Dando sentido ao ESG em mercados emergentes: as oportunidades de investimento em infraestrutura

É possível aproveitar a liquidez global para dar um salto e queimar etapas em relação às economias desenvolvidas, que têm uma base maior de infraestrutura para atualizar, escreve o CEO da IG4 Capital, Paulo Mattos

Dando sentido ao ESG em mercados emergentes: as oportunidades de investimento em  infraestrutura
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Investimentos de impacto e benchmarks ambientais, sociais e de governança (ESG) se tornaram objetivos comuns para empresas e investidores em todo o mundo depois que a Organização das Nações Unidas lançou seus 17 objetivos de desenvolvimento sustentável,  incluindo fome zero, boa saúde e bem-estar, água potável e saneamento, entre outros.

A ONU estima que essas metas podem ser alcançadas com aproximadamente US$ 6 trilhões de investimentos, especialmente nas economias em desenvolvimento. 

No entanto, o fenômeno do aquecimento global está mostrando para a  humanidade que precisaremos de muito mais do que investimento nos ODSs para consertar o que a sociedade industrial moderna criou nas últimas décadas. 

Precisamos de um esforço global para transformar as economias desenvolvidas e em desenvolvimento juntas e repensar como projetamos e organizamos a vida industrial nas sociedades modernas globalmente. 

The Green New Deal, livro do economista americano Jeremy Rifkin que foi publicado no ano passado, compartilha as mesmas conclusões de outros livros publicados recentemente, incluindo The Case for the Green New Deal, da economista Ann Pettifor.

Se não introduzirmos uma regulamentação de mercado para reduzir drasticamente o consumo de combustíveis fósseis e introduzir novos padrões de comportamento de consumo relacionados a energia, alimentos e bens, as próximas gerações podem enfrentar um desastre que irá, de forma desorganizada, impactar e mudar a forma como o capitalismo moderno e as democracias foram concebidas.

Ainda temos tempo — embora não muito — para impulsionar a mudança de forma organizada e planejada. A maior parte dos esforços e impactos positivos destinados a evitar maiores danos relacionados ao aquecimento global estão diretamente ligados ao que pode ser chamado de ‘infraestrutura da Terceira Revolução Industrial’. 

Mais especificamente, nas palavras de Rifkin, isso pode ser representado por “novas tecnologias de comunicação, novas fontes de energia, novos modos de mobilidade e logística e novos ambientes construídos, permitindo que as comunidades gerenciem, energizem e movam sua atividade econômica, vida social e governança de forma mais eficiente”.

Estudos publicados nos últimos anos por pesquisadores de economias desenvolvidas já apontam soluções de engenharia e tecnologia para alterar a forma como projetos de infraestrutura são concebidos, planejados e executados. 

Drawdown: The Most Comprehensive Plan Ever Proposed to Reverse Global Warming, de Paul Hawken, e Sustainable Materials without the Hot Air, de Julian Allwood e Jonathan Cullen, são bons exemplos de ideias perspicazes com uma abordagem muito pragmática para soluções práticas e executáveis.

O que pode estar faltando é como criar uma nova tendência nos processos de tomada de decisão de alocação de capital nos mercados financeiros e de capitais globais para financiar essa infraestrutura da Terceira Revolução Industrial. 

Isso poderia se tornar um objetivo comum dos gestores de fundos e ativos em um esforço global de autorregulação em relação a investimentos de impacto e ESG. Provavelmente também deve se tornar um novo padrão a ser perseguido e desenvolvido por governos e agências multilaterais na regulação econômica de mercados vinculados a ESG.

Tropicalizando a discussão

Um argumento comum de políticos em economias em desenvolvimento é que eles deveriam ter mais tempo para usar as mesmas estratégias usadas pelas economias desenvolvidas para industrializar e construir infraestrutura em seus países de origem. 

O Brasil, sob uma variedade de governos que adotaram diferentes ideologias políticas nos últimos 25 anos — que vão desde a atual extrema direita (Bolsonaro), passando pelo centro (Cardoso), até a esquerda (Lula e Rousseff) — adotou a mesma linha de raciocínio conservadora. 

Sob essa forma conservadora de pensamento, as políticas ambientais e sociais devem ser concebidas e adotadas primeiro nas economias desenvolvidas. Assim, os países em desenvolvimento deveriam ter um ‘perdão’ no tempo até que alcancem um padrão de desenvolvimento mais responsável.

Discordo deste argumento e acredito que podemos estar perdendo uma oportunidade de criar valor em mercados emergentes de forma disruptiva. 

Uma vez que as economias em desenvolvimento têm uma enorme lacuna em termos de infraestrutura, os investimentos em mercados emergentes podem e devem incorporar novos padrões e tecnologias que podem ser adotados de forma mais fácil e rápida do que nas economias desenvolvidas.

As economias desenvolvidas irão potencialmente sofrer mais e gastar mais para substituir ou modernizar seus ativos de infraestrutura nas próximas décadas, pois, para começar, eles têm uma base maior para atualizar. 

Por outro lado, os mercados emergentes podem construir novos ativos do zero, que já incorporem tecnologias mais eficientes e modernas que tornarão esses países e sociedades mais sustentáveis, eficientes e prósperos no longo prazo do que os países que continuam a queimar combustíveis fósseis e a destruir o ambiente. 

Além disso, as ineficiências nos mercados em desenvolvimento são tão relevantes que o investimento de impacto e as estratégias ESG podem fazer ainda mais diferença em termos de criação de valor.

Isto pode ser conceituado na economia como o ‘leapfrog effect’ (ou ‘efeito de salto’) na adoção de uma infraestrutura da Terceira Revolução Industrial nos mercados em desenvolvimento. 

Estratégias de investimento que adotam tecnologias e sistemas gerenciais modernos com foco em ESG podem potencialmente gerar mais valor nos mercados em desenvolvimento sem passar por etapas intermediárias já tomadas nos mercados desenvolvidos (agora com sua infraestrutura central em uma situação de perigo potencial).

Há uma enorme liquidez nos mercados financeiros e de capital globais, e as economias emergentes não devem perder a oportunidade de modernizar e expandir ativos de infraestrutura sob novos padrões de investimentos ESG. 

Pode ser também a maneira mais eficiente, rápida e inteligente de recuperar os mercados profundamente afetados pela recessão causada pelo covid-19.

* Paulo Mattos é CEO da IG4 Capital e presidente do Conselho de Administração da Iguá Saneamento S.A.