 30 bilhões em pesquisa e construção de plantas. É uma avenida de investimentos”, diz Bruno Aranha, diretor de crédito produtivo e socioambiental do BNDES, ao Reset.

O banco de fomento, que já apoiou o surgimento das cadeias de etanol de segunda geração, biometano e biogás, tem atuado como um dos articuladores da aposta no SAF brasileiro. “Essa corrida já começou lá fora, mas o Brasil ainda pode ser um ator relevante, porque tem a base agrícola e uma base industrial instalada de biocombustível”, diz Aranha, indicando que o banco pretende atuar como financiador. 

Ontem, o BNDES realizou um seminário junto com o Ministério de Minas e Energia (MME) para discutir os caminhos e trouxe para a mesa empresas como Boeing, Embraer, Latam, Gol, Azul, Raízen e Petrobras, além de pesquisadores e certificadores. 

“A ideia é evitar que em 2027 o Brasil tenha que importar querosene sustentável, o que seria injustificável”, diz João Souto, secretário-adjunto de petróleo, gás natural e biocombustíveis do MME. 

Em 2027, todas as empresas aéreas, de todos os países, serão obrigadas a participar do chamado Corsia, ou Carbon Offsetting and Reduction Scheme for International Aviation.

Trata-se de um esquema global para reportar e neutralizar as emissões de CO2 do setor aéreo, com o objetivo de chegar ao net zero em 2050. Atualmente o esquema opera em fase de adesão voluntária. As empresas brasileiras ainda estão de fora.

“Importar o SAF seria um desafio logístico enorme”, diz Marcelo Gonçalves, engenheiro de desenvolvimento de produto da Embraer. A empresa já está usando o SAF nas suas aeronaves de testes na Flórida (EUA).  

Já existem aviões voando com SAF no mundo, especialmente nos Estados Unidos e na Europa, mas, por ora, o insumo é misturado ao querosene fóssil, num percentual que costuma ficar abaixo de 1%. A ideia é avançar nos testes e certificações para que o percentual do biocombustível vá aumentando, até excluir o querosene do tanque.

Hoje, a Embraer anunciou um acordo com a fabricante de motores Pratt & Whitney para testar o uso de 100% de SAF, sem misturas. A Embraer tem a meta de ter suas aeronaves compatíveis e certificadas para voar com 100% de SAF até 2030 – mesma meta da Boeing. 

De resíduos a gordura animal

O SAF pode ser feito de uma série de matérias-primas, de óleos de cozinha usados e resíduos agrícolas até gordura animal. Cada país ou região tem desenvolvido suas pesquisas de acordo com os insumos disponíveis e suas vantagens competitivas.

Não é que o SAF não emite carbono. Uma vez que se liga o motor do avião, ele queima — e emite CO2 — como um combustível normal. A diferença está no ciclo de produção do combustível.

Quando a matéria-prima é de origem vegetal, por exemplo, há uma absorção de CO2 pelas plantas em fase de crescimento. O SAF, portanto, recicla o carbono emitido. É o chamado  CO2 de ciclo curto, em oposição ao de ciclo longo, de fonte fóssil, que levou milhões de anos para se formar.

Mas, para ser de fato limpo, o SAF precisa ter matérias-primas produzidas de maneira sustentável e uma logística de distribuição pensada para evitar mais emissões de CO2.

Marco regulatório

Latam, Gol e Azul são unânimes em dizer que têm interesse em um SAF nacional, assim como as fabricantes de aviões e as produtoras de biocombustíveis.

Mas, para que o plano saia do papel, todos apontam na direção do governo. 

A demanda é para um marco regulatório que crie ambiente seguro para os investimentos e – claro – subsídios. 

Onofre Andrade, líder de pesquisa em combustíveis sustentáveis de aviação da Boeing, cita como exemplos a Europa, onde existem percentuais obrigatórios de mistura do SAF que vão aumentando gradualmente, e os Estados Unidos, que estão destinando US$ 4,3 bilhões para financiar projetos.

O governo já estuda o marco regulatório do SAF dentro do Ministério de Minas e Energias. Um grupo de trabalho, que tem ouvido o setor privado, pretende entregar suas recomendações ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) no primeiro trimestre de 2022.

Segundo Renato Cabral, coordenador-geral de biodiesel e outros biocombustíveis do ministério, a ideia é definir, entre outras coisas, como deve ser feita a mensuração da descarbonização atingida pelo SAF e também fazer recomendações sobre eventuais incentivos fiscais.

“Na Califórnia, os incentivos fiscais chegam a US$ 7 o galão (4,5 litros). É assim que está sendo feito no mundo todo para reduzir o custo do produto e não vejo forma de fazer diferente no Brasil”, diz Leonardo Ozório, diretor de aviação da Raízen, que estima entre US$ 200 milhões e US$ 250 milhões o custo de construção de uma planta de SAF do zero.

Gap de preço

Atualmente, o SAF custa algo como três a quatro vezes o querosene de aviação. Tornar o preço competitivo, portanto, é quase um mantra entre aerolinhas e fabricantes de aviões e de combustíveis.

Erasmo Batistella, presidente da BSBios, entende de outra forma. “Não estou vendo rotas tecnológicas ou de matéria-prima que sugiram uma redução astronômica do preço do SAF e não sei se isso será necessário. Ele entrega uma redução de CO2 e há uma conta a se pagar na descarbonização.” A empresa está desenvolvendo um grande projeto de diesel verde no vizinho Paraguai, com investimento de US$ 1 bi, e o empresário diz aguardar os marcos legais para trilhar o mesmo caminho no Brasil.