
A International Finance Corporation (IFC), braço de investimento privado do Banco Mundial, aprovou um financiamento de € 65 milhões (cerca de R$ 400 milhões) na America Embalagens, fabricante brasileira de embalagens plásticas. O investimento faz parte da meta da IFC de acelerar o uso de materiais recicláveis no país.
O financiamento foi estruturado na forma de empréstimo com metas de desempenho ambiental e social (sustainability-linked loans, em inglês). Nesse tipo de operação, a empresa tem condições financeiras mais vantajosas, como taxas de juros mais baixas, se atingir as metas acordadas. As condições da operação não foram divulgadas.
“É um projeto estratégico de circularidade, que contribui para as metas do Acordo de Paris e para fortalecer a resiliência da indústria brasileira”, diz Raphaël Eskinazi, gerente regional de investimentos em manufaturas e florestas da IFC para América Latina e Caribe.
O investimento é o primeiro da IFC na economia circular de plásticos na América Latina. A empresa faz parte do grupo Évora e tem quatro unidades fabris, sendo três no Brasil e uma na Argentina. Entre os clientes estão marcas como Dove, Eudora, Natura e Garnier.
Metas
A meta ambiental da America Embalagem definida no empréstimo é atingir ao menos 20% de uso de resinas recicladas ao longo da vigência do contrato, que é de oito anos.
A diferença entre resina verde e resina reciclada é que esta última já foi utilizada uma vez e foi reaproveitada. Já a resina verde é um material virgem, mas feito a partir de materiais sustentáveis, como o etanol, por exemplo.
Além disso, a IFC apoiará a empresa na revisão da estratégia de sustentabilidade, no mapeamento da origem das matérias-primas e na busca por certificações de produção responsável.
“Além das metas de circularidade, a empresa deve cumprir nossos padrões de desempenho ambiental e social, que incluem critérios de rastreabilidade, emissões e gestão de resíduos”, explica Eskinazi. A IFC fornecerá consultoria técnica para definir indicadores (KPIs) que serão monitorados a partir de 2026.
O financiamento também tem metas sociais: a America Embalagens se comprometeu a aumentar a participação feminina em cargos técnicos, de 19% para 30% até 2033, investindo em capacitação e programas de formação para mulheres nas áreas de ciência, tecnologia e engenharia.
“O perfil técnico da indústria de plásticos ainda é predominantemente masculino. Queremos atrair mais mulheres para o chão de fábrica, nas funções de liderança de equipamentos e operação”, afirma Gustavo Alvarez, CEO da companhia.
Alocação dos recursos
Com o aporte, a America Embalagens irá implementar duas linhas de produção de bisnagas plásticas, com capacidade total de 200 milhões de unidades por ano, voltadas aos segmentos de cuidados pessoais e beleza.
O diferencial é a possibilidade de utilizar até 80% de conteúdo reciclado, reduzindo a dependência de resina virgem e as emissões associadas à produção.
O projeto inclui uma tecnologia capaz de combinar camadas de diferentes materiais em um mesmo corpo de embalagem, sem comprometer a reciclabilidade ou o desempenho.
Segundo o CEO da companhia, esse investimento prepara a empresa para a nova legislação nacional que obrigará o uso de plástico reciclado a partir de 2026.
O governo federal publicou na semana passada o decreto que institui o sistema de logística reversa de embalagens de plástico. O texto estabelece metas de reciclagem para indústrias cujos produtos geram resíduos plásticos após o consumo e também define metas de uso de plástico reciclado na composição de novos produtos e embalagens.
“Cada tipo de conteúdo exige testes de compatibilidade com o material da embalagem. Nossas linhas permitem ajustar a proporção de reciclado conforme o produto, chegando a até 80%”, explica Alvarez. “É uma vantagem competitiva em um momento em que o mercado busca embalagens mais sustentáveis, mas sem abrir mão da performance.”
Competitividade
Apesar do avanço tecnológico, o uso de resinas recicladas ainda enfrenta barreiras econômicas. O plástico pós-consumo (PCR) tem custo fixo maior, porque envolve transporte, lavagem e triagem, além de não contar com incentivos fiscais.
“Mesmo assim, a obrigatoriedade legal e a pressão dos consumidores vão impulsionar a adoção. Além disso, uma embalagem mais leve, com 20% de redução de peso, ajuda a compensar parte desses custos”, afirma Alvarez.
Ele acrescenta que a produção de bisnagas é estratégica para a diversificação do portfólio da empresa, que até então atuava principalmente na produção de tampas, potes e frascos.
“A bisnaga é versátil e permite o lançamento rápido de novos produtos sem grandes investimentos em moldes personalizados. Com essa capacidade, passamos a atender um nicho de maior valor agregado.”
A primeira fase da expansão, iniciada em 2025, deve atingir metade da capacidade prevista, de 100 milhões de unidades, e atender 10% do mercado brasileiro de bisnagas plásticas para os setores de higiene e beleza.
Foco no Brasil
O Brasil é o maior produtor de plásticos da América Latina, respondendo por mais de 90% da produção regional. Segundo dados da Abiplast, o país reaproveitou 20% dos resíduos plásticos gerados em 2024, um aumento de oito pontos percentuais em relação ao ano anterior.
O avanço é impulsionado por políticas de logística reversa, pela pressão regulatória e pelo aumento da demanda por plástico pós-consumo.
A IFC vê o país como um laboratório de inovação para o setor. “O Brasil tem uma indústria robusta, e investir em circularidade é investir em competitividade”, diz Eskinazi. “Nosso foco é apoiar empresas que consigam transformar cadeias inteiras e criar novas referências de sustentabilidade.”
O financiamento à America Embalagens se soma a outros da IFC em empresas brasileiras, com foco em transição verde e produtividade. Em 2024, a instituição financiou a Sabesp, para ampliar o acesso a água e saneamento; e a Kepler Weber, no setor de armazenamento de grãos de baixo carbono. Também apoiou o Magalu, para acelerar a digitalização de pequenos varejistas, e a Afya, que atua em educação médica e inovação tecnológica.