
A inteligência artificial abre uma oportunidade sem precedentes para acelerar a agenda de sustentabilidade nas empresas. Pode impulsionar a descarbonização, antecipar riscos climáticos, apoiar a preservação da biodiversidade, otimizar recursos e promover uma inclusão verdadeiramente transformadora.
Mas a experiência recente mostra que poucas organizações conseguem traduzir essa promessa em resultados reais. Um levantamento do MIT revela que apenas 5% dos projetos de IA entregam retorno mensurável, enquanto a maioria se perde em pilotos desconectados da estratégia. No relatório The Leader’s Guide to Transforming with AI (O Guia da Transformação com IA para Líderes, em tradução livre), a consultoria BCG reforça que o sucesso não depende de tecnologia, mas de mentalidade.
É a cultura, e não o algoritmo, que determina se a IA se tornará vantagem competitiva ou se seremos atropelados por ela.
Cultura, aqui, não é um conceito abstrato. É o conjunto de crenças, práticas e valores que dão sentido às decisões e conectam a tecnologia à vida real das pessoas. É ela que permite que a inovação floresça. O aprendizado contínuo mantém equipes curiosas e adaptáveis diante da velocidade tecnológica. A integração entre áreas do negócio como inovação, tecnologia, sustentabilidade, vendas e finanças, entre outras, transforma a IA de projeto isolado em estratégia empresarial viva. Quando o propósito é claro, a empresa entende que inclusão e sustentabilidade não são custos, mas forças que sustentam o crescimento.
A diversidade, por sua vez, é a centelha da criatividade. Ela amplia o olhar e ensina a fazer perguntas melhores, algo essencial na era dos dados. Valores socioambientais sólidos garantem que a tecnologia caminhe de mãos dadas com a ética e a responsabilidade. Lideranças inclusivas criam segurança psicológica, o espaço onde ideias ousadas surgem.
A governança ética define os limites e as liberdades do uso da IA. Esses elementos, combinados, transformam tecnologia em cultura e cultura em resultado.
No mundo real
Conversamos com lideranças de algumas empresas em que esses princípios ganham vida e compartilhamos aqui alguns aprendizados.
Na Amazônia, a varejista Bemol construiu uma cultura na qual o conhecimento científico orienta decisões estratégicas e em que o território é considerado parte inseparável do negócio. A previsibilidade da IA aprendeu a incorporar variáveis ambientais à operação, ajustando a logística às cheias e secas dos rios.
Esse modo de agir se apoia em aprendizado contínuo, na integração entre negócios, tecnologia e sustentabilidade e no compromisso com a inclusão social. A inteligência artificial encontra espaço também na conexão com iniciativas de crédito em regiões de baixa bancarização, na expansão da conectividade no interior e na capacidade de adaptar operações diante das mudanças climáticas. Ali, tecnologia e território conversam – e essa conversa gera impacto.
A fabricante de motores elétricos WEG sustenta sua trajetória em uma cultura marcada pela disciplina e pela melhoria contínua, que dá solidez a processos e práticas de gestão. Engenharia, sustentabilidade e gestão se movem em sintonia, permitindo que a IA amplie eficiência, acelere a transição energética e mantenha a coerência de longo prazo.
O olhar de longo prazo orienta investimentos em inovação e transição energética, enquanto a abertura para explorar novas tecnologias convive com o rigor de uma gestão consolidada. Essa combinação, ancorada na confiança organizacional, cria o terreno para que a inteligência artificial seja aplicada em escala e integrada à estratégia de crescimento.
Na siderúrgica ArcelorMittal Brasil, a integração entre sustentabilidade, operações, tecnologia e pesquisa e desenvolvimento se traduz em laboratórios de inovação que testam, validam e escalam soluções. O aprender fazendo virou modo de ser, criando um espaço de aprendizagem colaborativa e protagonismo técnico. A lógica é testar em pequena escala, validar e replicar, evitando que a IA seja apenas uma iniciativa periférica.
A governança institucionalizou a IA e a sustentabilidade como temas estratégicos, conectando digitalização, descarbonização e economia circular em uma mesma visão de futuro. Nesse ambiente, a IA deixa de ser um recurso isolado e se torna instrumento para reduzir emissões, ampliar eficiência e fortalecer a competitividade de longo prazo.
Liderança é essencial
Esses exemplos mostram que mudança cultural não é um projeto, é um processo e pode ser conduzida com prioridades claras. É preciso incentivar o aprendizado contínuo com espaços de experimentação, estimular equipes interdisciplinares em que o diálogo entre mundos diferentes gera soluções novas, manter uma visão de longo prazo refletida em métricas e incentivos coerentes, valorizar a diversidade e a liderança inclusiva que dão densidade às decisões e garantir uma governança ética que assegura transparência e confiança. Quando o propósito conecta tudo isso, a cultura deixa de ser um obstáculo e se torna propulsora de futuros possíveis.
O papel da liderança é central. Liderar é construir condições para que a mudança floresça. Não se trata apenas de aprovar projetos de IA, mas de inspirar curiosidade, integrar visões, sustentar o longo prazo e cultivar ambientes inclusivos. Lideranças que fazem isso transformam a IA de promessa em prática, de ferramenta em estratégia.
Em síntese, a inteligência artificial pode acelerar a sustentabilidade, mas só quando a cultura acontece junto. O diferencial não está na tecnologia e sim em como as organizações alinham inovação, cultura e propósito. As empresas que compreenderem isso não apenas terão resultados melhores, mas também relevância no futuro. Porque, no fim, são as pessoas e não os algoritmos que farão a diferença que queremos ver no mundo.
* Regina Sales Magalhães é especialista em sustentabilidade, transformação digital e finanças sustentáveis. Atuou em organizações como Microsoft, IFC, Schneider Electric e Johnson Controls, e tem doutorado em Ciências Ambientais
Tarcila Ursini é especialista em governança corporativa, sustentabilidade, cultura e inovação e atua como conselheira independente em empresas e em organizações da sociedade civil.