Fundador do maior hedge fund do mundo, Ray Dalio vem sendo um dos maiores defensores da ideia de que o capitalismo como é hoje não está funcionando e precisa ser reformado.
A crescente desigualdade social e o aumento do populismo tem levado a tensões sociais e políticas dentro e fora dos países — criando um cenário de incerteza cada vez maior e que tem sido incorporado às análises feitas pela Bridgewater, que gere mais de US$ 160 bilhões.
Agora, a gestora quer sair do discurso e começar a converter o diagnóstico em solução.
Segundo a Bloomberg, o hedge fund está lançando duas estratégias sustentáveis que devem começar a operar no começo do próximo ano.
Serão versões ESG do consagrado portfolio All Weather, pensado, como diz o nome, para performar bem em qualquer cenário de mercado. A ideia central não tentar prever as tendências macro, mas ter uma composição diversificada e descorrelacionada. Desde a fundação em 1996, o All Weather, que responde por metade dos recursos da gestora, rende 7,7% por ano em dólar.
Um dos novos produtos será oferecido na forma de UCITS, hedge funds negociados na União Europeia, em parceria com a francesa Lyxor Asset Management, do grupo Societe Generale.
“A jornada de investimento sustentável escalável é uma prioridade estratégica para a Bridgewater e seus clientes. Usando o mesmo processo de pesquisa e análise que desenvolvemos ao longo dos últimos 40 anos, construímos um processo sistemático para unir as características financeiras e de sustentabilidade dos portfólios”, disse o diretor de operações da Bridgewater, Brian Kreiter, em nota divulgada pela Lyxor.
Wall Street feat. ONU
Na nova estratégia, a Bridgewater vai incluir uma camada de seleção de ativos avaliando se eles promovem ao menos um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) da ONU, que incluem erradicar a pobreza, ampliar acesso à educação e combater a mudança climática.
Em uma entrevista concedida em setembro ao Top 1000 Funds, a diretora de pesquisa para investimento da Bridgewater Karen Karniol-Tambour detalhou como funciona a estratégia.
Além de incluir as camadas ESG em toda a análise macro da gestora, ela incorpora a dimensão de impacto ao risco e retorno.
“É uma mudança enorme de perspectiva. Há alguns anos parecia uma ideia aspiracional e impossível, no sentido de que era uma ideia bonita, mas não era alcançável e prática, principalmente para grandes investidores institucionais”, disse.
“Hoje, onde estamos é possível para qualquer investidor, em qualquer escala, construir seu portfólio nas três dimensões, pensar em risco e retorno e impacto em portfólios institucionais grandes e escaláveis em todas as classes de ativos”.
No processo da Bridgewater, tão importante quanto escolher os ativos — cuja avaliação de impacto é feita juntamente com provedores externos — é medir o retorno desse impacto
“O amplo ecossistema de investidores que se importam com essas questões cada vez mais está construindo uma ampla gama de dados que deve permitir uma análise cada vez mais profunda desse impacto na ponta”.
A importância das questões sociais
Muito antes da Covid e de movimentos como o Black Lives Matter, Ray Dalio já vinha alertando sobre os impactos da desigualdade, seja de renda, de riqueza ou de oportunidade, para a economia americana e seus efeitos para a economia mundial.
“Essas condições enfraquecem os Estados Unidos economicamente e ameaçam trazer um doloroso e contraproducente conflito doméstico, minando a força dos Estados Unidos em relação a seus competidores globais”, escreveu num artigo seminal no começo de 2019 no Linkedin.
Na mais recente da sua série de publicações, feita no começo do mês, ele pondera se os Estados Unidos não estariam num ponto de inflexão, que poderia levar o país de uma tensão ‘gerenciável’ para o caos completo.
“Como os Estados Unidos vão lidar com esses caos terá profundas implicações para os americanos, para outras pessoas ao redor do mundo e a maioria das economias e dos mercados”, afirmou.
As reflexões do fundador e hoje co-CIO da Bridgewater tem forte impacto sobre o modo com a gestora faz sua análise de cenários.
Para além dos portfólios focados nos ODSs, a casa tem cada vez mais se preocupado com o impacto das questões sociais na condução das suas análises para todo o portfólio
Para Kariol-Tambour, essas questões cada vez mais vão guiar os mercados.
“Hoje temos a maior divergência entre aspectos macroeconômicos e sociais desde a crise econômica [de 2008]. Uma grande expansão monetária foi muito bem sucedida em termos de reduzir o desempenho, manter a inflação e garantir essas condições macro, mas ao mesmo tempo as condições sociais, como saúde, educação, segurança, só estão se deteriorando”, disse a economista na entrevista para o Top 1000 Funds.
Agora, com a piora na economia trazida pela covid, tanto as condições sociais quanto as macroeconômicas estão se deteriorando.
“Os policymakers estão pesando as questões sociais de forma muito mais explícita nas suas escolhas fiscais e monetárias. Por isso, a importância de entender essas escolhas e pensar mais nessas escolhas como investidor cresce”.