Origem, a moto elétrica made in Brazil — e os investidores por trás dela

Origem, a moto elétrica made in Brazil — e os investidores por trás dela
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Uma startup fundada em Brasília que desenvolveu uma moto elétrica pensada especialmente para atender motoboys acaba de captar R$ 5 milhões numa rodada liderada pela gestora de venture capital Barn Investimentos. 

A captação será usada para dar tração à estratégia comercial da Origem e fazer com que as motos efetivamente cheguem às ruas. 

“É um ganha-ganha: uma tecnologia 100% limpa, num mercado demandante desse tipo de solução e logística de última milha. Além disso, gera economia para o motoboy ou para a empresa e desalavanca o balanço das empresas que têm frotas de motos”, diz Flavio Zaclis, sócio-fundador da Barn. 

A gestora está levantando seu terceiro e maior fundo de investimento de até R$ 150 milhões, e está transicionando sua estratégia para impacto, com uma metodologia proprietária de avaliação dos impactos sociais e ambientais das investidas.

O viés de sustentabilidade do negócio ajudou a transpor uma barreira do mercado brasileiro, em que fundos de venture capital costumam focar apenas em empresas de tecnologia pura, e raramente topam o risco de atividades que envolvam indústria. 

Em vez de vender, a Origem quer alugar as motos de uso comercial para empresas com frota própria, por cerca de R$ 1 mil por mês, num valor que pode variar a depender do tamanho e da duração do contrato. 

No preço estão incluídos quilometragem ilimitada, manutenção, custo de energia (o combustível), seguro, IPVA e manutenções — num modelo praticamente ‘as a service’, que inclui ainda o rastreamento dos veículos e otimização de rotas, com uma tecnologia de telemetria que conecta todas as motos à internet. 

Para motos que rodam mais de 100 km, o preço do aluguel representa uma economia em relação ao custo mensal com a moto, diz o fundador Diogo Lisita. 

Ele fundou a Origem em 2017 com outros dois engenheiros que se formaram na Universidade de Brasília: Pablo Estrela e Felipe Borges. Os três trabalharam juntos numa empresa que fabricava equipamentos para maquininhas de cartão e foram responsáveis por trazer a linha de produção da China para o Brasil, num processo que resultou em ampliação de margens. 

“A gente aprendeu muita coisa que agora estamos usando na Origem, sobre como projetar produto, fazer produção no Brasil, acessar benefício fiscal”, diz Lisita.

Os sócios decidiram atuar no mercado de mobilidade brasileira e a ideia inicial era apenas entrar no mercado de motos elétricas — o que poderia ser feito através de importação, por exemplo. 

Foi quando perceberam que os modelos hoje disponíveis fora do Brasil não atendem às necessidades do mercado local.

O Brasil é o maior mercado ocidental de motos, com uma frota de 30 milhões de unidades, atrás apenas dos países asiáticos. E demanda é em grande parte voltada para fins comerciais. 

As motos elétricas disponíveis em outros países ou não têm a autonomia necessária para dar conta da alta quilometragem das entregas, ou são caras demais para competir com os modelos a combustão de entrada.

O ovo ou a galinha

Um dos diferenciais da Origem é também o seu maior desafio.

Usando a moto como instrumento de trabalho, os motoboys não têm tempo para esperar a bateria carregar na tomada. Por isso, a Origem trabalha com um esquema de trocas: o motorista chega numa estação e substitui a bateria vazia ou por uma carregada. 

Construir essa rede capilar — a ser colocada em postos de gasolina, estacionamentos e shoppings, por exemplo — é um dos maiores riscos de execução do negócio. 

“Eu nem posso instalar muitas estações antes de ter uma frota maior pelo risco de ficarem desocupadas e, por outro lado, posso ter problemas se o cliente receber a moto e não tiver onde trocar a bateria”, diz Lisita. 

Por isso, a fabricante está focando primeiro nas empresas com frotas, que têm mais previsibilidade de rota, o que permite a construção gradual dessa rede de distribuição. 

