ESG vem de berço: Empreendedorismo, propósito e O Gato de Botas

Na primeira coluna de 2023 a ideia é estimular adultos e crianças a fazer acontecer

ESG vem de berço: Empreendedorismo, propósito e O Gato de Botas
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Ano novo, mãos à obra. É tempo de realizar.  Na primeira coluna de 2023, a ideia é estimular adultos e crianças a fazer acontecer. 

No mundo dos negócios, o abismo entre uma ideia na cabeça e um resultado transformador pode ser intransponível — no mínimo, desestimulante a um primeiro olhar.  

Reverter o atraso do Brasil (ou, com um olhar ainda mais ousado, tornar o país uma referência) em questões como educação, saúde, moradia, saneamento, gestão ambiental, equidade de oportunidades e infinitos outros temas remete inevitavelmente ao conceito e à atitude de empreender.

Exige olhar voltado para o inédito, a visão de algo a ser construído e a capacidade de concretização.

Como explicar para uma criança o que significa empreender? Como mostrar a ela que é possível tirar um projeto do papel? Como construir o raciocínio que leva à materialização de uma intenção – e conseguir que ela acompanhe?

Não recorra à pedagogia. Nem ao dicionário. Muito menos a um discurso longo e impalpável sobre um futuro muito distante. 

Abra um livro de história. A literatura infantojuvenil é uma velha senhora, com um vasto currículo, cheia de estratégias especiais para tratar de temas complicados com jovens leitores. 

Empreendedorismo pode parecer algo muito técnico ou específico, mas existe desde que o mundo é mundo se o olhar para ele for mais amplo do que o de um manual de negócios.

Essa senhora também é mestra em apresentar aos pequenos, de forma leve, divertida e profunda, histórias de sonhos realizados e de propósitos alcançados. Não deixa de mostrar também, com muita transparência, as razões pelas quais alguns objetivos não são atingidos. 

Os contos de fadas, por exemplo, são um belo catálogo de benchmarks, com casos bem e mal sucedidos, entre eles, a história de “O Gato de Botas”.

Esperando conseguir fugir do óbvio, vou sugerir abaixo algumas leituras sobre empreendedores – stricto e lato sensu –, sobre ideias brilhantes e sobre personagens que não resistiram ao impulso de fazer alguma coisa para melhorar uma situação. Inspirador e esclarecedor!

A mulher que plantou milhões de árvores

Frank Prevot e Aurélia Fronty (Editora Galerinha, 2013)

A queniana Wangari Maathai foi a primeira mulher africana a receber o Prêmio Nobel da Paz, em 2004. Ela também foi a primeira mulher da África do Leste e da África Central a fazer um doutorado. Ela certamente foi a primeira em muitas e muitas realizações. 

A mais grandiosa deve-se a uma grande sacada: perceber que uma árvore vale mais que a sua madeira, ou, como ouvimos com mais frequência, uma árvore em pé vale mais que uma árvore derrubada. 

Em 1977, ela fundou o Movimento Cinturão Verde em seu país, uma ONG que encoraja mulheres a plantar árvores, com foco na luta contra o desmatamento e contra a degradação do meio ambiente. Descobriu talentos, formou equipe, captou recursos, executou estratégias de marketing e atuou nas relações com uma gama muito variada de stakeholders. Estima-se que mais de 30 milhões de árvores foram plantadas graças a essa iniciativa. 

A história do seu trabalho, de sua visão e de sua vontade de transformar virou um livro que é um espetáculo para os olhos (resultado do talento da ilustradora francesa Aurélia Fronty) e uma enorme inspiração para quem quer seguir seus passos. 

O Pássaro Amarelo

Olga de Diós (Editora Boitempo, 2016)

Da autora e ilustradora espanhola focada em conteúdos para a infância que tratam de solidariedade, justiça e igualdade, Pássaro Amarelo conta as aventuras de um pássaro verdadeiramente empreendedor. Ciente de suas limitações para voar, não se acomoda e persiste até encontrar uma maneira de conhecer o mundo. 

Não guarda, porém, seu invento apenas para seu benefício. Compartilha sua ideia, adapta seu aparato e permite que muitos desfrutem da maravilha que é poder voar e de todas as vantagens que isso pode trazer. Um passarinho carinhoso, com o olhar voltado ao outro e com a sede de transformação no DNA. 

O livro foi premiado várias vezes na Espanha e no mundo, inclusive na categoria de melhor álbum infantil internacional, na Feira do Livro Infantil de Xangai, em 2013.

Os meninos da biblioteca

João Luiz Marques e Rômolo (Editora Biruta, 2015)

Esse livro é um baú de muitos tesouros. Conta a história do protagonismo do menino Heitor, de 12 anos, em sua primeira luta política: defender a biblioteca do seu bairro. Antes disso, Heitor já tinha um blog de literatura, o Le-Heitor. E também já tinha organizado clubes de leitura. Já era um fazedor. 

