Ainda longe de se tornarem mainstream, ano a ano os investimentos em negócios de impacto vêm avançando no Brasil. Em 2021, o volume de ativos sob gestão alcançou R$ 18,7 bilhões, com um crescimento de 60% em relação aos R$ 11,5 bilhões de um ano antes.
O número de negócios fechados também subiu, de 183 para 319. Diferentemente do ano anterior, no entanto, os valores investidos não foram informados pela maioria dos gestores de recursos participantes da pesquisa feita pela Aspen Network of Development Entrepreneurs (Ande) e lançada nesta semana.
Apenas 11 dos 38 respondentes com investimentos no Brasil abriram essa informação e reportaram um total de R$ 620 milhões em novos investimentos – em 2020, quando todos participantes responderam essa pergunta, o volume havia atingido R$ 1 bilhão. Entram na conta apenas as operações realizadas diretamente por empresas e com valor mínimo de US$ 25 mil.
Do grupo de investidores, 30 têm sede no país e metade são gestoras com fins lucrativos, como a Vox Capital e a MOV Investimentos. Braços de investimentos filantrópicos e comerciais com teses de impacto e ligados a grandes grupos, como Fundo Vale e BTG Pactual, também entraram na lista.
Esta é a segunda edição do estudo feito com foco no Brasil. Antes, os dados do país compunham um capítulo no retrato da América Latina.
A expansão da carteira dos investidores foi um dos destaques do estudo, com 31 dos 38 respondentes tendo participado pela segunda vez.
Do volume total sob gestão, R$ 11 bilhões são atribuídos a gestores classificados como tradicionais, que tiveram um crescimento de 75% em relação aos R$ 4 bi em de 2020.
Desse grupo são excluídos os investidores considerados outliers, basicamente fundos com operações de microcrédito, que têm características próprias que os diferenciam, como o giro mais rápido da carteira.
A mudança no cenário de impacto do país também teve reflexos sobre o relatório. Uma nova pergunta, por exemplo, foi sobre o uso de estruturas de blended finance, que combinam mais de um tipo de capital, em que tipicamente um deles é o filantrópico. Dos respondentes, apenas 34% afirmaram já utilizar o mecanismo.
“Vale lembrar que os dados são referentes a 2021. O blended finance é uma estrutura nova e inovadora, que esperamos que cresça, mas sobre a qual não se falava tanto há dois anos”, diz Flora Bracco, gerente de parcerias da Ande.
Também foi acrescida uma questão sobre a abordagem dos desafios proporcionados pelas mudanças climáticas ao decidir sobre o investimento – 71% dos gestores afirmaram ter feito algum investimento entre 2020 e 2021 em negócios voltados para essas soluções.
Para onde vai o dinheiro
Com uma análise mais quantitativa do que qualitativa, o estudo não capta quais os entraves para os fluxos de investimentos, mas fica evidente a diferença entre o que as gestoras fazem e o que gostariam de fazer.
Mariana Fonseca, CEO da Pipe.Labo, centro de estudos do mercado de impacto brasileiro que analisou os dados captados, diz ter identificado oportunidade de empreendimentos em determinados segmentos a partir do descasamento existente entre o interesse dos gestores por alguns negócios e o quanto efetivamente já investem neles.
“Água, saneamento e higiene; energia e alimentos e agricultura são setores em que a demanda é forte. Tem mais gente buscando”, diz Fonseca.
Os setores que aparecem com mais frequência nos portfólios são alimentos e agricultura, citado por 55% dos gestores, e educação (52%). Mas essa presença não se traduz em volumes investidos. Os segmentos representam apenas 15% e 8% dos ativos dos investidores, respectivamente.
Aquele que mais atrai capital é o setor de serviços financeiros, com 25% dos ativos.
Pelo que mostram os dados, a tese climática já foi comprada, mas a de diversidade e inclusão ainda escorrega. A maior parte dos investidores não tem políticas de investimento voltadas para equidade de gênero e raça (58%, ante 55% em 2020).
Em relação aos estágios das investidas, os gestores seguem dando preferência para negócios na fase seed (61%), venture (58%) e growth (42%). No entanto, mais investidores apostaram em iniciativas em estágio pré-seed (de 29% para 40%) e maduras (12% para 23%).
Para a Ande, este é um indicativo da maior diversificação do investidor de impacto do Brasil. “Por um lado, está inclinado a tomar mais risco em negócios em estágios iniciais; por outro, contemplando oportunidades mais consolidadas, a partir da aproximação do tema de investimentos de impacto com o mundo de investimento, que foi possível graças ao boom do ESG nos debates globais”, ressalta o estudo.