Assim que tiver mais capilaridade, a Origem pretende alugar as motos diretamente para os motoboys, muito provavelmente utilizando empresas de delivery como Rappi, UberEats, iFood e Loggi como intermediárias — num modelo que já é usado por locadoras de veículos para empresas como Uber e 99. 

O protótipo da Origem foi desenvolvido com o dinheiro levantado com um amigo de Lisita que trabalhou no mercado financeiro. Com o modelo aprovado por Inmetro e Denatran, outros R$ 900 mil captados com ‘friends and family’ financiaram a fabricação de 15 motos, que já estão sendo testadas por empresas como Ambev, Coca-Cola e Correios. Por ora, um shopping em Taguatinga, próximo a Brasília, é o único contrato fechado de longo prazo. 

Um financiamento coletivo de R$ 1,3 milhão levantado em fevereiro permitiu a construção de uma fábrica em Brasília que tem capacidade de produzir até 5 mil motos. Agora, a empresa está em fase de validação, com a produção de um lote de 50 unidades. 

“Não vamos usar ações para financiar a produção, o dinheiro de equity é para desenvolvimento comercial, de software, recrutamento”, afirma Lisita.

Ele espera escalar a produção com crédito, especialmente de linhas subsidiadas para empresas com tecnologia e produção nacional.  A Origem já tem registro para uma fábrica na Zona Franca de Manaus e está habilitada para benefícios fiscais uma vez que se mudar para lá. 

Um celeiro — agora, de impacto 

A Origem é o quarto investimento do novo fundo da Barn Investimentos, que pretende levantar até R$ 150 milhões, dos quais cerca de 30% já foram captados. Trata-se da maior captação já feita pela gestora, fundada em 2012, e vem num momento em que ela está estruturando uma abordagem sistematizada de impacto. 

“No fim das contas, a gente sempre olhou de alguma forma para impacto, mas sem dar esse nome”, diz o fundador Flávio Zaclis. 

No ano passado, eles trouxeram Lina Lisbona, que estava na gestora de impacto Earth Capital, para ser chefe de operações e de investimentos sustentáveis para sistematizar a abordagem dos critérios socioambientais.

Hoje, a Barn tem um score para avaliar as investidas e possíveis alvos de acordo com critérios de impacto social e ambiental e estão desenvolvendo metodologia para mensurar os retornos. 

Fundada em 2012, a gestora é uma das pioneiras de venture capital no Brasil e levantou outros dois fundos, de R$ 10 milhões cada. 

Entre os negócios que já fez, o maior caso de sucesso é a Strider, uma tecnologia de monitoramento de lavouras que, entre outras coisas, reduz a necessidade de aplicação de defensivos, e que foi comprada pela Syngenta em 2018. Com a venda, a Barn retornou todo o investimento do primeiro fundo para os investidores em cinco anos, com retorno de 36% ao ano. 

Entre as empresas do portfólio estão ainda a Trocafone, uma empresa que faz a ‘recauchutagem’ de celulares usados para revendê-los a preços mais acessíveis, e já fatura mais de R$ 300 milhões; e a Nutrebem, uma espécie de cartão pré-pago para cantinas escolares em que os pais podem acompanhar o que os filhos estão comendo.

Se nos dois primeiros fundos o perfil de investidores era em sua maioria de pessoas físicas e poucos institucionais, agora a balança virou — e Zaclis aponta que tem sentido um interesse maior dos brasileiros. 

“Acho que esses últimos seis meses foram tão atípicos que, por incrível que pareça, está mais fácil acessar o local do que o investidor de fora”, diz.

“Sempre foi o contrário, mas com juros a 2, 2,5% ao ano, o local percebeu que acabou a vida de rentista. Antes tinha uma percepção de que impacto vinha em detrimento de retorno, hoje cada vez mais o impacto está se tornando um filtro para os investimentos.”