A Marfrig está se movendo para tentar descolar sua imagem do setor de frigoríficos do Brasil, que está sob escrutínio cada vez maior, sobretudo externo, por causa do desmatamento acelerado no Cerrado e na Amazônia.
A companhia controlada por Marcos Molina anunciou ontem a nomeação de Marcelo Furtado, ex-diretor executivo do Greenpeace Brasil, como o mais novo integrante do seu Comitê de Sustentabilidade.
Furtado dirigiu o Greenpeace de 2008 a 2013 e mesmo fora da entidade continua ativo na defesa da Amazônia e no combate à crise climática.
O convite a Furtado, aceito na semana passada, partiu do próprio Molina.
Os dois se conhecem desde 2009 quando o Greenpeace produziu o relatório “A farra do boi”, em que colocava o desmatamento da Amazônia na conta da pecuária. Furtado costuma dizer que, embora tenham se conhecido no conflito, aprenderam a dialogar e buscar soluções.
A nomeação do ativista é uma aposta ousada da Marfrig e compõe uma política mais ampla. A companhia vem, aos poucos, se estruturando para assumir compromissos mais claros na área ambiental.
Dois dos artífices principais desse movimento dentro da Marfrig são Roberto Waack, a partir do conselho de administração e do comitê de sustentabilidade, e Paulo Pianez, que lidera a área de sustentabilidade do frigorífico.
Pianez passou dez anos na área de sustentabilidade do Carrefour no país antes de ingressar na Marfrig em abril do ano passado. Na rede francesa, ajudou a criar protocolos para o varejo de alimentos brasileiro no sentido de rastrear a origem da carne vendida nos supermercados. Na Marfrig tem tido um papel importante de articulação com ONGs e investidores internacionais.
O biólogo e administrador Roberto Waack é reconhecido por sua atuação para a preservação da Amazônia e do meio-ambiente. Foi um dos fundadores da Amata, empresa dedicada a criar um novo paradigma de exploração da floresta, gerando renda sem desmatar. Ele dirigiu também a Fundação Renova, criada para reparar os danos ambientais do rompimento da barragem da mineradora Samarco, em Mariana (MG).
Importadores, sobretudo europeus, e fundos que investem nas companhias listadas em bolsa têm mostrado preocupação crescente com os elos entre as grandes empresas brasileiras do agronegócio e o desmatamento alarmante.
Mas a Marfrig tem um motivo a mais para se preocupar: a pretendida abertura de capital da controlada National Beef no mercado americano, onde as cobranças ambientais dos investidores, embora não tenham “padrão europeu”, já são maiores do que na bolsa brasileira, onde o assunto ainda passa ao largo.
Desde o relatório bombástico do Greenpeace comandado por Furtado, Marfrig, JBS e Minerva se comprometeram a parar de comprar carne de gado criado em áreas desmatadas ilegalmente.
Mas de nada adianta a empresa dizer que não desmata se o seu fornecedor ou o fornecedor de seu fornecedor produz em área de desmatamento ilegal. Reportagem publicada há dez dias pela revista inglesa “The Economist” toca no ponto ao mostrar, a partir de tecnologia de geolocalização, que há evidências de que os maiores frigoríficos do país têm comprado sistematicamente de regiões onde o desmatamento cresce.
A chave para uma política de sustentabilidade digna do nome por parte das grandes empresas do agronegócio brasileiro passa pelo rastreamento total de sua cadeia de fornecimento – e as tecnologias hoje disponíveis contornam as dificuldades do passado. A Marfrig irá surpreender positivamente se surgir com um plano ousado nessa direção.