O mercado de carbono de CBIOs é volátil e incipiente. Essa gestora quer mudar isso

Iwá estrutura primeiro fundo de créditos de descarbonização do país, com meta de captar R$ 200 milhões até o fim do ano

Gustavo Junqueira e Heloisa Baldin fundam Iwá, gestora focada em ativos ambientais e que cria primeiro fundo de CBIOs do Brasil
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O primeiro fundo de investimento em CBIOs, os créditos de descarbonização do setor de biocombustíveis, está chegando ao mercado. 

O fundo está sendo criado pela Iwá, uma gestora de recursos novata, que nasceu com foco em ativos ambientais e ligados à economia de baixo carbono. O Iwá Nova Economia, como foi batizado o fundo multimercado, será lançado até o fim do mês.

A estratégia do produto não visa exatamente a valorização do ativo encarteirado. A Iwá quer tirar partido das imperfeições de um mercado ainda incipiente e usar o fundo como um formador do mercado de CBIOs, os únicos créditos de carbono já regulados no país, instituídos pelo programa RenovaBio. 

Esses certificados são emitidos pelos produtores de biocombustíveis, que têm uma receita extra, e adquiridos pelos distribuidores de combustíveis, que têm metas de compra a cumprir.

“Esse é um mercado que tem um problema de profundidade e vimos a oportunidade de fortalecê-lo, atuando como provedor de liquidez e tentando oferecer alguma proteção de preço para as distribuidoras [que precisam comprar os CBIOs]”, diz Heloisa Baldin, que fundou a gestora em 2023.

A oportunidade para Baldin e seu sócio, Gustavo Junqueira, surgiu com a mudança estabelecida pela CVM ao fim de 2022, que equiparou os CBIOs a ativos financeiros para fins de aplicação via fundos (a mesma regra valerá para as permissões emitidas pelo mercado regulado de carbono, quando estabelecido). 

Agora, a Iwá quer desempenhar um novo papel nesse mercado e atenuar os impactos do baixo volume e da alta volatilidade para quem compra e vende esses créditos – enquanto ganha com isso.

“Será possível remunerar melhor o emissor do CBIO e reduzir o custo da compra pelo comprador, que vai poder traçar um planejamento. Vamos funcionar como uma central de liquidação desse produto”, afirma Junqueira.

Os cofundadores dizem estar em conversas com os principais players do mercado. A meta é que o fundo chegue a R$ 200 milhões de patrimônio até o fim deste ano. Só no último semestre de 2023, as negociações de CBIOs na B3 somaram R$ 4,6 bilhões. 

A gestora é resultado da combinação dos dez anos de experiência de Baldin no mercado de derivativos e de energia com o currículo de Junqueira, que foi presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB) e secretário de Agricultura do Estado de São Paulo de 2019 a 2021. 

O fundo de CBIOs é o primeiro dos produtos que a Iwá quer criar na área ambiental. Os próximos devem ser nos segmentos de reflorestamento e saneamento.

Como funciona?

Cada CBIO representa uma tonelada de carbono equivalente que deixou de ser emitida para a atmosfera ao substituir o combustível fóssil por um renovável. Os certificados foram estabelecidos pelo RenovaBio, que integra a Política Nacional de Biocombustíveis, em 2019, com o objetivo principal de estimular o aumento da parcela de biocombustíveis na matriz energética brasileira. 

A lógica do programa é que as usinas são incentivadas a produzir biocombustíveis para poder gerar CBIOs e, assim, contar com uma fonte adicional de receita. Na outra ponta, as distribuidoras são obrigadas a comprar esses créditos de descarbonização, na quantidade definida para cada uma anualmente pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), com base no volume de combustíveis fósseis vendido no ano anterior.

A expectativa é que as distribuidoras repassem o preço dos CBIOs aos combustíveis fósseis e que esses se tornem menos atrativos para os consumidores. Você pode ler mais sobre esse mercado aqui.

Via de regra, as usinas emitem os CBIOs e têm duas opções: estocar ou vender para as distribuidoras no ambiente da B3. 

A proposta da Iwá é que as usinas capitalizem seu novo fundo com CBIOs, em um valor acordado com base no preço de mercado. Paralelamente, o fundo irá vender opções de compra para as distribuidoras. 

Na prática, como investidora do fundo, a usina limitará seus ganhos caso os créditos subam acima do preço pré-acordado para a execução da opção de compra – conhecido como strike. Mas, caso o valor dos créditos caia no mercado abaixo do strike, as perdas dos emissores serão menores, uma vez que o fundo terá como receita o prêmio pago pelos compradores das opções.

Já as distribuidoras terão a possibilidade de adquirir as opções de compra de CBIOs e “travar” o preço dos créditos por um período – protegendo-se de eventuais altas repentinas.

As metas flexíveis – e a volatilidade

Mesmo regulado, o mercado de CBIOs ainda é novo e enfrenta desafios para se estabelecer.

O primeiro deles é a volatilidade, evidenciada pela alta de R$ 15 para R$ 200, entre 2020 e 2022. Na última sexta-feira, 15, o crédito era negociado por volta de R$ 96. 

Ao longo de todo o ano passado, os valores registrados ficaram na faixa entre R$ 86 e R$ 151 – com negociações realizadas num mesmo dia apresentando a diferença de R$ 46. Diferentemente de projetos no mercado voluntário de carbono, os CBIOs não possuem diferença de qualidade entre si. 

O segundo desafio é a falta de equilíbrio entre oferta e demanda, que tem reflexos por e sobre as metas estabelecidas pela ANP. “De tempos em tempos, em vez de cobrar os compradores inadimplentes e forçá-los a cumprir a meta, o governo passa a mão na cabeça: ou reduz a meta ou a joga para frente, o que enfraquece o sistema”, afirma Junqueira.

Já no primeiro ano dos CBIOs, as metas sofreram ajustes por conta da crise causada pela covid-19 e a consequente redução no consumo de combustíveis. 

Para 2023, o Ministério de Minas e Energia (MME) reduziu a meta de 42,35 milhões para 37,47 milhões de créditos a serem aposentados pelas distribuidoras até o próximo dia 28 de março. Outros 3,48 milhões de créditos, que não foram entregues em 2022, também deverão ser aposentados neste prazo.

Ao fim do pregão de sexta, havia pouco mais de 26,6 milhões de créditos em circulação no mercado – 17,1 milhões (64%) sob posse das distribuidoras, outros 8,9 milhões (33%) com emissores e o restante, 619 mil créditos, com partes não-obrigatórias. 

Apesar dos desafios, Baldin e Junqueira dizem que o sistema do RenovaBio é “robusto”, o que os encorajou a criar o fundo para operar nesse mercado. 

“Mas, para isso, não dá para o governo mudar a regra toda hora”, afirma o cofundador. “O que estamos dizendo é: ou você acredita em descarbonização e força aqueles inadimplentes a pagarem os seus débitos ou então os bons clientes vão também se sentir desmotivados a continuar cumprindo o que rege o sistema”.