
Fazer perguntas, criar imagens, traduzir textos. Qualquer uma dessas simples interações com aplicativos de inteligência artificial (IA) exige um bocado de energia e água para fazer funcionar e manter resfriados os servidores por trás dessa revolução tecnológica.
Com uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo, o Brasil tem a ambição de ser um hub global para a indústria dos data centers. Com investimentos que podem chegar a R$ 2 trilhões na próxima década, segundo cálculos do governo, isso significa introduzir na conversa alguns novos indicadores de sustentabilidade.
Um número que começa a ser ouvido com frequência no setor financeiro é o PUE, sigla em inglês para Power Usage Effectiveness. Quanto mais mais da eletricidade total for usada pelos servidores (e menos por resfriamento ou outras atividades), melhor o PUE.
A Elea Data Centers já captou R$ 2,5 bilhões em emissões de dívidas. A mais recente, realizada em setembro, incluiu metas de melhoria do PUE. A operação de R$ 790 milhões foi coordenada pelo Bradesco BBI e teve participação de UBS BB, BTG Pactual, Itaú BBA e, pela primeira vez, Santander.
A Elea, controlada pela Piemonte Holding e que conta com o Goldman Sachs entre os acionistas, opera instalações e seus planos de expansão incluem uma megaestrutura na zona oeste do Rio de Janeiro, parte de uma iniciativa batizada de Rio AI City (na imagem ilustrativa acima).
Data centers são medidos pela eletricidade que consomem. O projeto da Elea terá o tamanho 1,5 GW, ou seja, vai requerer a mesma quantidade de energia que mais de 5,5 milhões de residências brasileiras típicas. Esse número pode dobrar em expansões futuras.
“Tivemos negociações quanto a meta de eficiência energética porque ela vai requerer investimentos, como de automação. Aplicamos modelos matemáticos para entender se seria possível cumpri-la”, diz Crislaine Corradine, diretora de sustentabilidade da Elea.
Consumo de água
Projetos de data centers dessa magnitude envolvem investimentos iniciais altíssimos. Um deles é o terreno. Por questões técnicas e de performance, as instalações são térreas, portanto ocupam áreas extensas.
Mas a despesa de capital mais relevante envolve a compra das máquinas. Elas são todas importadas e, particularmente no caso das usadas em sistemas de inteligência artificial, já custam caro em dólar.
O Redata, programa de incentivos fiscais para a importação desses equipamentos, ainda vai estabelecer critérios de eficiência energética, mas já existem requerimentos específicos em relação ao consumo de água nos sistemas de resfriamento.
Para ter acesso ao benefício, os projetos terão de consumir no máximo 0,05 litro de água por kWh em seus sistemas de controle de temperatura. Em data centers mais antigos, o índice costuma ficar entre 1,0 e 1,8 litro por kWh.
Apesar do patamar rigoroso do Redata, empresas ouvidas pelo Reset não veem grandes desafios para cumprir a exigência do Redata, pois as instalações serão construídas do zero, com sistemas de resfriamento avançados.
“O teto de 0,05 litro por kWh é realista. Hoje é muito mais comum construir com sistemas fechados”, diz Victor Arnaud, presidente da operação brasileira da Equinix, empresa que tem data centers em 34 países além do Brasil.
Arnaud se refere a um método de controle de temperatura baseado na circulação de água, que envolve poucas perdas por evaporação. Esses circuitos fechados podem utilizar até mesmo água captada de chuva.
Cerca de 80% dos data centers no país usam esses sistemas fechados, segundo a Brasscom, uma associação de empresas de tecnologia, e a porcentagem deve subir para 90% nos próximos anos.
Crescimento exponencial
O interesse do mercado de capitais pelo setor de datacenters tem sido acompanhado pela agência de análise de risco Fitch. Levantamento da companhia estima em R$ 14,5 bilhões as emissões de debêntures sustentáveis do setor desde 2021.
Para a Fitch, o apetite é um reflexo de mais interesse em infraestrutura digital na América Latina. Com o Redata, há um divisor de águas que baixará drasticamente os custos de capex, num setor intensivo em capital. Segundo a agência, cada MW exige até US$ 50 milhões em equipamentos.
Hoje, a capacidade instalada de data centers no país é de cerca de 800 MW, pouco menos de 1% da infraestrutura mundial, que soma 100 gigawatts (GW).
Até 2035, os projetos cadastrados no Ministério de Minas e Energia têm potencial de 13,2 GW. O setor, porém, trabalha com o patamar mais realista de 10 GW.
Promessa global
O parque nacional existente atende principalmente a demanda local – e não dá conta de toda ela. Os datacenters daqui processam só 40% do que o país precisa.
A expansão prevista envolve suprir esse déficit do mercado nacional e também processar aqui dados que serão consumidos em outras partes do mundo.
Um dos negócios vislumbrados é o treinamento de modelos como os que sustentam serviços como ChatGPT, da OpenAI, ou concorrentes de Big Techs como Google e Meta.
Tipicamente, essas companhias contratam os serviços de operadoras de data centers conhecida como hyperscalers. A intenção das companhias que atuam no Brasil é justamente oferecer esse tipo estrutura massiva, aproveitando a matriz elétrica limpa do país.
“É uma demanda que não existe hoje, mas a gente acredita que ela vai explodir quando o mercado norte-americano entender que consegue processar as cargas aqui, sobretudo o treinamento dos modelo”, diz Christiana Weisshuhn, vice-presidente de sustentabilidade da Scala.
Fundada pela Digital Bridge, gestora americana especializada em infraestrutura digital, a Scala também opera no Chile e no México.
Relatório do banco BTG Pactual confirma o potencial do Brasil em exportar os serviços, assim como o vizinho sul-americano Chile. Segundo os analistas, porém, o Redata deveria focar em regiões específicas, como o Nordeste, onde a energia “sobra”.
Victor Arnaud, da Equinix, avalia que o crescimento do setor acontecerá de qualquer forma, já que demanda interna seguirá crescendo, principalmente no uso de IA.
Mas o sistema elétrico vai precisar de ajustes para aguentar toda essa nova demanda, diz Clauber Leite, do Instituto E+, um centro de estudos especializado.
“Datacenters precisam de energia 24 por 7. Uma forma de garantir isso seria exigir armazenamento, como baterias, para uso nos horários de pico. Quem vai estar suprindo, na prática, vai ser o sistema nacional, que tem pegada de carbono [por causa do acionamento de termelétricas] nas horas em que as renováveis deixam de funcionar”, diz.
A Agência Internacional de Energia estima que a energia consumida pelos datacenters no mundo em 2024 veio 30% do carvão, principalmente devido à matriz da China. As fontes renováveis foram responsáveis por 27%, enquanto 26% vieram do gás natural e 15% das fontes nucleares.
Projeções da agência estimam um pico de emissões de 300 milhões de toneladas de CO2 em 2030 relacionadas ao consumo do setor. Neste ano, a estimativa é que elas sejam de 200 milhões, o que representa 0,5% das emissões globais.Apesar de relativamente baixas, a AIE ressalta no relatório Energy and AI que as emissões do setor estão entre as poucas — junto com as do transporte rodoviário e da aviação — que crescerão nos próximos anos.