Enquanto o mercado de investimentos sustentáveis no Brasil ganha impulso, a produção de conhecimento acadêmico ainda engatinha. Quando um gestor, investidor ou empresa quer entender um fenômeno do mercado, apoiar uma tese de investimento ou fundamentar sua tomada de decisão, precisa recorrer a estudos desenvolvidos em universidades europeias ou americanas.
Uma iniciativa pretende mudar isso e estimular a pesquisa nas universidades brasileiras voltadas para o universo das finanças que aplicam filtros ambientais, sociais e de governança, o chamado ESG.
A gestora de fundos Fama Investimentos acaba de criar um concurso anual para premiar trabalhos relacionados ao tema. As inscrições do Prêmio ESG – Fama Investimentos abrem hoje.
“Leio bastante sobre ESG e as pesquisas no Brasil são escassas. E a aplicação do ESG é muito regional”, diz Fabio Alperowitch, sócio-fundador da Fama e idealizador do prêmio.
A intenção, segundo ele, é alcançar três resultados principais: enriquecer o conhecimento acerca do assunto, fomentar o interesse de outras assets e gestoras e, claro, atrair a atenção de mais profissionais para o ecossistema de negócios ESG.
Um quarto objetivo é justamente clarear os conceitos dos critérios de sustentabilidade aplicados ao Brasil. Na visão do gestor, um dos pioneiros do ESG no país, o contexto social e a localidade de cada empresa impõe ou permite diferentes ações.
Serão aceitos trabalhos de estudantes e recém-formados dos cursos de graduação, pós-graduação, mestrado ou doutorado de qualquer área – os inscritos não precisam ser da área de administração, finanças ou contabilidade. O prazo de inscrição vai até 15 de março de 2021.
O prêmio para o melhor trabalho será de R$ 15 mil em dinheiro e um adicional de R$ 1 mil em créditos de carbono.
Perguntas sem resposta
O Brasil já tem produção acadêmica significativa sobre finanças e também sobre subtemas da sustentabilidade. A ideia é unir os dois mundos.
Na graduação da Faculdade de Administração e Economia da USP e da Escola de Negócios e Administração de São Paulo (EAESP) da FGV, os alunos têm mostrado cada vez mais interesse por empresas que incluam o propósito no plano de negócios.
Na USP, a sustentabilidade já é abordada de forma transversal em conteúdos como planejamento estratégico, mas não é disciplina obrigatória, conta Graziella Comini, professora especializada em negócios de impacto na FEA-USP. Ela reconhece que nem todo o corpo docente inclui a sustentabilidade no plano de aula. “Isso deve mudar na medida em que mais pesquisas e empresas ESG aparecerem.”
Na FGV, o desafio é grande: para os cursos de graduação serem bem avaliados, o corpo docente precisa ter bastante produção acadêmica. Mas tocar pesquisas e acompanhar as demandas do mercado são tarefas quase que incompatíveis, analisa Fernanda Carreira, coordenadora do Programa de Formação Integrada do FGVces (Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV).
O resultado é que boa parte dos professores desconhece os assuntos ESG e os alunos, consequentemente, não acessam esse conteúdo diretamente dentro de sala de aula. “Faltam diretrizes para que professores incluam a sustentabilidade aplicada aos negócios no conteúdo didático”, pontua Fernanda.
Alperowitch vê o concurso como um meio de impulsionar o setor acadêmico a se adaptar ao novo cenário do mercado de investimentos.
Como exemplo de comparação científica que gostaria de ver, ele cita o desempenho econômico-financeiro de uma empresa antes e depois de adotar bons padrões ESG. Ele também acredita que dos estudos também podem emergir outros métodos de se compilar empresas sustentáveis e medir seu desempenho, além do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3.
Entre os anos de 2008 e 2012, existiu o Prêmio Itaú de Finanças Sustentáveis, que reconhecia trabalhos acadêmicos e jornalísticos. A premiação acabou extinta por falta de eco. Atualmente, existe o prêmio do Instituto de Cidadania Empresarial (ICE), que chegou a sua sexta edição neste ano, para incentivar trabalhos acadêmicos sobre investimentos e negócios de impacto.
Mercado e academia
A banca que vai avaliar os trabalhos é eclética, e une profissionais em atuação em empresas e no mercado financeiro com acadêmicos. Alguns dos nomes são: Denise Hills (Natura), Andrea Minardi (Insper), Beatriz Lima (Pragma), Gilberto Oliveira (Vox), Luis Adaime (Moss), Celso Lemme (Coppead), Salo Coslovsky (NYU) e Gustavo Pimentel (Sitawi).
Laura Vélez, analista ESG da Fama e organizadora do prêmio, explica que a comissão organizadora da gestora fará uma pré-seleção de trabalhos que serão avaliados pela banca. Ao final, os quatro melhores trabalhos voltam para apreciação da comissão, que escolhe o vencedor. “Os trabalhos serão avaliados quanto à coesão, originalidade e aplicabilidade em relação ao tema do ESG e finanças sustentáveis”, diz Vélez.
Todos os detalhes sobre regras, banca examinadora, cronograma e premiação podem ser acessados no site do prêmio.