Quando falamos de inovação e futuro com grandes empresas, aqui pela Yunus Negócios Sociais, eu particularmente gosto de iniciar com uma provocação: a quem serve sua inovação e para quem você está criando esse futuro que encara a humanidade?
Neste futuro, cabe o jovem preto que hoje não tem acesso à educação de qualidade? Cabe a mãe solo que hoje não consegue sustentar sua família, mesmo com duas jornadas de trabalho? Cabe o idoso na fila de espera para fazer uma cirurgia de emergência no sistema de saúde? Cabe a família ribeirinha sem acesso a saneamento básico? Cabem as populações vulneráveis às mudanças climáticas? Cabem os refugiados? Os povos indígenas?
Quem habita esse futuro?
É por meio da urgência dessas questões que, cada vez mais, não basta que as empresas acumulem poder e ganhos sem que sejam responsáveis e sem que atuem efetivamente na criação de um futuro que caibam todas as pessoas.
Nos rankings mais recentes de empresas mais inovadoras do Brasil e do Mundo estão lá Microsoft, Tesla, Amazon, Cielo, Nestlé, IBM, Nike, entre tantas outras, de diferentes segmentos. É urgente que todas as grandes empresas ampliem a sua perspectiva do que significa inovar, de forma a orientar seus processos de inovação para a criação de futuros mais inclusivos.
Nessa discussão sobre inovação e futuro, sinto que essas mesmas empresas falham em dois exercícios muito importantes.
O primeiro diz respeito à prática da projeção de futuros, o que acaba reforçando um pensamento de que o futuro existe estaticamente e que nós, como humanidade, caminhamos invariavelmente para lá.
A segunda é refletir sobre quem enxergamos habitando esse futuro, refletir sobre para quem estamos criando esse futuro.
É muito comum, entre as áreas de inovação mundo afora, o exercício de prever futuros, imaginar como a sociedade e o planeta estarão daqui a alguns anos, para assim alimentar pipelines de inovação. Antecipar tendências, dizem. Parece uma prática de definir um destino fatídico para nós — é para lá que iremos e ponto final.
E por quê nos limitamos a acreditar num futuro hipotético quando poderíamos justamente fazer o exercício contrário? Olhar o futuro como um exercício do presente, e colocar essas mesmas empresas para pensar os futuros que elas podem criar a partir do que fazem hoje. Encher de futuro o nosso presente.
E aqui, cabe nos alinharmos sobre qual futuro imaginamos, qual futuro faz sentido para o Brasil e o mundo de 2021. Eu, sinceramente, não consigo imaginar um futuro que não seja um onde as pessoas viverão numa sociedade mais justa e igual para todos, onde cada ser terá acesso a exatamente o que precisa para progredir na vida, florescer e ser feliz.
Um futuro verde, onde regeneramos nosso meio ambiente e inauguramos uma era de convivência sustentável com os recursos naturais do planeta. Se não for esse futuro, não seremos futuro — chame de outra coisa.
Minha provocação é para que as empresas se alimentem desse futuro, olhem para ele como real, como possível. As empresas que miram esse futuro e começam, HOJE, a inovar em produtos, serviços e estratégias para garantir que ele se concretize é que se tornarão relevantes. Ocuparão um espaço de destaque, serão mais lembradas e mais valiosas – para todos, de colaboradores a consumidores, de cidadãos a acionistas. Empresas verdadeiramente corajosas, que tomam para si a responsabilidade de criar futuros.
Assim, os pipelines de inovação de hoje deveriam se pautar pela perspectiva de criar futuros mais inclusivos. Devia ser critério eliminatório. Meu investimento hoje vai criar um futuro onde cabem mais humanos? Perfeito, vamos em frente.
Meu investimento vai criar um futuro mais excludente, segmentado, desigual? Cancelado, não investiremos. Um futuro que é pensado para poucos, não é futuro. É uma inovação de base egoísta, que acaba funcionando para perpetuar as diferenças e desigualdades do presente. Um futuro em Marte será para poucos. Corajoso é pensar um futuro na Terra para muitos.
Para todos que trabalham com inovação dentro de grandes empresas, saibam que vocês têm o grande poder de criar futuros através das decisões que estão tomando. Cada uma das suas decisões pode influenciar o futuro que teremos e quem estará nele.
Por isso, sempre se perguntem: qual futuro eu estou criando hoje e para quem?
* Túlio Notini é diretor de Corporate Innovation da Yunus Negócios Sociais
(Crédito da imagem: Tim Mossholder/Unsplash)