Fundo da Igreja da Inglaterra mantém veto a Vale, mas vê avanços 

O dia 25 de janeiro é um dia importante para religiões cristãs: celebra-se a conversão de São Paulo. Esta, porém, não é a razão que liga a Igreja da Inglaterra a Minas Gerais, Estado brasileiro reconhecido pelo catolicismo. Mas sim o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, que aconteceu neste dia em 2019. 

A igreja criada no século 16 pelo rei Henrique VIII – quando este rompeu com o catolicismo – tem um fundo de pensão para seus clérigos que é um dos mais influentes do mundo em investimentos responsáveis e sustentabilidade.

Com US$ 5 bilhões em ativos sob gestão, o Church of England Pensions Board é o responsável por pressionar gigantes da mineração como Vale, BHP e Anglo American, todas com operações em Minas Gerais, para aumentar a transparência sobre os riscos de suas barragens. 

O fundo se desfez das ações da Vale após a tragédia de Brumadinho e mantém, até hoje, veto a investimentos na mineradora. Mas não desistiu da empresa nem do setor. 

“A Vale é hoje uma empresa muito diferente daquela dos desastres. Mas a mudança leva tempo. E a própria Vale reconhece que ainda está nessa jornada”, disse Adam Matthews, diretor de investimentos responsáveis do Church of England Pensions Board, ao Reset. Ele está em São Paulo para participar do evento anual do Principles for Responsible Investment (PRI).

Matthews diz que o fundo sempre acompanha a evolução das empresas e pode retirá-las de sua lista de exclusão. Ele, porém, evitou dar detalhes sobre o que falta para que a Vale deixe essa lista. 

Um gestor brasileiro que acompanha o assunto diz que investidores internacionais que desinvestiram da Vale esperam a eliminação das barragens classificadas como de risco alto para voltar a apostar na mineradora. As gestoras brasileira Régia e holandesa Robeco derrubaram o veto no ano passado.

Em resposta aos desastres, a Vale iniciou em 2019 um programa de descaracterização de barragens a montante. Nesse tipo de construção, conforme a barragem fica cheia, vai sendo ampliada para cima com o uso do próprio material descartado no processo de mineração, o rejeito. São 30 barragens previstas dentro do programa.

Em agosto, a companhia anunciou não ter mais estruturas no mais alto patamar de risco. 

Junto com outros grandes investidores em mineração, o diretor da Church of England Pensions Board visitou as operações da Vale em Minas Gerais duas vezes neste ano. A segunda foi semana passada, quando se reuniu também com algumas famílias vítimas do rompimento das barragens – Brumadinho deixou 272 mortos. 

Ele reconheceu os avanços que a empresa tem feito na gestão dos rejeitos da operação e nos sistemas de monitoramento. “Eu visitei esses centros, então vi por mim mesmo a mudança, os padrões relacionados a rejeitos”, diz Matthews. 

“É uma empresa que ainda tem problemas a resolver, mas que está avançando.”

Ação coordenada

O Church of England Pensions Board lidera uma coalizão internacional de investidores institucionais para elevar os padrões de segurança e ambientais da indústria de mineração. O grupo é conhecido como Global Investor Commission on Mining 2030 e tem US$ 18 trilhões em ativos sob gestão. 

“Nós, investidores, acreditávamos que a tragédia de Mariana havia sido um evento isolado. E então aconteceu Brumadinho e vimos que estávamos errados”, disse Matthews. “Ficou claro que tínhamos que mudar o nosso relacionamento com o setor de mineração.”

Outros membros da iniciativa incluem os também ingleses Legal & General (1,2 trilhão de libras em ativos) e a americana Pimco (US$ 2,2 trilhão em patrimônio). Ela também é apoiada pelo Principles for Responsible Investment (PRI), uma rede global de investidores de US$ 130 trilhões.

O grupo divulgou nesta semana um plano de 10 anos para o setor, em que indica os padrões  de melhores práticas que espera que as mineradoras investidas atinjam. O plano foi apresentado ao presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva em encontro antes da COP30, que acontece a partir da próxima semana em Belém. 

O plano lembra que o setor de mineração é vital para a transição para uma economia de baixo carbono, pois ela requer matérias-primas essenciais como cobalto, cobre e lítio. 

“Estamos em um ponto de inflexão. Podemos optar por apoiar uma visão de mineração responsável que aborde os desafios sistêmicos do setor. Ou permitir que a energia limpa do futuro nasça de violações ambientais e sociais”, diz Matthews.