
As motocicletas lideram a transição para a eletrificação. Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA), veículos elétricos representam mais de 9% da frota global de duas ou três rodas, enquanto na frota global de quatro rodas eles são apenas 4%.
No Brasil, um dos maiores mercados de motos do mundo, esse movimento está começando. Ou melhor, recomeçando, depois do fracasso da Voltz, uma startup que tentou eletrificar o transporte de duas rodas no país.
Duas novatas entraram na corrida, ambas oferecendo principalmente veículos de aluguel para o negócio de entregas. A Vammo começou a montar suas motos com baterias em 2024, na Zona Franca de Manaus. A Riba pretende inaugurar uma fábrica em abril, no mesmo local. A disputa entre as duas sinaliza um novo impulso para esse mercado nascente.
“Motocicletas e triciclos elétricos se destacam como a porta de entrada mais acessível e econômica para a mobilidade elétrica”, diz o relatório Global EV Outlook 2025, da IEA.
A dificuldade é conquistar espaço diante de concorrentes estabelecidos há décadas. Com 67% das vendas em 2025, a Honda mantém há meio século a liderança nas vendas de motos a combustão no Brasil.
Segundo a Fenabrave, a marca australiana VMoto lidera, no segmento a bateria com 34% do mercado, seguida pela chinesa GCX, com 16%. Em terceiro vem a brasileira Watts, com 7%. A companhia foi fundada em 2018 e comprada em 2022 pelo Grupo Multi (antigo Multilaser, a eclética empresa que começou a fabricar cartuchos de impressora, em 1987, e hoje tem um portfólio de 3500 produtos). Vammo e Riba não têm marcas próprias, por isso não participam desse ranking.
A Vammo levantou em outubro US$ 45 milhões em uma rodada liderada pelo fundo americano Ecosystem Integrity Fund (EIF). A Riba fechou uma captação no mês passado, diz Carlos Roma, CEO da empresa. Ele não revela o tamanho do aporte. Afirma apenas que foram “investidores grandes do Brasil”.
Disputa aberta
Mas a disputa está aberta no mercado de motos que têm bateria em vez de tanque de gasolina. Entre as 15 posições do ranking da Fenabrave, há empresas que emplacaram em média menos de 6 unidades por mês.
E volume de vendas não significa solidez. Fundada em 2017 como “a Tesla do Nordeste”, a Voltz liderou as vendas em 2022 e chegou a se tornar parceira do iFood, que adotou a meta de ter 10 mil entregadores com motos elétricas em circulação no fim daquele ano. O plano deu errado, e em 2023, a Voltz pediu recuperação judicial, deixando dívidas de R$ 335 milhões.
Ter competidores é importante, afirma Roma: “Sem concorrente, os investidores questionam: ‘Por que só você está aqui?’. A gente comemora cada um que dá certo nesse segmento – pelo menos na fase atual. Daqui a 30 anos, não sei se vai ser assim”.
Hoje, a Riba opera num modelo de aluguel. Cerca 3 mil clientes distribuídos em 12 Estados pagam pelo uso das motos e têm acesso a rede de pontos de abastecimento do tipo swap station – em vez de esperar pela recarga, a bateria é trocada por outra carregada.
Com a fábrica de Manaus, a empresa vai passar a também vender as motos ( o cliente faz o carregamento tradicional). O plano é aproveitar estímulo anunciado em junho pelo governo federal para esse tipo de veículo.
Além do aluguel
Riba e a Vammo se posicionam para um cenário em que a compra do veículo se torne mais fácil (e talvez diminua o apelo do aluguel para parte do mercado).
Em setembro, Will Cheng, CEO global da DiDi, chinesa que controla a 99, apresentou ao presidente Lula um programa de financiamento de R$ 6 bilhões para motos elétricas. “Eles vão ajudar de forma gigantesca. Vai mudar o panorama”, afirma Roma.
Enquanto o financiamento público prometido não se concretiza, locadoras e fabricantes contam com o apoio estratégico das plataformas de entrega. A 99, principal cliente da Riba, anunciou parceria com a chinesa Yadea, maior fabricante mundial de motocicletas elétricas, para desenvolver um modelo específico para o mercado brasileiro.
A combinação entre disponibilidade de crédito, perspectiva de queda nas taxas de juros e expansão da infraestrutura de recarga pode gerar um efeito multiplicador no mercado de lazer e uso pessoal.
Historicamente, assim como ocorreu com as motocicletas a combustão, o uso intensivo por frotas comerciais tende a validar a tecnologia, reduzir custos de produção e formar uma rede de manutenção mais abrangente, facilitando posteriormente a adoção pelo consumidor final.
Roma defende que a transição faça parte de políticas públicas. Ele advoga pelo banimento de motos a combustão no centro expandido de capitais. A difusão de motos elétricas reduziria ruído e emissões de carbono nas cidades.
O executivo argumenta que haveria outros benefícios, como menos acidentes. A Riba desenvolve, em parceria com um centro tecnológico de Portugal, um algoritmo para identificar comportamentos de risco. O objetivo é chegar a um sistema integrado à moto, capaz de monitorar 20 parâmetros, como a quantidade de freadas por minuto, a velocidade em relação ao ângulo das curvas e a intensidade de uso do acelerador. “Conforme o resultado, o sistema poderá alertar o motociclista e a plataforma”, explica Roma.