As lições do milionário que aloca 100% dos seus investimentos em impacto

Para Charly Kleissner, a discussão sobre retorno financeiro da estratégia já foi superada. O próximo passo é falar em retornos ponderados por impacto e fomentar o 'blended finance'

As lições do milionário que aloca 100% dos seus investimentos em impacto
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Charly Kleissner saiu do boom de IPOs de tecnologia do fim dos anos 1990 com muito dinheiro no bolso — e vontade de fazer algo diferente com ele. 

Nascido na Áustria, ele foi para o Vale do Silício no fim dos anos 1980, onde trabalhou com Steve Jobs na NeXT Computer, a empresa responsável pelo sistema operacional que mais tarde garantiu o retorno triunfal de Jobs à Apple. 

Kleissner lançou outras três startups, que foram vendidas ou chegaram à Nasdaq.

E em 2001 fez um pedido pouco usual ao assessor financeiro, acostumado a lidar com a leva de milionários instantâneos formados em São Francisco nessa época. Ele e sua esposa Lisa queriam alinhar seus investimentos “com valores nos quais acreditavam”. 

Receberam como retorno um sonoro:  “não sei se é possível”.  

Demorou um tanto, mas foi.

Já faz alguns anos, 100% dos investimentos da família visam impacto socioambiental positivo em alguma esfera.

Os Kleissner são fundadores da Toniic, uma comunidade global de investidores de impacto de nome bem humorado — numa alusão a sua prima um pouco mais velha, a GIIN, de Global Impact Investing Network. 

E foi deles a iniciativa de fazer a The 100% Network, um subgrupo da comunidade que reúne apenas investidores endinheirados que querem levar o impacto em consideração em toda sua alocação de capital. 

“Nós não entendemos a posição de ter riqueza só para criar mais riqueza”, disse no Impacta Mais ON, evento virtual organizado por ICE, Vox Capital e Impact Hub. “Acreditamos que nossa riqueza vem com a responsabilidade de fazer algo útil.” 

Segundo ele, a filantropia tradicional por si só — “onde você dá dinheiro e não tem uma parceria ou ‘skin in the game’ do outro lado” — não é suficiente para resolver os problemas sistêmicos do nosso tempo, como injustiça social e desigualdade. 

A jornada em direção à alocação completa em impacto começou com a KL Felicitas Foundation, fundação que reúne uma parte do patrimônio da família desde o começo dos anos 2000. 

Com recursos administrados pela Sonen Capital, a KL Felicitas publicou um relatório mostrando que, de 2006 a 2016, teve um retorno de 2,75% ao ano, 37 pontos-base acima do benchmark do portfólio. Na época, o patrimônio era de US$ 10 milhões.

Num relatório que vai fundo nas mensurações de risco, retorno e impacto, a Felicitas mostra que 47% do seu portfólio está dentro da categoria mais avançada de impacto: a que contribui para soluções. (Uma matriz recomendada pelo Impact Management Project divide o impacto em A, B e C: a primeira evita o mal — avoid harm —, a segunda beneficia as pessoas e o planeta e a terceira contribui para soluções.)

“Conseguimos mostrar ao mercado que temos um histórico de dez anos com retornos de mercado ao longo de todo o portfólio. A maioria das pessoas acredita que isso não é possível”, aponta. 

O próximo passo: blended finance

Kleissner acredita, contudo, que chegou a hora de superar essa discussão. 

Segundo ele, o impacto real, para mudar questões sociais sistêmicas, só vai ser atingido quando os investidores começarem a olhar pela ótica de “retornos apropriados para o impacto”. 

“Os ‘deep impact investors’ estão mudando essa conversa de discussão de retornos compatíveis com o mercado para retornos apropriados ao impacto que você quer gerar. Apropriado pode ser acima do mercado, abaixo do mercado ou o que quer que seja”, disse. 

“Se você quer mudança sistêmica, precisa integrar impacto à equação de risco e retorno e não olhar só o risco e retorno financeiro, mas também o risco e retorno em termos de impacto”, diz. 

Segundo ele, é mais óbvio gerar retornos em torno da agenda ambiental. “Se você está à frente do mercado, uma hora vão se dar conta que as externalidades precisam ser internalizadas, e você vai surfar a onda financeira e fazer muito dinheiro”, diz. 

“Mas os mercados da forma que são hoje não resolvem justiça e igualdade social. Se você efetivamente se importa e quer mudar isso, tem que superar as restrições de retorno.” 

Nesse sentido, ele defende a importância do blended finance, mecanismo que mistura capital filantrópico para assumir mais risco, com capital especulativo que cobra retorno. Segundo ele, hoje 83% dos associados da Toniic têm uma rede filantrópica, o que permite alinhar a concessão de grants com investimento.