Trabalho digno entra na pauta de fundos europeus

Os países europeus – com alguns séculos de atraso – pretendem que suas corporações se certifiquem de que não há violações como trabalho análogo à escravidão ou tráfico de pessoas em sua cadeia de suprimentos e sejam responsabilizadas caso algum fornecedor recorra a esses expedientes. Uma das vias é obrigar gestores de recursos de terceiros a considerarem riscos sociais quando tomam decisões de investimento. O assunto foi tema de discussão no evento anual do Principles for Responsible Investment (PRI), realizado este ano em São Paulo, com um painel exclusivamente dedicado a ele chamado “Concretizar o trabalho digno”.

Condições dignas de trabalho passaram a ter lugar na pauta de finanças sustentáveis mais pela força de leis e normas internacionais do que pela boa vontade dos investidores. Uma delas é o Modern Slavery Act do Reino Unido, de 2015. Recentemente, a União Europeia publicou a diretiva de diligência de direitos humanos CSDDD, que deve entrar em vigor em 2027.

A Actis, braço de investimentos em infraestrutura da General Atlantic, gestora com US$108 bilhões em ativos sob gestão, pontuou que uma maneira de fazer suas investidas perceberem a importância da segurança do trabalho é demonstrando o custo que acidentes de trabalho representam, assim como a queda de produtividade que vem em consequência deles. “Trabalhamos com metas de sustentabilidade integradas à remuneração de executivos, isso precisa estar inserido no nível da diretoria e descer de cima para baixo”, disse a diretora Polly Firman.

Metas internas e a segurança dos empregados diretos não garantem, contudo, que fornecedores de produtos e serviços das empresas investidas respeitem direitos trabalhistas mínimos, e isso representa um desafio maior. “Os países têm legislações e requisitos mínimos diferentes. Muitos locais de trabalho não tem boas condições, mas não estão fazendo nada ilegal na sua jurisdição, a comparabilidade é complicada”, diz Sue Lyn Stubbs, diretora associada de investimento sustentável da Fidelity, que gere US$ 15,1 trilhões em ativos. 

Uma das estratégias que vem sendo usada pela gestora são visitas a fábricas para apurar as condições de trabalho, mas essa via demonstra limitações. “Empresas como a Samsung têm 20 mil fornecedores, são diligências bastante complicadas e por isso a interoperabilidade de dados é importante”, disse Stubbs.  

Além de atestar que trabalhadores fazem parte dos stakeholders das empresas e que más condições de trabalho podem levar seus fundos a perderem dinheiro, as gestoras buscam construir narrativas mais positivas em torno do tema. 

Firman, da Actis, relatou que recentemente vendeu duas plantas de energia renovável para a Shell na Índia, e que o fato de a empresa respeitar direitos e oferecer segurança para os empregados foi um dos principais diferenciais na hora do desinvestimento.

Direitos trabalhistas sob ataque

“Parece que estou no céu!”, disse José Adilson Pereira, representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Aquaviário e Aéreo, na Pesca e nos Portos (CONTTMAF), após as representantes de gestoras de fundos descreverem seus processos internos e falarem sobre como a questão trabalhista é um risco material.

A exclamação do sindicalista tem a ver com o que, na visão dele, é uma grande distância entre o discurso das políticas de investimento e a prática da relação entre trabalhadores e grandes empresas das quais fundos são sócios. “É comum que as empresas optem por mão de obra precarizada para cortar custos em portos, por exemplo, em vez de contratar trabalhadores formalizados. O Brasil tem uma legislação que muitas vezes não é cumprida”, disse Pereira.

A interlocução com sindicatos, instituições que durante um bom tempo foram esvaziadas, é apontada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), órgão ligado à Organização das Nações Unidas, como uma ponte entre os investimentos e os trabalhadores e também pela UNI Global Union, federação global de sindicatos que representa mais de 20 milhões de trabalhadores. 

“Direitos trabalhistas estão sob ataque, mas são a primeira linha de defesa contra discriminação, trabalho infantil e tráfico de pessoas”, disse Ben Richards, conselheiro sênior da UNI.

“No momento, os sindicatos são um dos vários grupos com os quais nos comunicamos quando o assunto é trabalho, e creio que podemos fazer mais nesse sentido”, disse Stubbs, da Fidelity, diante da provocação.

Em um debate marcado pelo descompasso entre os escritórios financeiros e o chão de fábrica, ficou claro que gestores de recursos terão de encontrar formas de se aproximar dos trabalhadores, em vez de considerá-los apenas recursos humanos ou riscos materiais. 

“Fundos de pensão têm um papel importante nisso, porque têm dinheiro de empregados e são obrigados a ter essas pessoas no conselho” disse Vinícius Pinheiro, diretor da OIT no Brasil.