E, para impedir que o quarteirão da biblioteca seja vendido a empresários do mercado imobiliário, por iniciativa do prefeito da cidade, ele cria um movimento de resistência que reúne personagens clássicos da literatura infantojuvenil mundial, amigos e também personagens reais. Reais? Sim, porque essa biblioteca, essa cidade e esse prefeito existem e têm nome. 

Falamos da Biblioteca Infantil Anne Frank, localizada no bairro do Itaim, na cidade de São Paulo. Em 2011, o quarteirão que ocupa e que reúne também outros equipamentos públicos de saúde, arte, cultura e meio ambiente foi ameaçado. 

Graças à mobilização da comunidade do bairro, a biblioteca foi salva – e todos os seus habitantes: leitores, personagens e bibliotecários. Como bônus, o prédio foi tombado pelos órgãos estadual e municipal de preservação histórica, garantindo a sobrevivência do conhecido “Quarteirão da Cultura” do Itaim Bibi.

Heitor também tinha um sonho: virar personagem de um livro. Esse livro, agora, espera despertar nos seus leitores a vontade de participar de grandes decisões. 

Obs: O blog do Heitor também existe!

Nicolau tinha uma ideia

Ruth Rocha e Alcy (Editora Moderna, 2014)

A genial Ruth Rocha, 91 anos, uma das maiores autoras de literatura infantojuvenil do Brasil, criou uma história divertida para mostrar que uma boa ideia presa na cabeça não serve para muita coisa. 

Nicolau decidiu dar o primeiro passo e compartilhar a sua. Com isso, ganha a confiança de seus interlocutores e passa a conhecer muitas ideias, assim como as pessoas com quem encontra. O resultado é uma enorme bola de neve de boas ideias, que amplia o mundo de quem as acessa e abre inúmeras possibilidades. 

O livro já está na sua 17ª edição. Essa, feita com o ilustrador Alcy, é mais lúdica e focada nas descobertas que uma atitude de escuta e receptividade pode proporcionar. 

Outra delas, em parceria com a ilustradora Mariana Massarani, tem como protagonista uma comunidade pré-histórica e uma narrativa mais concreta, mostrando como a soma das ideias pode levar ao aperfeiçoamento e a uma transformação positiva na qualidade de vida de um grupo. Pode ser encontrada em lojas de livros usados, físicas e digitais.

Herberto

Lara Hawthorne (Editora 34, 2016)

Herberto é o empreendedor mais meigo e modesto que você vai encontrar nessa lista de livros. Modesto porque ele é só uma lesma. E qual é o legado das lesmas para o mundo? Ao contrário de seus companheiros de jardim – formigas, aranhas e besouros, ele só sabe comer alface e não é capaz de se ver construindo nada. 

Uma história bem pensada, com imagens simples, beirando o onírico, que vão conduzindo o leitor pelo caminhar (e pelo arrastar-se) de tantos insetos até o desfecho surpreendente. A autora e ilustradora inglesa foi finalista de prêmios de arte literária e gosta de pintar seres considerados “nojentos” pela maioria. Graças ao seu olhar atento ao diverso, descobriu uma obra de arte.

Dandara Guerreira em Cordel

Madu Costa e Carol Fernandes (Mazza Edições, 2022)

Dandara reúne diversas características de uma empreendedora: coragem, visão, liderança incontestável e disposição para o trabalho. Seu ideal: a liberdade de uma comunidade inteirinha. 

São muitas as razões pelas quais ela foi apagada das páginas da história. Viveu no século XVII e não há documentos que registrem sua existência. Era mulher, negra e esposa de Zumbi, o último líder do Quilombo dos Palmares. Sua presença, sua história e seus feitos chegam a nós pela oralidade. 

Essa obra, escrita em linguagem de cordel – em versos e com rimas –, recupera a memória dessa personagem tão simbólica para a cultura brasileira e para tantas mulheres negras. É também inspiração para meninas, negras ou não, para quem muitas vezes faltam modelos de luta por um propósito. 

Carol Fernandes já ilustrou outros livros recomendados nessa coluna e consegue transmitir força em seus desenhos. Madu Costa é professora de artes e de literatura há mais de 40 anos e já publicou nove livros infantojuvenis ao longo da carreira. Ambas, como Dandara, também são fonte de inspiração.

P.S.: Um parágrafo só para lembrar o leitor e seus pequenos leitores do impacto de uma livraria de rua em seu entorno. Além de um estabelecimento comercial, uma livraria é um lugar de encontros. Entre vizinhos, entre leitores e autores, entre livreiros e apaixonados por livros. É, sobretudo, um lugar onde muitas ideias se encontram. Elas geram emprego, pagam impostos, iluminam o bairro, em todos os sentidos. Sempre que possível, compre seus livros em uma livraria de rua, de preferência, independente (aquela que não pertence a uma grande rede, normalmente mais capitalizada). Dê-se o tempo e o prazer de circular por uma e prestar atenção no seu catálogo, nos seus funcionários, na sua história. Vai ser, no mínimo, encantador!