A letra V estampada nas laterais aparece nos tênis usados por personalidades como a princesa Kate Middleton e as atrizes Reese Witherspoon, Emma Watson e Katie Holmes.
“É raro ver tantas celebridades de primeiro escalão gravitando em torno de sapatos que custam menos de US$ 500. Mas é fácil ver por que elas gostaram tanto desse par em alta”, escreveu a revista InStyle.
Por aqui, foi na Faria Lima, o centro financeiro de São Paulo, que a Vert se popularizou. “Não sabemos como aconteceu, foi até um pouco inusitado”, diz o fundador da marca, François-Ghislain Morillion.
Mas o sucesso dos tênis entre a turma do colete é a prova de que a Vert acertou na receita.
A empresa nasceu com o objetivo de fabricar calçados respeitando o meio ambiente e remunerando de forma justa toda a cadeia produtiva, sem abrir mão da estética.
“Tentamos sempre fugir do que chamamos de ‘granola’, aquela coisa marrom e triste que se imagina para ecologistas. O que faz um tênis bombar não é a sustentabilidade, é a moda. E tudo bem”, diz Morillion.
Por trás dos modelos minimalistas que são o carro-chefe da Vert, há uma rede de fornecedores de matérias-primas que se estende do Rio Grande do Sul ao Acre, montada de acordo com critérios socioambientais rigorosos.
Quase a totalidade dos 4 milhões de pares que a empresa vende em 30 países é fabricada no Brasil (a exceção é uma pequena parte feita em Portugal). A Vert faturou € 250 milhões no ano passado.
A história começou há mais de 20 anos, em Rondônia.
Morillion e Sébastien Kopp, seu sócio e amigo de infância, abriram uma consultoria de sustentabilidade no começo dos anos 2000. Viajaram para China, África do Sul e Índia, visitando fábricas e minas que forneciam para grandes empresas europeias.
Foi auditando uma cooperativa que produzia palmito pupunha cultivado em agroflorestas no Norte do Brasil que a dupla vislumbrou como um negócio poderia levar melhorias ambientais e sociais até as pontas mais extremas da cadeia de fornecimento.
Ambos são sneakerheads, então escolher o produto não foi difícil. “Tênis sempre teve uma produção muito associada a trabalho infantil e escravo, e também simboliza essa relação injusta, o Sul do mundo explorado para produzir para europeus e americanos”, diz Morillion. “A possibilidade de fazer diferente nos atraiu.”
A cadeia produtiva ‘made in Brazil’
A borracha da sola é da Amazônia, o algodão vem do Nordeste e o couro, do Rio Grande do Sul e Uruguai. Desde que definiram o que viria a ser a empresa, Morillion e Kopp trabalharam com ONGs e cooperativas brasileiras para estruturar o que viria a ser a cadeia de fornecimento.
No que os fundadores chamam de desconstrução da cadeia de fornecedores, a Vert mantém contato direto com as cooperativas e produtores que fornecem cada um desses insumos e acompanha as condições de trabalho nas fábricas parceiras – duas no Rio Grande do Sul e duas no Ceará.
Os contratos firmados com quem está no campo, no geral, têm duração de três anos, com reajuste anual conforme a inflação, e o preço pré-estabelecido acima do nível do mercado.
A borracha é o principal ingrediente dos tênis. São mais de 710 toneladas fornecidas por aproximadamente 2 mil seringueiros da região amazônica – 70% do Acre e o restante do Amazonas, Rondônia e Mato Grosso.
Enquanto o preço no mercado é pouco acima de R$ 3/kg de borracha, a Vert pode pagar até R$ 15,50. Além do custo da matéria, o valor também leva em conta a prestação de serviços florestais.
“Treinamos as pessoas para que façam um trabalho de conservação da floresta e fazemos o monitoramento por uma ferramenta desenvolvida com [a ONG] Imaflora. Se houve a conservação, pagamos um bônus. Se não houve, fazemos um termo de ajuste e, caso se repita, infelizmente, a família produtora sai do projeto”, diz Morillion.
Já na compra do algodão, as safras são pré-financiadas em até 50%, dando segurança de receita aos produtores antes mesmo do plantio. Em contrapartida, o algodão deve ser orgânico e plantado junto a pelo menos outras duas culturas. Os fornecedores da Vert contam com assistência técnica das ONGs Esplar, de Fortaleza, e Diaconia, de Recife.
Distribuídos em oito Estados do Norte e Nordeste do Brasil, além da província peruana de Chincha, mais de 1200 famílias fornecem as 350 toneladas de pluma e fio de algodão necessárias por ano. A Vert diz pagar por quilo, em média, o dobro do mercado, contando com incentivos para produtores que utilizam práticas ecológicas.
No outro extremo do país, o couro tem origem no gado dos Pampas gaúchos ou uruguaios. “Escolhemos a região Sul para evitar a ‘lavagem de couro’ que os frigoríficos fazem quando criam bezerros em áreas de desmatamento na Amazônia, e depois os mandam para São Paulo ou Mato Grosso”, diz o fundador.
A solução encontrada foi trabalhar com cadeias mais curtas, mais próximas do nosso escritório, diz Morillion, que conversou com o Reset de Campo Bom, no Rio Grande do Sul.
A empresa também está trabalhando para que o plástico PET reciclado usado na produção de tecidos seja rastreado e tenha uma cadeia definida e clara como as demais matérias-primas. Junto a cooperativas, a Vert está abrindo um centro de reciclagem de plástico em Minas Gerais, onde pagará uma bonificação para os coletores.
Apesar dos esforços, a marca é clara em sua comunicação de que, em alguns tecidos específicos, ainda usa algodão convencional e que os pigmentos para tingir couro, borracha e algodão não são produtos naturais.
Com a tendência da moda vegana, a Vert também explicita considerar a escolha mais sustentável do que o uso de plástico feito quase totalmente à base de petróleo. Ao mesmo tempo, trabalha em materiais alternativos, como o que batizou de CWL (sigla em inglês para ‘algodão trabalhado como couro’), feito de algodão e um revestimento à base de milho.
Mais responsabilidade, menos publi
A escolha por produzir no Brasil difere da Nike, Vans e outras grandes marcas cuja fabricação é centralizada em países de mão de obra mais barata na Ásia, como China e Vietnã, onde o controle de direitos humanos e trabalhistas frequentemente não é rígido.
Fazer diferente tem um preço alto. Só a produção fabril tem o custo três vezes maior no Brasil do que teria na China, segundo o orçamento solicitado pela Veja a uma fabricante chinesa. (Este é o nome da marca nos 30 países em que está presente. Por aqui, por questões de registro, a companhia adotou Vert, “verde” em francês, mas o plano é unificar o nome nos próximos meses).
Mesmo assim, os preços da franco-brasileira não diferem tanto de grandes marcas, com os 32 modelos distribuídos na faixa de R$ 410 a R$ 1000 por par.
“Nessa equação, nós temos que economizar em algo. Nosso orçamento para marketing é muito baixo, não fazemos anúncios nem patrocínios”, diz Morillion. Assim como muitos dos insumos usados nos produtos, a visibilidade que a marca obteve nos últimos anos foi orgânica.